Luis 04/01/2015
Bacalhau e buzinadas na trajetória do Velho Palhaço.
Uma das grandes contribuições de Ruy Castro e Fernando Morais ao darem contornos definitivos à biografia como gênero fundamental das letras brasileiras, é justamente terem aberto às portas à uma penca de novos autores que, com insuspeita competência, tem levado adiante esse bastão. Um deles sem dúvida é Denilson Monteiro.
Destacando-se como pesquisador do livro “O Som e a fúria de Tim Maia”, assinado por Nelson Motta e, como autor do seminal “Dez, nota dez”, biografia de Carlos Imperial, além de “A Bossa do Lobo”, sobre Ronaldo Bôscoli, Denilson agora se debruça sobre a vida de um dos maiores nomes da TV brasileira em todos os tempos, Abelardo “Chacrinha” Barbosa.
Há muito o mundo editorial estava em dívida com o Velho Guerreiro, que há alguns anos já havia sido alvo de uma fraca biografia escrita por Lúcia Rito, “Quem não se comunica se trumbica” (Editora Globo, 1995), por isso, dado o currículo do autor e a importância do personagem, foram geradas grandes expectativas para “Chacrinha, a biografia” (Casa da Palavra, 2014). Embora o livro esteja longe de ser ruim, alguns problemas saltam aos olhos o que, de certa forma, frustra um pouco o leitor mais exigente que esperava uma obra de referência sobre a história televisiva do país.
Uma das questões é a falta de clareza sobre o vai e vem entre emissoras que marcou os primeiros anos da carreira do animador. Chacrinha entrava e saia de estações com certa frequência, o que talvez necessitasse de uma narrativa mais didática por parte do autor. É inevitável que o leitor comum se sinta um pouco perdido sobre os períodos exatos em que o locutor estava nessa ou naquela rádio. A falta de divisão dos capítulos por anos, procedimento simples e eficiente, poderia ter sido uma ferramenta útil.
A trajetória de Chacrinha na televisão também traz algumas imprecisões: em outras fontes, notadamente no brilhante “O Campeão de audiência”, obra de Walter Clarck em parceria com Gabriel Priolli, consta que a ida do apresentador para o horário nobre, um dos fatores determinantes para o seu estouro na televisão, se deu no canal 13 carioca, fruto do acaso ao preencher um buraco causado pela falta de um filme. No entanto, páginas antes , é citado que a Discoteca já era apresentada na Tupi, em 61, aos domingos à noite, informação conflitante de que ela estreara na Tupi, em 56, às terças às 12:50, também relatada na biografia.
Outro detalhe é a questão sobre a histórica edição da “Hora da Buzina” em 1966, em que Roberto Carlos recebeu o título de Rei que ostenta até hoje. Nessa época Chacrinha estava na Excelsior que, no Rio, tinha o seu programa exibido direto do Teatro Excelsior , antigo Cine Astória em Ipanema. O texto não é claro, pois ao mesmo tempo que indica que a coroação foi feita na edição paulista da “Buzina”, cita o local como o Astória que ficava no Rio. Podem parecer detalhes, mas, como cantou o próprio Rei, podem fazer muita diferença.
Alguns outros equívocos poderiam ter sido evitados com uma simples consulta ao google. Por exemplo, quando cita o elogio que Edgar Morin fez ao apresentador, comparando o seu poder de comunicação ao de Martin Luther King e John Kennedy, o texto descreve esse último como “então” Presidente dos EUA, quando na verdade ele já estava morto há cinco anos. Outro engano é quando narra aos últimos momentos do Velho Guerreiro, ao citar que D.Florinda havia ligado para o Hospital Lourenço Jorge. Essa unidade só seria inaugurada em 1996, 8 anos depois da morte de Abelardo.
Denilson Monteiro trata ainda com excessivas luvas de pelica assuntos espinhosos, como a questão do jabá, apontada por muitos como prática corrente, principalmente na última fase do programa na Globo. Chega a citar Ritchie sem tocar no entanto na famosa briga que envolveu o cantor e o apresentador, que o colocou na geladeira e ajudou a praticamente sepultar sua carreira. Causa estranheza também a insistência em tratar Chacrinha com uma nova alcunha, Conde de Surubim, nomenclatura jamais utilizada antes. Soa forçado.
Apesar desses deslizes, um adicional seria a falta de identificação da maioria das fotografias que abrem os capítulos, “Chacrinha, a biografia” está a léguas de distância de tudo que já foi publicado sobre o artista, se configurando como leitura obrigatória aos que se interessam pela história da TV no Brasil. Uma segunda edição, um pouco mais cuidadosa e atenta a esses pequenos detalhes, pode vir a colocar o livro no mesmo patamar das outras belas obras escritas por Denilson Monteiro, por ora, vai para o trono, ainda que com ressalvas.