Pretérito Imperfeito

Pretérito Imperfeito Gustavo Araujo




Resenhas - Pretérito Imperfeito


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Euflauzino 25/06/2015

A reconstrução do tempo
Podemos dizer que uma das personagens deste livro é o próprio tempo, na voz de Caetano:
“E quando eu tiver saído / Para fora do teu círculo / Tempo, tempo, tempo, tempo /
Não serei nem terás sido / Tempo, tempo, tempo, tempo
Ainda assim acredito / Ser possível reunirmo-nos / Tempo, tempo, tempo, tempo /
Num outro nível de vínculo / Tempo, tempo, tempo, tempo”
No Brasil, o realismo fantástico ou realismo mágico é quase uma lacuna, tem em Murilo Rubião e José J.Veiga seus maiores expoentes, hoje em dia pouco divulgados. Seríamos nós um povo de memória curta? É necessário um mea-culpa nacional, com urgência.

Enquanto lançamos nossos autores no esquecimento, nossos vizinhos hermanos provocam com o genial Jorge Luís Borges, os colombianos conclamam Gabriel Garcia Márquez, os peruanos alardeiam Mario Vargas Llosa. Isto só para ficar entre os mais badalados.

O que dizer então da literatura nacional contemporânea, em que os gêneros nem são assim tão estanques? Tudo se mistura numa fusão de cores vibrantes, estilos e ritmos dissonantes. Nesta nova vertente fantástico-realista é que vislumbro Gustavo Araujo, possuidor de palavras tão simples e belas que nos remete a recordações e memórias afetivas que nos são muito caras.

Pretérito imperfeito (Caligo, 286 páginas) já entrou para meu rol de livros inesquecíveis. Um início de leitura despretensioso, sem frases bombásticas, dessas que me deixariam congelado, foi me tomando de assalto em sua simplicidade e me encheu de algo semelhante ao deslumbramento, estou encantado.

O livro conta a história do garoto Toninho e sua amiga Cecília, do desdobramento desta amizade em algo mais consistente. Entre os dois, Pedro Vieira, pai de Toninho, personalidade controversa, torturador arrependido purgando seus pecados.

O passado de Pedro, ou melhor, Sgt.Vieira, insiste em retornar para assombrá-lo, imiscuindo-se no presente de tal maneira que o tempo é fatalmente desorientado, o que redunda na reconstrução do tempo, um novo tempo, um tempo mágico, fantástico. Passado e presente encontram-se em um “lugar especial”, ponto de encontro de Toninho e Cecília.

Como diria Rubem Alves: “Todo mundo gostaria de se mudar para um lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar”. A coragem e a inconsequência de Toninho consegue transportá-lo para lá, a impetuosidade e a inteligência de Cecília também. Pedro precisará encontrar o seu caminho, superar a perda de seu amor e os fantasmas de suas vítimas, sob pena de perder-se de seu filho. Mas como fugir de si mesmo e do passado que o persegue? Haverá alternativas, rotas de fuga?

Toninho é um garoto ridicularizado por seus colegas de escola. A cada leitura em sala de aula, o vexame e a vergonha que o fazem gaguejar:
“... Toninho fechou o livro e se sentou. Sentiu vontade de quebrar a cara daquele garoto idiota. De dizer umas verdades à professora. Queria gritar na cara dela, perguntar-lhe se sentia prazer em fazê-lo passar por aquele sofrimento toda santa aula... ele apenas abaixou a cabeça e apoiou a testa com uma das mãos...”
Volta para casa e não encontra em seu pai, Pedro, um ponto de apoio. Não há um abraço amigo, um consolo paternal. O silêncio é o inferno, uma barreira intransponível feita de concreto e amargura. A relação entre eles é calcada na falta de contato, de tato, de carinho.

