Lisa 15/01/2023
Nos enxergamos do modo que somos de fato?
O Murakami é sem dúvida o meu autor favorito (junto com Tolstói), suas narrativas sempre me conquistam, na maioria das vezes de cara, mas principalmente no meio delas, sempre crescem e cativam. Contudo, é também um autor de uma história só.
Em plots que sempre envolvem o onírico e extraordinário de modo que soem ordinários, os seus personagens compartilham as mesmas características, gostos e perfis. Sempre adultos solitários, introspectivos e perdidos, confusos sobre qual lugar habitam no mundo, desligados, deprimidos e deprimindo. Tsuruku poderia ser o Toru que poderia ser o Hajime, a Branca e Preta poderiam ser a Naoko e Sumire em muitos aspectos. Figurinhas repetidas tendem a ser notadas, certo? Murakami ja foi questionado sobre e sua resposta resume sua prosa, a faixa dos 30 anos é jovem, mas não tão jovem, é um ambiente perigoso e sensível e o interessa entender e escrever sobre os dilemas desse eixo com sua calma característica.
Somente uma carta, sim, mas a única que se precisa. Uma mesma jogada mas se ela nunca falha, é preciso outra? Parece que não, principalmente porque embora parecidos, cada personagem é revestido com camadas particulares de profundidade, com sofrimentos que são reais e falam diretamente com quem os lê.
"O incolor Tsuruku Tazaki e seus anos de peregrinação" é sobre uma jornada de autoconhecimento. Com traumas e demandas que são anteriores ao abandono misterioso dos amigos, se trata do medo de se conhecer, de descobrir quem é e das imagens distorcidas que criamos de nós, muitas vezes tão longe da realidade, mas que não conseguimos ver e sofremos com isso. Tsuruku assume que não tem cor, que é um recipiente vazio, não agrada, não comporta, não faz diferença e por isso é abandonado, que não acrescenta nada a vida dos outros. E essa visão de si o aprisiona.
Como sempre, é um prazer ler esse autor, é um desconforto confortável. Mas preciso, confessar, esse foi um livro sem música, ou melhor, de uma música só e eu que sou acostumada a montar uma playlist de horas só com as indicações que o autor cita em suas histórias me senti um pouco traída e reclamando. Mas até isso, foi proposital, afinal, que música ouviria alguém que não tem cor? Que sente-se oco?