jota 03/10/2020MUITO BOM (sete interessantes histórias do mesmo autor de O LEITOR)É curioso que nenhum dos textos de Mentiras de Verão (Sommerlügen, no original) tenha esse mesmo título; não se sabe se eles foram publicados separadamente antes ou se foram escritos especialmente para que formassem um volume unido por algumas características comuns. Quanto a isso, infelizmente, a Record nada informa na edição, a editora não é nem um pouco pródiga em suas publicações. As sete histórias de Schlink têm mais ou menos o mesmo número de páginas (quarenta em média), todas se passam durante o verão europeu ou americano e em todas elas os personagens mentem para os outros ou não contam toda a verdade a eles, ou ainda mentem para si próprios e assim acabam também iludindo os outros.
Nesse formato, o livro de Bernhard Schlink agradou bastante o Der Spiegel (O Espelho), veículo semanal de informações, que escreveu: “A prosa fluente de Bernhard Schlink faz acreditar que seus personagens não são criações da ficção, mas passantes que lhe contaram suas histórias.” Parece que é assim mesmo. Uma das histórias do autor alemão, não deste volume, o romance O Leitor, obteve grande sucesso literário e depois também quando foi adaptado para o cinema. Da mesma forma, alguns contos de Mentiras de Verão poderiam virar filmes, especialmente o terceiro deles, A Casa na Floresta, que como os restantes, pela extensão, tendem mais para pequenas novelas do que propriamente para contos. Além do que, reunidas, são suficientemente interessantes, valem o preço pago pelo exemplar.
O primeiro desses contos, Baixa Estação, narra a história de um músico alemão vivendo nos EUA e que, no final do verão em Cape - provavelmente Cape Cod, na costa leste - conhece uma jovem mulher da costa oeste, também em férias. Aos poucos eles se enamoram mas ela não lhe revela, de início, que é muito rica. Depois, mais envolvido no romance, ele passa a pensar que estaria disposto a mudar de vida, que poderia apreciar o novo mundo para o qual se mudará na Califórnia ao juntar-se à mulher. Mas ao mesmo tempo algumas descobertas farão com que relute entre mudar-se imediatamente para Los Angeles e abandonar todas as coisas simples que aprecia em sua vida em Nova York. O que ele fará? MUITO BOM
O segundo conto, A Noite em Baden-Baden, traz como personagens um tipo mulherengo, porém sincero até certo ponto, e sua namorada ciumenta e bisbilhoteira. Tanto, que ela chega a descobrir com quem ele se encontrou em sua ausência, ligar para as mulheres que talvez tenham passado uma noite com o namorado para então descobrir ou confirmar coisas que ele teria feito ou deixado de fazer longe dela. Numa ocasião recente descobre que se ele não havia lhe mentido, ao menos lhe ocultara certos fatos. Será que um casal como esse tem futuro, já que ele acaba de vir de um encontro sexual com outra mulher e se sente disposto a revelar tudo à namorada ciumenta, contar a verdade para evitar o fim do relacionamento? BOM
Em seguida temos A Casa na Floresta, em que um casal de escritores e a filha pequena se mudam de Nova York para uma propriedade rural distante da metrópole cerca de cinco horas de carro. A mulher faz sucesso, é conhecida no mundo literário, o marido nem tanto, mas isso não impede que sejam felizes por um tempo, vivendo quase que totalmente isolados em sua casa na floresta. Quando a mulher está perto de terminar um novo livro, ele, preocupado com o retorno à atribulada vida antiga que ela levava, tenta de todas as formas fazer com que sua família não volte a viver na cidade grande, a ponto de cortar todos os contatos com outras pessoas. Com suas mentiras chega a colocar em risco a vida das pessoas que diz amar... A mulher o perdoará? ÓTIMO
A quarta história, Um Estranho na Noite, é a mais curiosa ou diferente de todas as demais; não se passa entre familiares, conhecidos ou enamorados, mas entre estranhos. Tem certo mistério ou toque policial, que se inicia quando, durante um vôo entre Nova York e Frankfurt, um passageiro ouve a confissão de seu vizinho de assento, um completo desconhecido: elas seriam verdadeiras ou apenas mentiras? Mais curioso ainda é quando o passageiro pede ao narrador que lhe empreste seu passaporte, já que ambos são fisicamente parecidos, e ele corre o risco de ser preso no controle de desembarque alemão. Mas as coisas não terminam aí com esse pedido inusitado, estão apenas começando: o desconhecido ainda se fará presente na vida do narrador outras vezes... BOM
O Último Verão, a história na sequência, é sobre um professor de filosofia acometido por uma doença terminal. Reúne a família em sua ampla casa de verão à beira de um idílico lago para o que ele imagina que serão seus últimos dias de vida: mulher, filhos e cinco encantadores netos. Como as dores aumentaram muito obteve de um médico amigo um coquetel para tomar quando não puder mais resistir a elas, que lhe trará a morte indolor, dormindo. Porém, esconde o fato da família, especialmente da mulher, assim como mente para ela, quando num dia ela lhe pergunta se ele já havia tido uma amante (anos antes, o professor passava temporadas fora da Alemanha, lecionando em Nova York). São felizes dias de verão para todos, mas suas dores estão ficando insuportáveis; ele tem de simular que está tudo bem. Só que não, as coisas não irão correr exatamente como ele havia planejado... ÓTIMO
Johann Sebastian Bach em Rügen, sexto texto, começa com homem vendo um filme que o deixa comovido: nas cenas finais pai e filha estão extremamente unidos para enfrentar qualquer problema que vier. Algo muito diferente da relação que sempre tivera com seu pai, hoje um octogenário. Quer imitar a arte e, desejando conhecê-lo melhor, convida-o para um festival de música clássica numa pequena cidade a beira-mar. Serão três noites em que ouvirão diversas peças de Bach, o compositor favorito do pai. Durante a estadia no hotel e nos passeios pela cidade o filho consegue arrancar algumas confissões do idoso, mas é só na volta para casa, por um pequeno momento, que ele parece ter a resposta para o motivo de se sentirem tão distantes um do outro. BOM
O último conto, A Viagem Para o Sul, é sobre uma senhora idosa, divorciada há tempos (o marido a traia com a assistente, com quem acabou se casando depois), que num dia descobre que deixou de amar sua família, que os parentes a importunam, ela não era feliz com eles por perto. Mas, adoentada, passa a ser cuidada por uma neta e aos poucos a ela revela fatos passados de sua vida, até mesmo um tanto de sua vida amorosa quando estudava numa cidade do sul da Alemanha. A neta a convence a viajarem para lá e a muito custo, depois de localizar o homem por quem a avó se apaixonara então, que ela se encontrasse com ele, agora um viúvo. A avó lhe contara que o romance havia terminado porque o rapaz a abandonara depois de uma viagem a Budapeste e ela então preferiu casar-se com outro (o que depois a trairia). Mas será que as coisas haviam se passado exatamente como ela contara à neta? ÓTIMO
Lido entre 25/09 e 01/10/2020.