Seu único prazer é sair de casa com sua bicicleta rumo a seu “lugar especial”, observar passarinhos. E é neste lugar que um belo dia Cecília aparece, ou seria Mariana? O nome importa menos, o que realmente importa é que deste encontro surge a amizade, o desejo de estar juntos.

site: Leia mais em: http://www.lerparadivertir.com/2015/06/preterito-imperfeito-gustavo-araujo.html
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Sergio Carmach 22/02/2016

Poético e profundo, mas um livro para todos
Na tentativa de criar best-sellers, alguns escritores procuram aprender as chamadas fórmulas do sucesso (não faltam cursos para isso). De outro lado, há aqueles que defendem a busca do estado da arte, desprezando o comercialismo e seus truques baratos. Mas, como se costuma dizer, o bom senso não está no oito nem no oitenta, e sim no equilíbrio. Não há dúvidas de que “Pretérito Imperfeito” é voltado para uma plateia mais seleta, que compreende mensagens profundas, metáforas da vida, enredos singulares... Mas seria absurdo dizer que não é o tipo de livro capaz de seduzir um público mais abrangente. Quem sabe esteja na mesma categoria de “Trem Noturno para Lisboa”, que – apesar de sua trama diferente, com pitadas filosóficas e que transita entre o passado e o presente – tornou-se um fenômeno de vendas na Europa.

A história de “Pretérito Imperfeito” é desenhada aos poucos diante do leitor, mesclando eventos que acontecem em épocas distintas. Cada capítulo vai construindo uma parte da trama com lampejos soltos no tempo, sob o ponto de vista de personagens variados. Assim, as histórias de vida dos protagonistas, Toninho e Cecília, e dos adultos ligados a eles vão surgindo e se interligando pouco a pouco.

Entrar em detalhes sobre essas histórias de vida ou sobre a trama não seria apenas spoiler, mas uma maldade com quem ainda não abriu as portas de “Pretérito Imperfeito”. Veja-se, aliás, que a sinopse tem o cuidado de não expor nenhuma particularidade sobre o livro, limitando-se a aclimatar o leitor à narrativa gostosa e sem pressa e à singeleza poética do texto. Pois é... Mais interessante que resumir a história ou que elaborar tratados repletos de impressões acadêmicas (coisa que o livro até merece, tal a sua profundidade) é transmitir sensações ao leitor. Eu diria que “Pretérito Imperfeito” lembra aqueles filmes sensíveis, singelos e cheios de inspiração que só passam de madrugada. Ainda bem que – como sempre faço – li o livro às cegas, sem tomar contato prévio com sínteses ou resenhas repletas de spoilers... Assim, pude saborear cada descoberta na história, como o quê de fantástico na trama, que só se torna evidente na segunda metade do livro.

Em meio a uma atmosfera de “café melado e pão com manteiga”, como bem diz a sinopse, “Pretérito Imperfeito” leva o leitor a uma jornada em que realidade se mistura a momentos mágicos e em que memórias doces se entremeiam a recordações duras. E, sem perceber, o leitor é chamado a refletir sobre o que é realmente felicidade.
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Fabio Baptista 24/02/2016

Alma de Clássico
Há alguns anos, comecei a participar dos desafios literários do site "Entrecontos.com".

Escrevi o que julgo ser um dos meus melhores contos nessa estreia e acabei "amargando" um 4º lugar: boa posição, levando em conta que havia 45 participantes, mas má posição, considerando-se meu ego inflado/megalomaníaco de escritor anônimo. O vencedor desse certame foi um tal de Gustavo Araujo, com um conto chamado "Radiação".
Bom conto. Não o meu preferido do torneio, mas muito bom.

Sem dúvida, um dos textos que contribuíram para me deixar surpreso com a qualidade do certame.

