Henrique Fendrich 13/01/2020
Ainda que datado, o livro mostra impressionantes características do povo chinês. Notava-se inclusive muita ingenuidade por parte do chinês comum e eu me pergunto se ao menos um pouco disso não foi preservado mesmo nos dias de hoje. O chinês da época de Henfil se espantava com a ideia de existirem motéis, e ainda mais de irem até lá pessoas não casadas. Ao menos no tempo do Henfil, também o dinheiro ainda não havia estragado tudo.
A capacidade de organização em forças de trabalho, que parece característica de outros povos asiáticos além dos chineses, é visível por meio dos incríveis abrigos antinucleares que eles construíram, esforçando-se para reproduzir, no subterrâneo, exatamente a Pequim que existia acima do solo. Consta que os abrigos eram superiores aos norte-americanos.
A cartilha do governo, na época da visita de Henfil, era seguida como religião, em uma ditadura que em diversos momentos me lembrou o cenário de "A revolução dos bichos". Havia, apesar de tudo, algumas noções de respeito às minorias e aos idosos, além de uma ideia de igualdade social, ainda que as medidas adotadas não se mostrassem as mais adequadas.
É, de toda uma forma, uma obra muito interessante que evidencia várias diferenças culturais que existiam entre os chineses e o resto do mundo, muitas delas ainda existentes. Henfil se ateve a aspectos menos visíveis da sociedade chinesa da época. Não se espera, por exemplo, que ele vá ver a Muralha da China, como se fosse um turista comum.
Há também um trecho, escrito quando o Henfil ainda estava em viagem à China, que eu gostei muito e salvei:
"Agora, suponhamos que um chinês viesse aqui e, pela observação de sua maneira de viver, procurasse interpretar o european way o life. Diria ele, quando voltasse pra China: o europeu é escravo do trabalho. Não lhes respeitam vocação ou potencial. Trabalha onde o mercado manda. Recebe uma quantia em dinheiro para comprar uma porção de coisas supérfluas. A parte que economiza ele gasta quando entra numa fila imensa de carros na tradicional festa ocidental chamada weekend. Todo ano ele participa também de outra festa chamada férias. Fica um mês sem trabalhar e isto lhe causa muita angústia e um vazio enorme. Aí ele procura um cinema ou um teatro onde artistas contratados vivem para ele coisas essenciais como o amor, sexo etc.".