Joana 11/02/2015
Machista, sim. Desculpe.
Paixão sem limites foi um dos primeiros new adults que li. O gênero era novo, e, naquela época, tudo se resumia em amor. Ninguém tinha certeza se aquela seria só mais uma febre literária como os sick lits ou se aqueles romances clichês e mais maduros que young adults tinham chegado para ficar. Então é essa minha defesa: era tudo novo e amor. Quando conheci o trabalho de Abbi Glines, me deparei com uma história de amor dramática como uma novela mexicana (e você sabe o quanto eu gosto de novelas mexicanas), e fui conquistada de cara. Eu não exigia nada da autora além de um OTP com química e muitos problemas. Foi exatamente isso que ela deu. Porém hoje, cinco livros após ter conhecido a autora, algumas coisas se tornam mais visíveis e dignas de nota. Algumas coisas que antes eu relevava, chegaram a um ponto que eu preciso discutir.
Precisamos conversar, meu caro leitor, sobre Abbi Glines ser machista. E não cansar disso.
Eu não pretendo colocar todos os livros do gênero no mesmo saco. Inclusive porque new adult, apesar dos apesares, ainda é meu gênero literário favorito. Existe muita coisa boa entre esses livros, mas também, e cito Glines novamente, existem muitas mensagens retrógradas que a gente tenta tão exaustivamente apagar em pleno século XXI. Mensagens que se tornam repetitivas ao longo de um livro e outro. O problema da autora não foi nem ter tido essa abordagem em determinados momentos de suas histórias. Foi ter repetido. Foi receber essas críticas sobre o machismo e não tentar contornar. Em insistir em objetificar a mulher e, cara, isso é muito errado. Que ano é hoje, afinal?
São várias coisas visíveis durante a narrativa da autora que evidenciam um machismo indiscutível. Em certos contextos, o protecionismo do namorado pode parecer encantador, naquela ilusão de príncipe encantado do cavalo branco, mas isso é levado a exaustão quando as protagonistas parecem donzelas o tempo todo. Não, pior que isso, elas são tratadas como donzelas o tempo todo. Elas são capazes de se defender, mas preferem ter alguém olhando por elas e as envolvendo numa bolha de segurança muitas vezes insuficiente, pois é daí que vem os plots com que a autora trabalha. O cara só se sente bem consigo quando têm a ideia de estar salvando a garota. O herói da história quer honrar o título a todo custo e proteger a personagem de mosquitos, se esse for o perigo. Isso, por sua vez, leva a outro problema grandioso – e demasiadamente irritante – que é a possessividade.
Essa não é a primeira vez que falo disso. Protagonistas masculinos, principalmente de new adult, tem aquela mania insuportável de bancar o homem das cavernas. Tem aquela garota e ela é sua garota (pausa para o cara bater no peito – expressão, inclusive, usada por Glines em um de seus livros). Essa moça não pode ser olhada por outros caras, não pode mostrar as pernas, e precisa afirmar O TEMPO TODO que é sua propriedade. Se isso não é transformar pessoas em objetos, eu juro que não sei mais nada. Parece romântico, mas não é. Definitivamente não é. É opressivo e sufocante e, na vida real, muitas histórias parecidas com essas terminam em casos de abuso. Parece romântico agora?
Porém, a gota d’água com Simples Perfeição, foi justamente na parte mais debatida do machismo: a igualdade profissional. Se existe alguém que ainda acha a função social da mulher é cuidar de uma família e só, por favor, descubra uma máquina do tempo e volte para o século que nunca deveria ter saído. Isso é absurdo e grosseiro. Mas está lá, como um núcleo do enredo que a autora faz parecer muito natural. Eu devo parabenizar a protagonista por querer trabalhar ao invés de ficar com as pernas jogadas no sofá o dia todo? Porque, no meio de tudo, isso parece uma grande coisa. O problema mora no namorado, que não quer vê-la trabalhando, e só aceita isso – muito contra a vontade, aliás – quando a contrata como assistente, para poder mantê-la por perto e com olho em cima. Claro que Glines faz parecer uma atitude protetora por parte do rapaz, por causa do passado traumático da protagonista, mas a autora não lembra que pessoas com problemas psicológicos muito piores que os de Della trabalham normalmente, em qualquer função designada. Della trabalhava normalmente até começar a namorar Woods. Por que, justamente agora, é tão terrível que ela encontre uma ocupação?
Tudo isso culmina na brilhante frase, dita por Della, que, em síntese, dizia: “eu preciso estar disponível para quando ele precisar de mim.”. QUERIDA, VOCÊ É O QUE? UM CELULAR? UM SINAL DE WIFI? Della é uma garota desse século que, segura essa bomba, tem as próprias necessidades. Não importa o quanto ela ama e é amada, deixar de seguir com a própria vida para servir como âncora para um cara é ir contra o que tantas e tantas mulheres lutaram ao queimar sutiã em praça pública.
Por fim, se torna um conjunto de erros muitos fortes para livros focados para um público feminino e jovem. Por trás de todas aquelas paixões fulminantes, existem mensagens muito negativas sobre o papel da mulher na sociedade. Algo tão debatido, algo tão em voga, tratado de uma maneira muito, muito errada. Della, Blaire, qualquer outra personagem – seja de Abbi Glines, seja de qualquer outro livro –, não deveria abrir mão dos seus anseios em prol de um relacionamento que não é nem saudável. Nenhuma mulher deveria. Todas as pessoas no mundo tem o direito de trabalhar como e quando quiserem, ter a posse do próprio corpo e se relacionar com quem quiser sem ter medo da sombra do namorado que não aceita nem uma conversa amigável com um colega de trabalho.
E, por favor, nem quero falar sobre beijos possessivos como demonstração de poder na frente de estranhos. De novo: que ano é hoje?
site: http://poderosasegirlies.blogspot.com.br/2015/02/desculpa-mas-abbi-glines-e-machista.html