Ana Usui 29/08/2022
A verdadeira cultura popular: o absurdo e o obsceno
AVISO: Contém gatilhos de incesto, pedofilia, zoofilia e linguagem vulgar. NÃO LEIA se não for o tipo de leitor que encara Lolita, Cortiço e livros polêmicos/tabu.
Esse livro é horroroso, é um absurdo dos maiores absurdos, é obsceno, vulgar e insensível. Ele é composto por alguns poemas e três contos, são eles: Caderno Rosa de Lori Lamby, Contos d’Escárnio – textos grotescos e Cartas de um Sedutor.
O primeiro conto é o pior de todos e serve como um aviso, um meio de afastar o leitor, como um pitbull latindo no quintal avisando pra você sair correndo. No Caderno Rosa somos apresentados a pequena Lori, uma garotinha que relata em um caderno suas experiências sexuais com vários homens que visitam sua casa. O conto é desconfortável, é maldito em todo o sentido da palavra, é horrível, não só pela situação apresentada, mas também porque sabemos que muitas pessoas podem e irão ler esse conto sentindo prazer, é perverso e minha vontade foi de queimar todas tiragens desse livro, MAS
MAS em meio as confissões da pequena Lori, que é prostituí** pelos seus pais, uma mãe alcoólatra e um pai escritor, ela vai nos contando as frustrações do pai, como ele se deprime porque seus escritos não são aceitos pelo editor, que lhe recomenda constantemente que escreva coisas mais leves, bandalheiras e sacanagens porque é isso que vende. E aí as coisas ficam confusas por não sabemos ao certo se tudo está realmente acontecendo ou se é invenção da pequena menina que quer ajudar o pai, ou até mesmo se a menina existe! Talvez ela seja uma projeção da escrita do pai, já que a Hilda (no decorrer de todo o livro) mistura seus personagens e as situações, deixando você sem entender quem é o verdadeiro escritor, quem são os personagens da cena e se está tudo conectado ou não. Só que nada disso realmente importa, porque a verdadeira mensagem da autora é justamente “vender sacanagem”, ela está criticando o mercado editorial e o mercado mainstream de cultura que basicamente só vende sexo.
É não é verdade? O quanto de livros com temas tortos e imorais existem por aí e vendem horrores sob o disfarce de romance? Quantos vendem por ano dentro da classificação de literatura baixa e erótica? Quanto dinheiro 365 dias, 50 tons de cinza, After movimentaram? Eles tiveram até filme!!!
Hilda também nos aponta o machismo, em todos os contos do livro, em meio ao palavreado mais chulo possível, ela faz referência a obras cultas e reverenciadas pelos intelectuais. Detalhe: a maioria (se não todos os citados) são de autores homens. E aqui temos mais uma crítica, como o gênero muda a percepção dos leitores do que é aceitável ser escrito e o que não é.
E concordo plenamente com a autora. Vladimir Nabokov escreveu Lolita e é um grandessíssimo clássico da literatura, a obra é puramente pedofilia, sua intenção é criticar o ato e a forma como ele é muitas vezes aceito de forma natural pela sociedade e por quem está no poder. Porém, Hilda se atrevendo a fazer algo parecido.... É xingada aos quatro ventos.
Hilda deixa claro em sua obra que não está escrevendo literatura erótica, está escrevendo pornográfica e existe uma diferença importante entre os gêneros: a obra é explicita, não fica se utilizando de termos fantasiosos para narrar a verdade da sexualidade. Ela usa termos como c* sem desculpas. Uma variedade infinita de pic*s, pregas e pombas.
A autora expõe como o sexo é risível, como é vulgar em sua essência, como finge se esconder, mas não se esconde, como é material e não fantasioso ou poético. A ironia reside no fato dela evidenciar tudo isso em forma de poema.
E é sobre isso Porno Chic, é sobre pornografia pura e escandalosa, entretanto também é sobre críticas, é sobre cultura, é sobre filosofia. Hilda conseguiu aproximar o mais alto do mais baixo, o mais refinado do que há de mais esdruxulo. É um ato de revolta por anos de silêncio do mercado editorial e dos críticos brasileiros sobre suas obras sérias. É uma rebelião e também uma grande pegadinha. Hilda tirou com a cara de todos, até mesmo com a dela.