Galáxia de Ideias 02/09/2017
Estação Atocha é outro livro da Rádio Londres sobre o qual é difícil falar e mais complicado ainda achar um gênero onde encaixar. Posso começar admirando a pequena e adorável edição feita pela editora. A capa é bem bonita apesar de meio nada a ver com a história, ou talvez esse seja o propósito, considerando como o livro anda. A revisão está impecável e a fonte é muito boa para leitura. Além de algumas fotos de obras e pessoas reais que aumentam a realidade narrativa da obra.
Mas nem isso impede o ritmo do livro de ser às vezes um pouco tenso, considerando a narração feita em “fluxo de consciência” e os parágrafos graúdos. Em cinco capítulos bem grandes, temos o ponto de vista do americano Adam, ou Adán, como os amigos espanhóis o chamam. O rapaz, na casa dos vinte e muitos anos, está morando na Espanha com o intuito de completar um projeto de pesquisa. Porém, ele é bastante displicente quanto ao trabalho. Prefere passar seus dias lendo, fumando haxixe, tomando tranquilizantes, visitando museus ou tentando fazer amigos em uma terra que desconhece quase totalmente, tanto cultura quanto idioma, o qual ainda não domina embora forme frases para pelo menos uma conversa básica.
Nesse ínterim, conhece Isabel, que viria a ser sua namorada e os irmãos Teresa e Arturo. Ela, uma jovem rica e relativamente famosa no mundo literário, ele, um rapaz gay que de cara faz amizade com Adam.
Esses três personagens vêm a ser muito importantes na progressão da trama, onde o nosso poeta americano vai tentando tocar a vida enquanto está na Espanha e aí que comento, sem entrar no terreno dos spoilers, pelo menos dois assuntos principais que o autor discute enquanto a história progride...
O significado da arte nos dias de hoje – No primeiro dos cinco capítulos da história, o narrador comenta que nunca foi capaz de sentir uma real experiência artística e diz não entender como alguém diz que sua vida mudou após ver um poema ou música. Considerando a minha mais recente experiência com a biografia do Mauricio de Sousa, discordo muito do personagem. Se vocês leram meu post anterior onde selecionei várias quotes da mesma, devem se lembrar de uma delas: onde o Mauricio, muito sabiamente, diz que podemos ver uma tempestade estando calmos, preocupados ou desesperados que ela vai continuar forte do mesmo jeito.
"À exceção dos diálogos mais elementares, me passa isso ou me passa aquilo, que horas são e assim por diante, nossas conversas em grande parte se resumiam a gestos meus na direção de algo que eu não conseguia expressar, para depois tentar descobrir o que ela havia adivinhado e, sempre por meio de gestos, responder." Pag. 56
Dizendo um pouco mais, posso garantir a vocês uma coisa: pode ser que alguma coisa, seja o que ela for, não mude a sua vida, mas muda a do outro. Por menos propósito que alguma coisa pareça ter para você, pode significar tudo para o outro. Portanto, gente, antes de desmerecerem o gosto do outro, pensem em como o outro se sente. Discorde sim, mas seja respeitoso, não faça pouco da outra pessoa. Adam até é respeitoso embora ele às vezes pise na bola, o que é bem normal considerando que ele é, sendo um ser humano, cheio de falhas e com tendências a errar demais.
Até que ponto fingimos quem somos e o quanto o outro nota suas mentiras? – Desde o começo da história, Adam sente uma necessidade frenética de se enturmar, mas ao mesmo tempo ele parece odiar isso embora ele seja bem narcisista e às vezes se ache demais. Aqui, eu entro numa outra situação sobre a qual o autor nos faz refletir: até que ponto conseguimos ser realmente nós mesmos? Em um mundo cuja sociedade é cheia de padrões e com forte má vontade por aquilo que é diferente, é uma tarefa difícil, mas, é assim, pelo menos penso eu, que iremos encontrar nossa felicidade. Porque ser feliz não é simplesmente não ter problemas, é ser capaz de viver sem depender da opinião alheia, fazendo aquilo que realmente se gosta e estando com quem realmente amamos. No livro tem pelo menos alguns muitos exemplos de como se finge para parecer “cool” e de gente que simplesmente quer ver o circo pegando fogo.
No livro, Adam faz amigos e genuinamente quer se enturmar com estes. Porém, ele inventa uma mentira muito cabeluda para “comover” as pessoas à sua volta e despertar algo verdadeiro nelas com relação a ele. Aí é que o autor entra na seguinte questão: estamos perdendo a capacidade de sentir empatia pelo próximo? Porque quando a história é descoberta, as pessoas não parecem dar a devida importância. Ou porque entendem a angústia dele ou não estão nem aí. Adam tenta deixar clara a situação, mas a verdade é apenas uma: nesse ponto ele não é um narrador totalmente confiável embora seja muito fácil se identificar com a situação. Afinal, qual de nós nunca tentou fazer “jogo de adivinhação” quando se tratou do que as pessoas à nossa volta realmente estão pensando ou sentindo?
O título da obra, por sua vez, referencia uma estação que realmente existe em Madri e onde ocorreu um atentado terrorista em 2012. Que é o ponto de partida para o final da narrativa, mas, o que acontece a partir disso e desde que parte, não posso contar porque é spoiler. Garanto, entretanto, que a leitura valerá a pena se você tiver paciência e estiver disposto a refletir. Razão pela qual dei cinco estrelas.
Assim como o outro livro da Rádio Londres que li, Viva a música!, recomendo para quem estiver disposto a sair da zona de conforto e ler algo bem diferente do habitual.
*Resenha postada originalmente no blog Rillismo
site: http://www.rillismo.com/2017/08/resenha-estacao-atocha-por-ben-lerner.html