Pandora 04/08/2019Acho que podemos ver esta história de duas formas: ou aceitamos o que Barry nos conta e ficamos tocados ou tentamos ler nas entrelinhas e achar algum coelho nesse mato. Como eu não conheço outra versão da história e Edith já morreu, fico com a primeira opção.
A idosa Edith Macefield ficou famosa em Seattle quando se recusou a vender sua casa por 1 milhão de dólares para a Imobiliária Bridge Group, que construiria um shopping no quarteirão. A solução foi, então, construir o shopping em volta da minúscula casinha dela. A fim de explicar-lhe como seria o dia a dia da construção, Barry Martin, o responsável pela obra, apresentou-se a Edith e, movido pela curiosidade em torno daquela senhora com fama de durona, acostumou-se a conversar com ela em frente à casa, até que um dia foi convidado a entrar, foram ficando cada vez mais próximos e por fim desenvolverem uma grande amizade.
Edith é uma mulher misteriosa: ninguém sabe realmente do seu passado; mas ela conta histórias mirabolantes a Barry que incluem: nazismo, um castelo na Cornualha, vários maridos e amigos famosos, entre outras coisas. Verdade ou mentira? Não sabemos. Assim como não sabemos se toda a dedicação e paciência que Barry diz ter tido com Edith são verdadeiras. Mas a mim não importa. Li o livro como uma história sobre amizade e achei bom sem ser extraordinário; algumas situações me fizeram recordar eventos com parentes idosos e/ou com problemas de saúde; gostei da ênfase na questão de que devemos pensar quando fazemos algo pelo outro ou por nós mesmos; e também do respeito que devemos ter por quem envelhece, que merece ter dignidade e opinião e não ser tratado como criança o tempo todo.
Por outro lado, senti que essa história de “fazer o que é certo”, “o que tem que ser feito”, que Barry cita o tempo todo ao longo do livro é um pensamento muito rígido, talvez fruto da educação tradicional que ele teve. Ele é aquele cara que fica incomodado quando alguém fala um palavrão, que é incapaz de responder aos pais, mas que caça por esporte - aliás, sei que não tem nada a ver com o livro, mas isso me incomodou -, atividade que aprendeu com o pai e que espera passar ao filho. Enfim, ele é um homem que “faz o que é o certo” e... o que é o certo? Atirar num veado por diversão? Exibir-se pros amigos ao pegar o maior peixe? Cuidar de velhinhas solitárias?
Algumas pessoas acham que ele cuidou de Edith por interesse, mas eu acho que ele realmente seguiu esse lema de vida de ser correto. Sei lá, ela poderia ter vivido até os 100, como ele mesmo chega a conjecturar. Ele abriria mão de tudo para estar ali para ela? Abandonaria o barco? Faria o que era certo?
“Já fazia tempo que eu não conversava com o papai, mas me dei conta de quanto estava sendo impaciente com ele. Os constantes esquecimentos, o mau humor e seu comportamento em geral me incomodavam demais e eu não escondia isso dele. (...) Mesmo assim, na maior parte do tempo eu continuava bastante paciente com Edith, embora ela não estivesse facilitando isso para mim de forma alguma. Por que somos mais tolerantes com o comportamento de estranhos do que com o de nossos próprios parentes - aqueles que amamos mais e a quem devemos mais? Não tenho resposta para isso, mas acho que nem precisa. A questão é que simplesmente agimos assim, não importa o motivo.
Minha filosofia de vida é muito simples: descubra qual é a coisa certa a fazer e tente fazê-la. Não importa se será pela primeira vez. Não tenho que ir para o divã do psicanalista para chegar a essa conclusão. A questão é que Edith precisava de mim naquele momento, e, se eu não fosse ajudá-la, ninguém mais iria e ela ficaria em má situação. E embora meu pai não precisasse de mim para cuidar dele, ele precisava, na verdade, da minha paciência, e isso era o mínimo que eu lhe devia.”
Conclusão: se Edith tivesse contado esta história ao invés do Sr. Certinho, ela seria muito mais divertida e interessante. ;)
Nota: no Youtube há uma reportagem de Steve Hartman, da CBSN, que é citada à pág. 112 => “The “Up” house is floating away, for real”;
também há um vídeo intitulado “Edith Macefield” (da CredoSquare) que conta um pouco de sua história.