arthurzito 22/09/2023Tive contato com os trabalhos de Thea von Harbou através do excelente e um dos meus filmes mudos favoritos, que é o trabalho de Fritz Lang em 'Metropolis' de 1927. A história me cativou muito, e eu busquei conhecer mais do universo e do diretor também. Esse filme e este livro são um daqueles poucos casos do cinema em que as duas obras foram feitas juntas e sob medida. Um outro exemplo disso é '2001', o filme dirigido por Stanley Kubrick, que foi produzido juntamente com a criação do livro de Arthur C. Clarke.
A história de 'Metropolis' é um dos arcos mais revisitados pelos entusiastas de ficção científica e distopias. Foi a ideia primeira e mãe de todas as outras adaptações. O livro se passa no futuro em uma megacidade com tecnologia de primeira linha e uma estrutura fantástica, mas realista. Não vejo como uma impossibilidade explicar Metropolis na vida real. E segue a jornada de Freder, filho do mestre e um dos idealizadores de Metropolis, para unir a classe trabalhadora, explorada e subalterna, com a classe executiva da cidade. A cidade é dividida em dois mundos: a parte de cima, onde vivem e, sobretudo, trabalham as mentes e braços pensantes da cidade que parecem ser um porto de informações para todas as outras megacidades do mundo; e a parte inferior da cidade, onde trabalham as mãos de Metropolis, nas máquinas que possibilitam o funcionamento da cidade.
Gosto de dois pontos a respeito desse tema, que é a exploração dos trabalhadores: os executivos também são explorados. Jon Fredersen, pai de Freder, busca um ritmo de trabalho ridículo, uma busca por um super-homem, mas não uma máquina. Isso porque ele quer que todos os homens da parte de cima não só vivam fazendo a mesma coisa repetidas vezes durante o dia, numa velocidade e numa concentração muito rápida, pelo resto de suas vidas, mas que gostem de fazê-lo, do mesmo jeito que ele gosta e sente prazer. Jon Fredersen toma muito cuidado em deixar isso claro para seu filho. Ele ainda não está buscando um homem-máquina. Isso, para mim, assusta mais. Porque não é 'imaginar Sísifo feliz' de Albert Camus e seu absurdismo; é transformar Sísifo em um homem feliz e sentindo prazer.
Esse raciocínio não se aplica aos habitantes da parte inferior da cidade. Jon Fredersen somente quer mãos que trabalhem sem pensar, como ele demonstrou com Rotwang, guru místico da cidade ao encomendar uma espécie de robô. Ele somente quer alimentar as máquinas e deixá-las funcionando. Ao meu ver, a exploração dessa classe é muito maior do que a gente imagina. Eles não trabalham em turnos propriamente; são escalas que permitem o mínimo. A cena do encontro de Freder com Georgi, em que também é falado que o nome dele na verdade é 11811, é muito explícita a crueldade da máquina. São trabalhos que ferem e torturam. E saber que eles são apenas números, como lotes de produto, é chocante.
Não é de se imaginar que o clima de tensão com uma iminente revolta é óbvio e de se esperar. Mas o que pega para mim é a personagem Maria. O livro é cheio de referências bíblicas, mas a Maria aqui é literalmente a Maria da Bíblia. Ela é a grande pensadora por trás dos trabalhadores, e ela é bastante enfática na chegada de uma espécie de messias que trará a união pacífica, sem necessidade de uma revolta. Isso, para mim, é alienação pura. E é claro que Freder compra isso totalmente. A motivação dele querer ajudar é genuína, não questiono isso, mas para mim é basicamente um daqueles problemas de gente rica.
No mais, o livro é excepcional na linguagem, na sinestesia presente em tudo e, sobretudo, na poesia. São frases e mais frases cheias de poesia, e cenas que te deixam apreensivo. É por isso que esse livro não merece ser lido sem ver o filme. A nota que dei é basicamente porque esse livro não é independente. A linguagem que ele usa funcionou para mim porque eu já vi o filme e gostei muito. Não acho que funciona assim para um público geral.