Carol 07/04/2024Impressões da CarolLivro: Autobiografia do vermelho {1998}
Autora: Anne Carson {Canadá, 1950-}
Tradução: Ismar Tirelli Neto
Editora: 34
192p.
De início não teria resenha para "Autobiografia do vermelho". Não porque o livro seja ruim, longe disso!, adorei lê-lo. Mas estamos diante de um livro estranho, um livro-monstro. O que me fez mudar de ideia foi o encontro do clube de leitura da Aline Aimée, do qual saí extasiada. Como é bom conversar sobre nossas leituras.
Anne Carson retoma o mito de Gerião, monstro supliciado por Hércules em seu 10° trabalho. Ela adota a versão do poeta Estesícoro de Hímera (c. 640-556 a.C.) que, em sua Gerioneida, reconta o mito pela perspectiva de Gerião.
O livro de Carson se inicia com um proêmio através do qual somos apresentados ao poeta Estesícoro. Segue-se a tradução (criação?) de fragmentos atribuídos à Gerioneida e três apêndices e, enfim, o romance em versos do título - epigrafado com um poema de Emily Dickinson - que narra o caso de amor entre os jovens Gerião e Héracles, nossos contemporâneos.
Um livro-monstro, eu disse. Um livro apaixonante.
É fascinante ver o que Carson faz com as palavras. Os adjetivos "são os trincos do ser"; Quando a justiça é alcançada, "o mundo resvala para longe"; O casal se vê pela primeira vez e é um daqueles momentos "que são o oposto da cegueira"...meu livro está todo sublinhado. Isso é prosa poética!
É fascinante um texto de uma professora de literatura clássica, tradutora, poeta, ensaísta, maravilhosa, um texto que nos convida a buscar as referências, a mergulhar num universo-outro, uma erudição que nos abraça, que não nos repele.
É fascinante pensar no percurso que textos antigos transitaram até nós, leitores modernos. O que foi perdido com os séculos, as lacunas, os fragmentos, as criações, as interpretações. A volatilidade dos atos de traduzir, de ler, de escrever. E, aqui, meu elogio ao @ramerrame, que verteu lindamente as palavras de Carson ao português.
Fica a minha recomendação de um livro que, à primeira vista, possa causar estranhamento, mas cuja leitura nos recompensa demais, demais. É bom ser contemporânea à Anne Carson.
"Gerião era um monstro tudo nele era vermelho." p. 13