Bom, continuei a participar e dar minhas opiniões sinceras (e talvez nem sempre bem-vindas) sobre os contos dos demais concorrentes. E os textos do Gustavo, que depois descobri que era o organizador do site (trabalho Hérculeo, diga-se), continuavam se destacando. Acho que nessa época as pessoas pensavam que eu era um fdp-mal-humorado-arrogante-e-ranzinza-que-não-gosta-de-nada (na verdade alguns devem pensar isso até hoje), pois havia pouco contato fora dos desafios.

Num desses raros contatos, o tal do Gustavo Araujo, com quem até então eu praticamente só havia trocado e-mails protocolares de inscrição, veio me dizer mais ou menos o seguinte (em palavras muito mais polidas, é claro): "Fabio, você é criterioso, chato e sincero pra caralho... tem como dar uma olhada no meu livro e me dizer o que achou? Preciso de uma opinião imparcial".

Eu disse que sim, com uma condição - quando eu terminasse o meu livro, enviaria a ele, para que avaliasse. Um "escambo literário" (melhor dar esse nome logo, antes que outros termos tenham tempo de surgir nas mentes mais maliciosas). E o Gustavo respondeu - "Demorou!!!". Em seguida, insistiu que eu poderia ser totalmente sincero, mesmo que fosse para esculachar o livro. Eu disse: "pode ficar tranquilo".

Então, ele me enviou o arquivo.

O livro em questão era "Pretérito Imperfeito".

Comecei a ler e fazer minhas anotações, capítulo a capítulo. Frases que poderiam ser rearranjadas, detalhes de ambientação que talvez devessem ficar mais claros, palavras que se repetiam vez ou outra, sequências de verbos no pretérito-mais-que-perfeito (é... esse tempo verbal me incomoda um pouco mais do que deveria), trechos que poderiam ser limados e outros que poderiam ser melhor trabalhados. Uma lista de apontamentos, ou, como o Gustavo preferiu chamar: "oportunidades de melhoria".

O curioso é que conforme os capítulos passavam, as "oportunidades de melhoria" começaram a diminuir na minha lista. Percebi que estava absorvido pela história e a análise técnica ficava cada vez mais em segundo plano, o que me obrigou a voltar no texto algumas vezes para passar um pente fino mais a "sangue frio". Bom, não demorou para que a leitura ficasse cada vez mais agradável e eu quisesse avançar na história por gosto, para saber o que iria acontecer, não apenas pela "obrigação" de cumprir o combinado de leitura que havia me proposto a realizar.

O jeito de escrever do Gustavo faz o texto fluir com naturalidade. Particularmente, gostaria de ter visto mais construções elaboradas, metáforas "grudentas" e figuras de linguagem de encher os olhos ao longo da narrativa. Tenho certeza que o autor é plenamente capaz de as realizar (inclusive chegou a fazer, vez ou outra), mas optou por uma narrativa mais limpa, mais simples (simples, mas nunca simplória!). Uma decisão que não agrada totalmente meu gosto pessoal, mas que foi executada com muita competência.

Admito (e provavelmente todos que leram até aqui já perceberam) que não sou o melhor cara do mundo para fazer uma resenha. Fico com medo de resumir a história, soltar algum spoiler e minha mãe acabar xingada por autores e leitores. Mas o que posso dizer é o seguinte - o livro é ótimo. Toninho é daqueles personagens que ficam na memória. Posso até me esquecer o nome (não sou muito bom para guardá-los), como esqueci o nome do menino do "Meu Pé de Laranja Lima", mas tenho certeza que vou me lembrar dele por um bocado de tempo. O mesmo vale para Cecília e para o Senhor 33. E, meu... o mesmo vale para aquele prólogo. Volta e meia aquela cena tão singela me vem à cabeça, como se eu estivesse lá, vendo a mãe do Toninho abrir a janela indicando ao passarinho que sim, era por ali.

Na parte de trás do livro (contracapa, ou sei lá o nome), está escrito que "Pretérito Imperfeito é a prova de que a alma dos clássicos não envelhece". Eu costumo não confiar nesses textos, afinal, na maioria das vezes é mera propaganda para despertar o interesse do leitor. Mas, nesse caso, a descrição não poderia ser mais precisa e verdadeira. Pretérito Imperfeito tem alma de clássico.

