Tamirez | @resenhandosonhos 22/08/2018Caixa de PássarosDesde que esse lançamento foi anunciado no ano passado eu fiquei curiosa. A premissa de não saber ao certo o que está acontecendo e ver as pessoas abrindo mão de sua própria visão por medo é algo muito interessante e certamente brinca com o psicológico do leitor. Vi muita gente reclamando sobre a forma como o livro acaba e a a forma aberta como o autor resolve deixar o livro, mas na minha opinião, esse foi exatamente um dos diferenciais mais bacanas de Caixa de Pássaros.
Todo o clímax do livro é construído do fato de o leitor não saber o que está acontecendo, assim como os personagens. Eles são cegos e, ao ver a história pelos olhos deles, nós também nos tornamos. Quando eles saem para se aventurar no mundo estão sempre vendados e, consequentemente, nós também. Toda a experiência de “ver” do livro vem das sensações, da audição, dos pressentimentos, do cheiro. Não há visão para guiar e não é possível simplesmente abrir os olhos e descobrir o que está lá sem correr o risco de não sobreviver.
“Quantas vezes ela questionou seu dever de mãe enquanto treinava as crianças para se tornarem máquinas de ouvir? “
Malorie está a quatro anos sem olhar pra fora, vivendo com medo e receio e, treinando seus filhos para serem completamente guiados pela audição. Eles enxergam, mas desde pequenos foram orientados e treinados para abrir mão da visão e “ver” o mundo apenas com os ouvidos. Não foi uma tarefa fácil e não saiu grátis para Malorie. Ela pensa muito sobre o seu papel de mãe e do como ela pode ter sido má ou cruel ou ter pensado coisas horríveis as vezes em todo esse processo de adaptação.
Sabemos que ela estava grávida, mas ver a interação com as crianças é algo curioso. Ela não os chama por nomes, eles são o garoto e a menina e ao encontrar o fim do livro isso acaba fazendo sentido e gerando uma cena emocionante. Eu não consigo imaginar como seria ter que abrir mão de ver pra sobreviver e muito menos como eu criaria crianças perfeitamente saudáveis, tirando-as essa oportunidade. A ameaça que ronda o crescimento deles e o desafio de torná-los fortes e preparados é o que Malorie enfrenta, e ela faz o melhor que pode com a situação.
Vamos ver eles saindo de casa e é aterrorizante pensar em sair para o mundo às cegas, tendo como principal guia a audição de duas crianças de quatro anos. A jornada será tensa e vamos intercalando entre o presente e o passado, onde descobrimos o que aconteceu com a protagonista, sua irmã e as pessoas com as quais ela se refugiou logo no começo disso tudo.
“Como pode esperar que seus filhos sonhem em chegar às estrelas se não podem erguer a cabeça e olhar para elas? Malorie não sabe a resposta.”
Dentre tantas coisas, esse é um livro sobre a natureza humana. Ficar cego muda muita coisa na vida de uma pessoa, mas o caso aqui não é exatamente esse. Não ver é uma condição de sobrevivência, mas você é capaz de abrir os olhos quando está em um ambiente que considera seguro. Exatamente por isso as pessoas não são capazes de dar foco para os outros sentidos, e é o que Malorie aplica nas crianças logo que elas nascem, para que não venham a priorizar ou confiar na visão, mesmo que só a usem em alguns momentos dentro da segurança da casa.
Todo o cenário caótico e as incertezas do que está acontecendo gera uma série de teorias e pensamentos. As pessoas vão formular e confabular e algumas posturas radicais ou loucas vão sair disso, é inevitável. O que está lá fora? É uma criatura? É histeria coletiva? É algo da natureza? São aliens? Não há como saber, somente imaginar através de toda a experiência sensorial dos personagens. Eles pensam ouvir, pensam sentir, mas será que é real? Eles sempre confiaram na visão e não ter isso como apoio faz com que tudo o que os cerca nesse imenso buraco negro que se tornou o mundo seja duvidoso.
Como falei no começo, isso foi a coisa mais legal do livro pra mim. Sempre que o personagem sentia algo ao seu redor eu ficava com aquela vontade de que ele tirasse a venda, olhasse e nos contasse, mas eu sabia que isso não iria acontecer. Que mesmo que ele tirasse, ele provavelmente morreria e não nos contaria nada, não veria nada ou simplesmente seria uma descrição não satisfatória. E é exatamente por isso que eu defendo e compreendo totalmente o final do livro ser aberto.
Por mais que eu tenha formulado teorias, não acredito que nenhuma delas teria sido satisfatória se tivesse sido entregue ao final, se eu tivesse “visto” do que se tratava. Não saber condiz tão mais com a moral da história do que “enxergar” o motivo. Caminhamos cegos com a protagonista e os personagens e acabamos o livro cegos também, aceitando aquilo que conseguimos ver e deixando todo e qualquer desfecho para a nossa imaginação. O autor deixou que cada um de nós colocasse o seu próprio temor como solução pra esse enigma e isso é muito bacana.
Achei a trama instigante e li o livro em apenas algumas horas. Parecia impossível largar a cada página lida. Eu queria saber o que iria acontecer ao mesmo tempo em que não queria. Acredito que para alguns a forma de narrativa possa ser frustrante, mas eu achei genial toda essa dúvida e inquietude que o livro propõe. Há um momento da trama onde um personagem fica cara a cara com algo, com a coisa, para ver é só abrir os olhos… queremos que ele abra, mas não queremos. Queremos ver, mas sabemos que isso marca o fim. É louco e uma experiência diferente para o leitor.
A escrita é bem fácil de ser entendida e Malorie não tem grandes problemas enquanto personagem. Ela amadureceu muito e vemos isso. A Maloria do presente é bem mais seca e por vezes até rude com as crianças, mas aos poucos vamos entendendo como ela chegou até ali e que provavelmente o simples fato de ela ter se mantido lúcida e viva já é o melhor que podemos esperar dela. Sua caminhada e as decisões que precisa tomar não são fáceis e ela ainda tem uma longa jornada até a segurança.
Caixa de Pássaros é instigante, inquietante e diferente. É um suspense psicológico para mexer com você e seus sentidos. É uma história que deixará você intrigado e curioso e que dá ao leitor o poder de decidir sobre o que quer acreditar. Use a sua imaginação, abra sua mente e mergulhe junto com Josh Malerman na escuridão.
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