spoiler visualizarjulie 04/12/2016
Uma bela surpresa.
Uma jovem jornalista, com uma carreira que tinha tudo para dar certo, se vê acometida por uma doença que nenhum médico consegue diagnosticar. Com sintomas que fariam qualquer pessoa a definir como “louca”, Susannah Calahan mergulhou num poço de insanidade que parecia não ter fundo – e nem um meio de subir de volta. Sua história seria um enredo perfeito para a série médica House, ou para qualquer filme americano sobre exorcismo. O que a difere das que são contadas nos meios citados é que a trajetória de Susannah é real.
Publicado nos Estados Unidos em 2012, “Insana” é fruto de uma reportagem publicada no jornal New York Post, por Susannah Calahan. Ela começou sua carreira de repórter nesse jornal, quando fez um estágio ainda na faculdade. E foi trabalhando nele, que começou a sentir os sintomas de uma estranha doença que viria a mudar a sua vida para sempre.
A narrativa se inicia com uma quase obsessiva preocupação da protagonista com possíveis picadas de percevejos. Susannah exige uma imediata desinfetação de seu apartamento, mesmo após o exterminador garantir que seu apartamento estava livre dos tais insetos. Em sua primeira consulta médica, sentindo estranhos formigamentos e dores de cabeça, o diagnóstico é mononucleose, a “doença do beijo”. Aquele seria apenas o início de muitos e muitos erros.
Aos poucos, a não denominada doença vai tomando conta do corpo e da mente de Susannah. Ela começa a faltar no trabalho e sua relação com seus entes queridos também é afetada. Torna-se uma pessoa desorganizada, obcecada e paranoica. Ora, quer fazer uma coisa e, no instante seguinte, deseja o oposto. Seu namorado, Stephen, presencia a primeira convulsão da protagonista. A partir desse ponto, a situação só se agrava. Outros diagnósticos surgem, como o de transtorno bipolar.
Susannah é então internada no NYU Langone Center, na ala destinada aos epiléticos. Ela passaria todo o seu “mês de loucura” naquele hospital. Dentro desse pequeno período de tempo, uma porção de médicos – os mais caros dos Estados Unidos – desistiriam do caso dela. Enquanto seu estado só piorava. De uma maneira simples, Cahalan definitivamente parecia uma louca. Tentou, sem sucesso, fugir diversas vezes. Seu comportamento era explosivo e suas alucinações eram frequentes. Ela acreditava estar nos jornais e na televisão, e que todos estavam falando dela. Conforme o tempo passa, a fala de Susannah também é afetada. Os seus familiares não conseguiam mais conhecer a garota diante de seus olhos. Seus pais, ambos separados, revezam horários para nunca deixá-la sozinha, tal como seu namorado. Todos a acompanham nessa difícil jornada à espera de um diagnóstico. De um nome para o mal que a deteriorava dia após dia.
Dr. Najjar chega para mudar um caso que parecia não ter uma solução. Com exames negativos para diversos vírus e síndromes em mãos, o médico desconfia de uma doença autoimune e imediatamente dá início ao tratamento. Nesse ponto, é utilizado o termo “catatonia” para simplificar os sintomas de Susannah. Ausência, inabilidade e mau comportamento. Origina-se em falhas na ativação dos neurônios. Um comentário feito por uma enfermeira marca e descreve perfeitamente esse período: “Ela sempre foi tão lerda?”.
Após uma biópsia do cérebro de Susannah, o diagnóstico finalmente é dado: encefalite autoimune de receptor anti-NMDA. Os receptores anti-NMDA se apresentam vitais para o aprendizado, a memória e o comportamento. Com eles incapacitados, a mente e o corpo param de funcionar. Nessa doença, é exatamente isso que acontece. Tanto a protagonista quanto sua família ficam extremamente felizes com a notícia de um diagnóstico. No entanto, sua batalha estava apenas começando.
A recuperação se mostrou extremamente lenta, durando cerca de sete meses. Susannah, aos poucos, foi recuperando sua consciência e sua mente. Nessa parte de sua jornada, a protagonista se sente inferior aos outros, considerando que não consegue realizar as mesmas ações que uma pessoa normal conseguiria. E a sua aparência é outra questão. Os remédios ingeridos acabam fazendo com que Susannah fique inchada, fato que a faz se sentir feia. Para tanto, o apoio de sua família e de seu namorado é crucial. Durante todo o tempo, eles acreditaram na luz no fim do túnel e que, um dia, a sua Susannah estaria de volta.
Quase totalmente recuperada, a protagonista recebe um convite do editor do New York Post: escrever uma matéria sobre a sua doença. Após a publicação de tal reportagem, Susannah é convidada a participar de diversos programas de televisão. Aproximou-se de outros pacientes que sofriam de encefalite autoimune de receptor anti-NMDA, e possibilitou que tantos outros fossem diagnosticados. A doença que a acometeu tinha sido descoberta apenas três anos antes. Assim, ainda era pouco conhecida. Com o advento das mídias, que espalharam aquela matéria pelo o mundo, várias pessoas sem diagnóstico passaram a ter um.
“Insana” não é uma história de amor. Pode até ter um casal, mas eles não são, em nenhum momento, o centro da história. Um livro dedicado “a todos aqueles sem diagnóstico” que consegue tratar, de maneira detalhada, a batalha de uma jovem contra uma doença capaz de mudar uma vida. Nesse sentido, o livro é uma biografia com toques de livro médico. Não é uma história para quem espera algo leve ou despreocupado. Ele chega para chocar, definitivamente. Brinca com o medo e a ameaça constante de uma doença que, até pouco tempo atrás, nem nome possuía. Esta última, inclusive, não possui causas certas, nem maneiras de ser prevenida. A proposta de “Insana” é mostrar que, por mais que você tenha uma vida completamente normal, qualquer coisa pode ter atingir, a qualquer momento.
A escrita de Susannah Cahalan fluí de maneira que prende o leitor. O enredo é interessante e se torna ainda mais atrativo por ser real – como acontece com os filmes de terror que carregam o aviso “baseado em fatos reais” no seu início. Por vezes, flerta com o próprio terror. Se certos trechos fossem apresentados fora do contexto, passariam fácil como um caso de possessão demoníaca. Todavia, o que prevalece em “Insana” é a medicina; a ciência. Vários médicos tiram conclusões precipitadas sobre o caso, e isso é algo que faz parte da realidade de quem depende de hospitais públicos – ou até mesmo dos particulares. Os médicos, em várias ocasiões, mostram-se despreocupados em investigar mais. Um deles, em “Insana”, sisma que a culpa de todos os sintomas seria um vício alcoólico. A protagonista nem nunca tinha sido p tipo de pessoa que bebe mais que uma taça de vinho por diversão.
Bem escrito e com um ar de terror fantástico, “Insana” merece o título de bestseller do New York Times que carrega. Portando um alerta iminente, serve tanto como uma biografia, quanto como um livro sobre uma doença desconhecida pela maioria. Mas, felizmente, são livros como este que possibilitam que mais pessoas conheçam os oriundos do mundo humano e que o façam sem precisar ter acesso à vastos artigos científicos com denominações complicadas demais.
“Insana: meu mês de loucura” tem leitura fácil, compreensível e conta a história da guerra travada por uma jovem pelo controle do seu corpo e da sua mente. Desde a primeira palavra, o conhecimento do fatídico final feliz já se faz presente. No entanto, lá pela milésima palavra, torcemos por ele. E é isso que faz esse livro ser tão único.