Pensei bastante antes de dar a nota (4 / 5). Hoje em dia parece que tudo é muito 8 ou 80. Ou é 0 ou é 10, ou é sensacional-arrebatador-mudou-minha-vida ou é péssimo. Tento fugir um pouco disso nas minhas avaliações. Não costumo acreditar muito em adjetivos exagerados e evito utilizá-los. Não dou 5 estrelas para esse romance e, puxando pela memória, não consegui me lembrar de mais de dois ou três livros que avaliaria com nota máxima, de todos que já li na vida (não foram tantos assim, mas também não foram poucos).

Esse não é um livro "sensacional-arrebatador-mudou-minha-vida" (e eu desconfiaria de qualquer um que me fosse apresentado dessa forma). Mas é um livro muito bem escrito, com personagens bem trabalhados, que desperta reflexões sobre a condição humana e consegue ser comovente sem forçar a barra. Literatura de muita qualidade que, infelizmente, não costuma aparecer nos holofotes.

E eu recomendo a leitura, sem medo de errar.
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giselle fiorini bohn 23/12/2020

Envolvente e arrebatador!
Devo começar esta avaliação dizendo que não esperava muito deste livro e que fui movida mais pela curiosidade. Mas já nos primeiros capítulos fui surpreendida e arrebatada pela narrativa precisa, e pela história delicada e ao mesmo tempo potente. A partir de um determinado momento o livro ganha um ritmo vertiginoso e fica simplesmente impossível parar de ler. A trama é também muito bem elaborada, e os personagens são tão bem construídos que quase podemos tocá-los. Realmente um livro magistral. Altamente recomendado.
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criscat 18/03/2016

Parte da história acontece nos anos 30, na era Vargas, e parte dela em meados dos anos 60, pós golpe militar. Períodos intranquilos da História, usados como pano de fundo do romance. Enquanto que a situação do país durante a era Vargas é retratada explicitamente, descrevendo as atividades do (então) Sgto.Vieira; a dos anos 60 é apenas entrevista, o contexto histórico fica em segundo plano - literalmente.

Enquanto a história de Pedro e Toninho é narrada em terceira pessoa, a linha narrativa de Cecília é epistolar - com cartas que a personagem escreve a uma amiga chamada Carol. O leitor acompanha alternadamente as três linhas narrativas, aguardando o momento em que irão se encontrar. E o livro trata disso: de encontros. Encontrar pessoas que nos entendam. Encontrar sonhos que alimentem a alma. Encontrar a si mesmo para, então, encontrar o mundo.


site: http://www.cafeinaliteraria.com.br/2015/09/05/preterito-imperfeito-de-gustavo-araujo/
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Vickawaii 13/05/2016

Um clássico da literatura contemporânea
Eu costumo desconfiar de resenhas tecendo inúmeros elogios aos parceiros e muitas vezes faço uma análise distanciada, quando determinado livro é bom, mas não é do meu agrado. Dessa vez, me sinto na obrigação de dizer que Pretérito Imperfeito é um dos melhores livros brasileiros que já li. Não se trata apenas de uma história singela de amizade entre duas crianças, pois apesar de despretensiosa, sua profundidade nos envolve pouco a pouco, abrindo espaço para diversas reflexões. Trata-se de um livro cujo realismo fantástico flerta com Gabriel Garcia Márquez, cuja delicadeza lembra Meu Pé de Laranja Lima. Recomendo para todos essa leitura especial, uma obra contemporânea que, como referido no verso do livro, prova que a alma dos clássicos não envelhece.

