Estefânia 31/08/2011
A primeira vez que ouvi falar do trabalho de Giulia Moon foi através de uma entrevista com outro autor brasileiro, do qual já era fã, André Vianco. Perguntado sobre a produção de livros vampirescos no país, o nome de Giulia apareceu entre os indicados. Uma rápida pesquisa sobre esta escritora paulistana me revelou “Kaori – Perfume de Vampira”. O trabalho feito na capa é lindo, e a edição caprichada me deixou ainda mais interessada. Comentando com algumas amigas, descobri um número surpreendente de fãs da vampira oriental. Elas me indicaram o livro com tanto entusiasmo, que fiquei tentada a correr atrás do meu exemplar. Foi o que fiz e, por incrível que pareça, o pessoal da Giz Editorial atendeu aos meus pedidos feitos via Twitter. Por causa de uma promoção oferecida pela editora, comprei o meu Kaori por um preço bacana, autografado pela simpaticíssima autora, com marcador e tudo o que tinha direito! Até aí, meu romance com Kaori estava indo muito bem, mas, com o livro na mão, surgiu a dúvida:
Será que é tudo isso mesmo?
Para descobrir, tentei me livrar das impressões positivas antes de começar a leitura.
A primeira surpresa foi a disposição dos capítulos, que se alternam entre o presente, em São Paulo, e o distante passado do Japão feudal. Em São Paulo, acompanhamos os passos de Samuel Jouza. No Japão, testemunhamos o passado de Kaori. É delicioso ver como as duas histórias caminham para o mesmo destino. A mistura inesperada de fantasia, Japão e Brasil, passado e presente, foi muito bem dosada.
Giulia Moon nos dá uma aula de cultura nipônica. O livro é recheado de termos em japonês, que podem parecer um pouco estranhos de início, mas que o leitor logo incorpora ao vocabulário. Como boa parte da história se desenrola no período feudal da terra do sol nascente, dá para aprender um pouquinho do que era viver naquela época ao lado de samurais, prostitutas e camponeses. As descrições de cenários, vestuários e hábitos me lembraram o clima de outro excelente livro, “Memórias de uma Gueixa”, de Arthur Golden. Obviamente, a fantasia não foi esquecida em nenhum momento, e está presente nessa fase da trama através das lendas japonesas. Você sabe o que é um Nekomata? E um Tengu? Ao ler Kaori, descobrirá essas e outras criaturas folclóricas do outro lado do mundo. Os vampiros ainda dividem espaço com uma nova classe de seres místicos, os Canis Famélicos (tem até nome científico!), mais conhecidos como limpadores. Esses não constam em nenhum folclore que eu conheça, e foram inseridos no enredo como interessantes cães sobrenaturais, cuja sobrevivência depende diretamente dos sugadores de sangue. Os vampiros de Giulia seguem a linha mais “tradicional” do mito, assemelhando-se mais aos personagens de escritores como Anne Rice, tão sexualmente ativos quanto os mortos-vivos de Charlaine Harris, e totalmente diferente das versões mais adolescentes e açucaradas de Stephenie Meyer ou P.C. Cast.
Logo de cara, o leitor encontra Kaori no momento do seu jogo de sedução, onde a vítima sortuda é o brasileiro Samuel Jouza (assim mesmo: JOUZA, e não SOUZA). Samuel é um vampwatcher, profissão oculta dos olhos da sociedade, cujo trabalho consiste basicamente em observar e catalogar os vampiros de uma área e entregar os dados ao IBEFF (Instituto Brasileiro de Estudos de Fenômenos Fantásticos), agência responsável por investigar toda sorte de seres místicos em território nacional. Samuel nem mesmo sabe para o quê seus dados são usados, mas cumpre sua função com competência e discrição, até a noite em que, como era de se esperar, acaba atrapalhando os planos de certo vampiro perigoso. Como resultado, Samuel acorda com uma marca de mordida no pescoço, um grande espaço em branco na memória, além de ser suspeito de ter matado uma criança. A partir daí, o vampwatcher deixa de ser um mero espectador dos sugadores de sangue, e é obrigado a interagir com os seres da noite, investigando o que realmente aconteceu. De quebra, ele tem a oportunidade de reencontrar a vampira oriental que, anos atrás, deixou a vaga lembrança de seu perfume inebriante na memória confusa de Samuel... Esse é o início da ação em São Paulo, no ano de 2008, onde o leitor acompanha a jornada investigativa de Samuel pelos redutos dos vampiros paulistanos. A narrativa é ágil, leve, e empolgante. Simplesmente impossível chegar ao final de um capítulo sem estar ansioso pelo próximo movimento de Samuel nesse jogo mortal, que rendeu ótimas cenas de tensão e nos apresentou a vampiros modernos maravilhosos. Conhecemos Karl, o vampiro caçadeiro violento e devasso, que fatura vendendo humanos para famintos mortos-vivos que preferem gastar dinheiro do que buscar a própria comida. Mimi, o improvável vampirinho no estilo visual kei (movimento ligado ao rock oriental, onde jovens se vestem de forma extravagante e andrógena), gay, carismático, com tiradas hilárias e surpreendente fixação por artilharia pesada. Felipe, o vampiro metrossexual, rico, ambicioso, poderoso e dono da melhor danceteria vamp de São Paulo. Takezo, que eu adotei como meu vampiro favorito do livro. Japonês, tradicionalista, sábio como só um disciplinado oriental poderia ser, e com porte de guerreiro forte e imortal. Isso para não falar dos membros do IBEFF, humanos com os quais a criei forte empatia, como a cientista Beatriz e o empresário Sidnei. A autora soube construir personagens secundários excelentes, daqueles que a gente torce para que apareçam em mais e mais cenas! E a vilania da história então? Missora é aquela típica personagem sádica e inescrupulosa que todos amam odiar! Fuyu e Yuki formam a dupla de lindas orientais mais cruel e sanguinária que já vi! Claro que, como em todo bom livro de vampiros, ninguém pode ser considerado bonzinho ou livre de pecados, mas essas mulheres foram capazes de se destacar entre as criaturas da noite.
Não posso falar muito sobre a vampira que dá título ao livro, ou revelaria mais do que devo. Como descrever Kaori em poucas palavras? Kaori nos é apresentada como uma bela garota que viveu no Japão em 1647. Cobiçada por seus encantos, atrai o interesse da influente dona de uma casa dos prazeres, Missora. Acompanhamos a saga dessa menina por tragédias, paixões, sangue e sexo, até que sua transformação na sedutora vampira Kaori. Ela é misteriosa, sensual, inteligente e intensa. Não espere por uma vampira cheia de pudores, daquelas que choram mais do que bebem sangue. Essa vampira abraça sua natureza assassina, conhece muito bem seus instintos. Ela não é robótica, fria ou extremamente violenta, mas isso não significa que tenha um lado angelical. Kaori mata. A japonesa nos seduz e nos atrai para seu abraço fatal com naturalidade. Essa é a especialidade de Kaori.
O final deixa diversas pontas soltas, o que pode decepcionar o leitor que esperava pelo fim de todos os mistérios. Porém, isto não é fruto de inabilidade para concluir a história. Intencionalmente, Giulia Moon guardou mais do seu perfume de vampira para a sequência, Kaori 2. Resta conferir o destino de tantos personagens cativantes, e aproveitar mais da fantasia oferecida por essa talentosa autora brasileira.
P.S.: No livro, é revelado que o primeiro encontro de Kaori e Samuel foi narrado no conto “Dragões Tatuados”, publicado na coletânea de contos vampirescos “Amor Vampiro”, também da Giz Editorial.