Rodrigo Moreira 23/01/2015
Será Remoto e Improvável?
Para estruturar o pensamento e facilitar a explicação, dividido o livro em alguns pontos. São eles:
- História;
- Personagens;
- Formato/técnica;
- Arte;
- Sentimento.
História
Uma epopeia! Mas as epopeias não narram a história, jornadas de um povo, uma nação? Sim. Contudo, esta história é trazida por meio de referências de vida, experiências com os seres vivos, prazeres e desprazeres, aprendizados e muita história para contar. Se a escrita foi feita por duas pessoas, eu me pergunto: quantas pessoas mais passaram pela vida dos autores? De onde buscaram tamanha inspiração? Em amigos, família, escola, faculdade, baladas, amores remotos e improváveis? Tudo isso junto caracteriza a história de muita gente, de um povo, por assim dizer.
Me lembro de uma, similar ao de Bia e Tarso, que “dá saudade no verão”. Aconteceu assim também, com Eduardo e Mônica – personagens imortalizados em nossa cultura nacional. Mas também aconteceu assim comigo, com vocês, com o fulaninho que leu ou lerá esse livro, com os nossos pais, amigos e parentes. Acontece o tempo todo e com todo mundo.
Se existe inspiração divina... eu não sei? Mas afirmo que, com toda a certeza do mundo, as referências que nos cercam são as maiores fontes de inspiração e aprendizado existentes.
Esta história tem muito disso, aliás, só tem disso! É pautada em uma situação clichê, mas nem por isso, démodé. O amor! Retrata os sentimentos primitivos de relacionamento com o mundo (medo, insegurança, libido, paixão, amor), evoluindo para as sobreposições que fazemos por meio dos nossos julgamentos de valores, nos fazendo resistir ao chamado de mudanças e sem evitar a constante provocação e sedução de um novo mundo que se apresenta. O que fazer diante disso? Será que conseguirei? Será que sou bom suficiente? Para quem?
O novo sempre assusta! Entendo que seja essa a premissa da história. Mesmo para a mais experiente amante, sentir-se fora de seu controle, entregando-se aos sentimentos arriscados e desconhecidos, só mostra o quando somos pequenos perto da ignorância de acharmos que sabemos de tudo. Além disso, alienar-se pela religião, seja lá qual for, é um processo de “empobrecimento da alma”. É preciso ter crítica para saber o que é bom ou ruim. Não digo que uma religião é melhor do que a outra, apenas menciono que, para saber se é isso ou aquilo, nada melhor do que a leitura do mundo conjunta a dos livros e mandamentos. Creio que, o homem, se torna malévolo com os seus semelhantes no momento em que sucumbi às suas convicções, sejam elas quais forem.
E esse é ponto que mais me desperta interesse por essa história, pois ela retrata, de forma gradual, o desenvolvimento da personalidade dos personagens, Bia e Tarso.
Personagens
Simples e complexos! Como pode? Somos assim em nossa rotina. Assim é o ser humano.
Bia, independente, mulher forte, determinada e comprometida com a sua carreira, se esconde atrás deste escudo de vidro extremamente fino. Predadora e voraz, coleciona homens e relações sem profundidade na tentativa inconsciente de preencher o seu vazio interno. Suas viagens a trabalho, são uma amostra no mundo consciente do quanto é importante para ela não estabelecer vínculos, pois isso, exige comprometimento e dedicação. Passa a impressão de que o que ela “quer” e “precisa”, é de algo rápido e que a faça esquecer de suas origens, de toda a dor por ter sido uma filha preterida e julgada pelo simples fato de ser “canhotinha”. Pobre! Por ironia, não seria ela, alguns anos mais tarde, a fazer o mesmo com um podre e nobre rapaz? Ora... Bia! Que é que há, hein? O que tem demais esse rapaz... Tarso?
Tarso, convicto de sua missão de bom homem na Terra, temente a Deus, tio e irmão devoto, uma alma incorruptível. Será? Bom, se a entrega aos instintos primitivos significam isso, então, é... fazer o quê? Depende de como se olha. Dos valores que empregamos baseados em nossas experiências de vida e, principalmente, das chances que damos ao outro de não ser julgado por aquilo que achamos certo. A forma como Tarso se vê diante disso e se torna responsável por suas decisões, buscando sair de um estágio infantil, passando pela adolescência e entrando na vida adulta, em um período meteórico de 6 meses, retrata exatamente como fazemos em nosso processo de desenvolvimento pessoal ao longo da vida. Sim, é evidente que temos intermediários nisso tudo, mas as decisões são nossas, não? As motivações internas para isso não pertencem a mais ninguém senão a nós mesmos. É isso o que ele procura: crescer.
Ambos, Bia e Tarso, são imaturos em seus sentimentos. Julgam-se capazes pelas suas únicas e exclusivas experiências concretas, mas como dito: “...somos pequenos peto da ignorância de acharmos que sabemos de tudo”.
