Krishnamurti 26/03/2017
NA PATA DO CAVALO HÁ SETE ABISMOS
“Na pata do cavalo há sete abismos” – poesias, da escritora Clarissa Macedo acaba de ganhar segunda edição. A primeira resultou de a obra ter sido vencedora do Prêmio Nacional de Poesia da Academia de Letras da Bahia no ano de 2013. Num país como o nosso, de fraco mercado editorial (porque é verdade, a demanda por leitura não está incluída nas necessidades da esmagadora maioria da população), mesmo obras que se destacam em Prêmios Literários têm dificuldade de chegar ao público leitor que, também é verdade que se diga, felizmente existe. É que falta-lhes o empurrão do interesse meramente especulativo e financeiro da toda poderosa mídia que, via de regra, enaltece, divulga e impulsiona autores que lhe são convenientes. Subservientes, aos ditames da imbecilidade cultural. Mas isso é outra história. Vamos ao livro.
É realmente motivo de festejar essa 2ª edição da obra, pois o que o leitor mais cuidadoso sente ao ler o livro de Clarissa Macedo é o despontar de uma autora que apesar de jovem, denuncia uma poesia forte, vigorosa, promissora no sentido de continuidade, já que no da qualidade, mostra a que veio. E esse título... “Na pata do cavalo há sete abismos” ?
É uma feliz escolha de poemas que, vistos em conjunto, traduzem o simbolismo da cosmovisão da autora. O animal que cavalga na poesia de Clarissa é inteiramente selvagem e por isso mesmo de uma doçura primeira. Não tem medo, é avesso a celas e cabestros. No entanto está preso numa estrebaria, impacienta-se, bate com os cascos na terra, relincha, para afinal derrubar cancelas, libertar-se e trotar rumo aos caminhos do sonho, galopar velozmente e finalmente alçar voo rumo ao universo da imaginação libertadora, onde irá defrontar-se com os abismos do viver. Belíssima metáfora que se reforça e se adensa pela referência ao número sete. Místico por excelência, este número indica o processo de passagem do conhecido para o desconhecido. Uma combinação do três com o quatro; o três, representado por um triângulo, é o Espírito; o quatro, representado por um quadrado, a Matéria. O sete podemos dizer, simboliza a Matéria “iluminada pelo Espírito”. É a Alma servida pela Natureza. Uma totalidade em movimento ou um dinamismo total, isto é, a totalidade do universo em movimento. Eis aí, no nosso entender, esse belo cavalo e seus...
Sete abismos
...”Há terror nos ventos / do cavalo magoado, / que perdido rompe, / alado, as trincheiras / e cai como anjo / de tormento.
... “ Naquela crina / de ferraduras negras / um cavalo de patas ralas: / Os sete abismos da vida.”
O animal que cavalga pelo pasto interior incendiado da autora testemunha:
Jornada
A sombra engravida / o nome / dos inomináveis.
Feito pó na calçada / surge / um rastro de homem
surge a vida / mil vezes alucinada
parindo números / de mortos / desde ontem, / desde a era passada.
Mas há também o enveredar por outros caminhos mais largos / abismos (?) ...
Ficção
A história é uma trégua sem memória / uma rua que não se habita
é um passado que se move / uma eternidade de sete dias.
E entre concubinas, napoleões e marias / o que permanece é o ópio de cada molde.
E finalmente três breves poemas. Sem mais comentários; os poemas falam por si.
O gesto da criação
Na trama das melodias que calam / dos versos que fogem no bando / crava-se a flecha de um sintoma.
Ao romper signos, penetrar espantos, / longe de escrever as núpcias, / engasgo num rio de dúvidas
e pereço... só a palavra é cúmplice / do que enlouqueço.
Irmandade
Qual a cor do teu drama? / quantos lares saem de teus cabelos?
Com quantos homens se reparte / o último fio de desespero?
Em tempos de paixão e fome / os credos são maiores que as roupas / os vôos maiores que as asas.
Fábula
No teu aprisco imenso / sempre houve uma ovelha / pequena, cinzenta desajeitada
aquela que frente ao cajado, / ao latido do cão também imenso, / fugia e não se guiava
aquela que diante do espelho d´água / não cria na imagem que se revelava / nem na eternidade de que ouvia
aquela que nua, de lã cortada, / sussurrava cantos às irmãs.
Livro: “Na pata do cavalo há sete abismos” de Clarissa Macedo - Poesias – 2ª Edição, Editora Penalux, Guaratinguetá – SP. 2017, 82p.
ISBN 978-85-5833-155-5