Palazo 26/08/2011O rei do mundo, de David Remnick“Deus todo-poderoso estava comigo! Quero que todos sejam testemunhas! Sou o maior! Abalei o mundo! Sou o maior de todos! Não tenho nenhuma marca sequer em meu rosto. Acabei com Sonny Liston, e tenho apenas 22 anos. Só posso ser o maior! Mostrei isso ao mundo! Eu falo com Deus todos os dias! Sou o rei do mundo!”
As palavras de Muhammad Ali foram proclamadas logo após a conquista do título de campeão dos pesos pesados ao derrotar Sonny Liston em 1964. A euforia do novo campeão era evidente, uma vez que conquistava o título mais cobiçado do mundo com apenas 22 anos, contrariando todas as previsões da imprensa esportiva.
A trajetória de Muhammad Ali, conhecido até então como Cassius Clay ((Cassius Clay assume o nome de Muhammad Ali logo após se tornar mulçumano, ato que aconteceu logo após ele ganhar o título mundial dos pesos pesados)), até se tornar campeão dos pesos pesados e todo o ambiente que o rodeava é contado no livro “O rei do mundo”, escrito pelo jornalista David Remnick e publicado pela Companhia das Letras.
Na época, o racismo era imperativo nos EUA. Divisões raciais entre bairros, bares, restaurantes eram normais, as pessoais viviam um clima hostil. Algumas lendas até surgiram sobre esse aspecto, como a história em que Cassius Clay jogou sua medalha de ouro, conquistada na olimpíada, no rio após ser proibido de entrar em um restaurante. A história foi negada pelo atleta, que alega apenas ter perdido a medalha.
Porém o racismo era mesmo evidente e afetou o campeão de boxe, que por várias vezes queria dar autógrafos para seus fãs, mas as lojas de material esportivo recusavam-se a chamá-lo com medo da invasão de pessoas negras ao seu estabelecimento.
Junto com todo o ambiente de apartheid explícito, o boxe não era um dos esportes mais honestos e limpos. Tanto que a maioria dos atletas era agenciado pela máfia, com a exploração dos atletas, compra de resultados e, sendo preciso, até a eliminação de todo adversário que se recusasse a aceitar o suporte da máfia.
Nesse ambiente surge um boxeador diferente, medalha de ouro dos jogos olímpicos de Roma (( Disputam a olimpíada apenas boxeadores amadores, geralmente eles se tornam profissionais depois de uma experiência olímpica)). E ao invés da ligação a máfia, o jovem Cassius Clay recebe o apoio financeiro de um grupo de investidores brancos, que procuravam apenas diversão com o baixo investimento e um bom retorno com as lutas disputadas pelo então medalhista olímpico.
Mas não foi apenas a desvinculação da máfia que chama a atenção na trajetória de Cassius. O estilo do lutador iria mudar o boxe e marcar época. Rápida movimentação, pernas que não ficam estáticas, mas que dançam o tempo inteiro e braços que não protejem o rosto, mas ficam abaixados de maneira provocativa chamando o adversário.
A provocação dentro e fora do ringue sempre foi marca fundamental de Ali, que sempre teve a língua afiada e rítmica com seus versinhos provocativos contra os adversários. A provocação típica de Cassius Clay fica evidente na sua foto mais famosa, tirada por Neil Leifer em que ele ao derrubar Sonny Liston antes de completar um minuto de luta chama o adversário para que continue lutando: “Levante-se e lute seu vagabundo! Você não é tão malvado? Ninguém vai acreditar nisso!”
Toda a trajetória de lutas é enfatizada no livro de David Remnick por toda a cobertura da imprensa escrita e suas inúmeras colunas e reportagens em volta dos pugilistas. A paixão, o amor e o ódio rodeavam as colunas de diversos jornalistas e influenciavam diretamente os boxeadores, tanto que Ali ao ser declarado campeão dos pesos pesados gritava enlouquecido: “Engulam suas palavras, engulam suas palavras”.
Nomes importantes da história americana em defesa dos direitos dos americanos e dos negros também aparecem na obra como Martin Luther King e Malcolm X. Este último foi amigo particular de Cassius Clay durante muito tempo e algumas cenas da amizade entre duas das maiores personalidades negras americanas são descritas pelo jornalista.
Ao contar a história de Cassius Clay o jornalista David Remnick retorna no tempo para mostrar uma das figuras mais irreverentes e marcantes do último século. Em um ambiente hostil, em que a exclusão racial predominava, surge Muhammad Ali. Homem de língua afiada e jeito provocativo para desafiar lutadores dentro e fora do ringue contra qualquer tentativa de menosprezá-lo como homem, mulçumano ou negro.
Um livro que faz o leitor transcender as páginas do livro e ganhar muito com a busca por textos, crônicas, fotos e vídeos que representem cada momento descrito na obra de David Remnick.