Há um crescimento conjunto em que um suporta o outro, além do suporte de personagens secundários que servem para orientá-los. Gosto da dinâmica como gato Tolstoi, remetendo ao arquétipo de “Grilo Falante”, frágil, porém, sábio conselheiro. Mesmo os chamados “inimigos”, surgem como ponto crucial, estabelecendo pequenos, mas importantes clímaces na história e proporcionando o que popularmente conhecemos como o “aprendizado pela dor”. E é claro, isso dá um alívio na narrativa que segue, afinal, não estamos sozinhos no mundo e precisamos de outros em nossa vida para termos histórias para contar, mesmo que as experiências sejam ruins.
Formato/Técnica
O formato do livro é original. Uma história toda construída pelo e-mail. De quem para quem, data, horário, assunto... nossa, criativo, atrativo e real.
Imaginei que a história toda seria construída assim e isso, representaria um certo risco, pois, por mais que as pessoas conversem remotamente, elas se encontram no dia-a-dia. Havia uma grande chance de essa história caminhar para uma dinâmica fantasiosa, totalmente contraria a proposta inicial. No entanto, uma solução muito boa, foi introduzir ligações telefônicas e por Skype entre os personagens, finais de semana juntos, jantares, filmes e etc. Isso dá uma quebra interessante na narrativa e isto não se torna repetitivo. Além disso, mostra que eles não estão sozinhos no mundo, imersos em uma caixa fechada qualquer. O mundo existe e somos todos assim!
A leitura é fluida e o seu formato linear, facilita a compreensão e a imersão no mundo dos personagens. Inclusive – eu fiz isso – se quiser comprovar se uma conversa realmente aconteceu, como mostra na página 147, basta folear algumas páginas para trás. Você verá que sim, ela está lá. Este comentário é apenas uma forma de evidenciar o quanto é fácil ler e se organizar temporalmente nessa aventura amorosa.
A obra ser narrada em primeira pessoa, afasta a presença do autor e compartilha diretamente os sentimentos e emoções dos personagens. É uma imersão divertida, mas tensa em alguns momentos. Esta tensão é retratada durante a leitura, quando sem que perceba, diz para quem tenta atrapalhar a relação dos dois: “Filha da puta”. Também me lembrou muito os filmes de terror e suspense que tanto gosto, em que sussurro para TV, quase suplicando, pedindo que o mocinho e a mocinha recuem, pois o mostro está à espreita.
Arte
O conceito ambíguo da capa retrata a relação de amor e ódio. (Hey, me dou o direito de interpretá-la como quiser, afinal, isto é arte). O que é o ódio senão uma variação do amor? - Podemos dizer que a sensação seria o vazio se não houvesse o amor. Mas neste caso, falamos de antônimos mesmo, ok?
Retrata de forma simples as duas almas em busca de redenção e felicidade em suas vidas, separadas por cores diferentes, neste caso, universos opostos, mas que se atraem. Se unem pelas costas sem que um perceba a chegada do outro, evitando que o olhar para o novo traga o desconforto da dúvida.
A própria configuração do magenta, uma cor primária que tem como seu complemento o verde, é uma metáfora de como as diferenças podem sim, complementar e dar o tom verdadeiro para que um quadro branco, não pareça sem fim e sem vida. Colore a vida com suavidade espalhando alegria por ela.
Sentimento
Esqueçam tudo o que listei acima. Racionalizei toda a situação para poder me organizar, mas deixei por último o que sentia.
Toda a história precisa de referencial, fatos reais que a suportem, mesmo que seja do gênero fantástico. J.R.R. Tolkien sabiamente nos brindou com um mundo onde explora isso, usando a realidade de forma fantasiosa. Em Remoto e Improvável ocorre o inverso, usando a fantasia na realidade, na forma como os sentimentos são mostrados e confrontados com os obstáculos da vida (inveja, valores, distância). Em situações como essas, muitas vezes recuamos e nos contentamos com o simples desejo, sonhando acordado sobre como aquilo poderia ser bom, mas não foi!
A razão é importante, pois nos orienta e nós faz concretizar sonhos. Mas o feeling, as nossas percepções, sensações, não podem ser ignorados. Essa é a ponte que liga o mundo real ao invisível, aquilo que apenas imaginamos conhecer e quando enfim acontece, sentimos que entramos no paraíso, pois não há mais nada importante no mundo, nada mais que justifique estar em outro lugar e/ou com aquele alguém.
Portanto: história, personagens, formato/técnica e arte, representam aqui a razão, uma mera tentativa de justificar aquilo que é sentido. Já o sentimento, assim... tão... remoto e improvável, preenche os outros 50% que precisamos e que dá o gosto, acrescenta o tempero certo para que as ações, certas ou erradas, tenham sentido para que as faz. Simples assim!
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