PorEssasPáginas 30/10/2015
A Cuca Recomenda: Turismo para Cegos - Por Essas Páginas
Não sei bem por quê, mas esse livro me chamou atenção. Certamente não pela capa que, apesar de ter sim algum significado após a leitura e uma segunda análise (especialmente se observá-la de longe), é inegavelmente simplória e passa facilmente despercebida em uma estante. Talvez tenha sido atraída pela sinopse, pela ideia de ler sobre a cegueira (sendo uma fã de Ensaio sobre a Cegueira, o tema me atrai). Mas não pensem que os dois livros têm algo em comum, excetuando-se, claro, a cegueira e, talvez, o fato de que ambos contam com uma escrita pretensiosa e ligeiramente exaustiva. Turismo para Cegos definitivamente não é um livro para entreter, mas para filosofar.
Todo livro é narrado pelos olhos de uma vendedora de petshop, que gosta de observar as pessoas. Ela fica fascinada por um casal que aparece para adquirir um cão-guia. Laila e Pierre formam esse casal bastante peculiar, que tanto intriga a narradora; Laila, pretensa artista, é arrebatada por uma doença degenerativa que lhe rouba a visão. Penalizou-se? Deixe-me então dizer que Laila é simplesmente uma das personagens mais detestáveis da literatura – o que foi surpreendente e maravilhoso. Por quê? Porque é muito difícil encontrar personagens femininas detestáveis e, vamos concordar, mulheres são humanas, não princesas ou bruxas, apenas mulheres, pessoas. É inspirador encontrar uma personagem que é detestável, ponto. Mas vamos completar: Laila é extravagante, excêntrica, temperamental, dominante, dramática, vingativa. E adora se fazer de vítima.
“Quem passa a vida circulando pelos mesmos lugares tem a alma redonda e funda; quem se desloca e atravessa continentes tem a alma longa, cheia de vértices.” Página 16
Pierre, por outro lado, é totalmente sem graça. Um marasmo completo, quase invisível. É até engraçado que a narradora tenha se interessado pelo casal, afinal o personagem mais excitante nesse ciclo familiar era, de fato, o cachorro. Mais incrível é que o leitor também se interessa pelos dois; talvez seja o fato de que, juntos, formam um estranho retrato, hipnotizante. E é assim que vamos acompanhando o “romance” dos dois, através de outros olhos – um tanto parciais e ácidos, talvez? -, em uma trama tão comum que às vezes soa extraordinária.
A narrativa é repleta de metáforas e frases bem planejadas que, soltas, formam belas pinceladas, mas juntas são um recorte um tanto quanto cansativo. O ritmo é lento, atravancado, angustiante. É preciso paciência para avançar e facilmente, após três, quatro capítulos – curtíssimos! – é possível que seu cérebro se transforme em uma estranha pasta gosmenta. A experiência vale a pena, mas é para poucos. Eu mesma me dividi entre apreciar as belas colocações e me entediar com uma história que não dava sinais de que iria progredir. O final, entretanto, compensa: é irônico e sádico, como a detestável Laila.
É preciso estar no clima para ler essa obra. Um livro para amar ou odiar. Eu, no entanto, fiquei no meio-termo. Nem lá, nem cá.
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