Resenha completa no blog Finding Neverland

site: http://wheresmyneverland.blogspot.com.br/2016/05/resenha-preterito-imperfeito.html
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helmalu 15/07/2016

Uma estória sublime
Em tempos de best-sellers, livros de youtubers, nos quais o ego sobrepõe a poesia da vida, em tempos de trilogias, sagas e livros "feitos para vender", tempos de livros com enredos previsíveis, clichês já tão batidos e que em nada acrescentam aos leitores, se deparar com uma estória como Pretérito imperfeito é o mesmo que encontrar agulha no palheiro. Uma pérola no oceano do mercado editorial atual.

Quando o Gustavo, criador desse universo tão lindo, entrou em contato comigo para que eu lesse e resenhasse seu livro, eu não imaginava que estaria a ponto de conhecer uma narrativa tão bonita e triste, ao mesmo tempo, personagens tão reais e uma das estórias mais sublimes que já li. Não é exagero dizer que Pretérito imperfeito é um livro completo, bem escrito, bem ambientado, bem narrado (ah... a narrativa!) e tão bem construído ao longo de suas 286 páginas.

***

Acompanhamos Toninho, um menino de treze anos que perdeu a mãe e mora com o pai, Pedro Vieira, um homem aparentemente rude, que não tem jeito com o filho e com as palavras. Após a morte de Catarina, pai e filho se veem sozinhos no mundo, já que ela era o elo que os unia. Contudo, eles só precisam de coragem para se aproximar um do outro, sentimento que nem um, nem outro, possuem. Vemos, então, uma relação complicada entre ambos, já que o pai, Pedro, já vinha de uma criação sem carinho e, consequentemente, trata o filho do mesmo modo que foi tratado. O menino, por sua vez, obedece ao pai sem questionar numa espécie de temor ao autoritarismo do pai.

A escola também não é um lugar agradável para Toninho. As aulas de Língua Portuguesa e Literatura, em particular, são um martírio para ele. A dificuldade na leitura e os frequentes gaguejamentos o torna motivo de gozação por parte dos outros colegas, e a professora, Leila, é incapaz de poupar o menino de tamanha humilhação.

Toninho encontra refúgio em um bosque, onde ele pode observar os pássaros, sua grande paixão. E é lá que, certo dia, ele encontra Cecília, uma menina também de treze anos que acaba se tornando sua amiga e confidente. A amizade dos dois é algo tão bonito, pois não há interesses, não há julgamentos. O leitor sabe, de antemão, que Toninho é um menino pobre e um tanto complexado, e Cecília, uma menina rica e que tem oportunidades, porém, quando se encontram no bosque nada disso é falado, são só dois jovens que encontram alento um no outro.

"Aquele era o seu lugar secreto, o pedaço de mundo onde era rei e ninguém o perturbava [...] Não havia problemas com seu pai ou qualquer frustração. Ali no bosque tudo desaparecia. Eram apenas ele e a natureza, o som dos pássaros e o cheiro do mato. Só a saudade da mãe ficava. Disso não tinha como se livrar."

Concomitantemente, o leitor acompanha as cartas que Cecília escreve, para uma amiga - ou para ela mesma, não se sabe - nas quais ela relata tudo que acontece em sua casa e também nas tardes que passa no bosque com Toninho. O pai de Cecília está sendo investigado pela polícia por supostamente apoiar movimentos comunistas e foge, prometendo buscar a filha e a mulher mais tarde. Isso faz com que a menina anseie o resgate do pai, ao mesmo tempo que lamenta ter que, possivelmente, abandonar o amigo.

"Às vezes me sinto como se tivesse noventa anos. Com uma saudade imensa do que já passou. E isso me deixa triste, porque eu sei que nada do que foi bom vai acontecer de novo." (Cecília)

A narrativa também intercala, além do ponto de vista de Toninho e das cartas de Cecília, entre o passado do pai de Toninho, Pedro, quando ele era Sargento Vieira. E nesses momentos podemos entender a personalidade e o comportamento dele, desde a infância na roça, a vontade de estudar não apoiada pelo pai, a entrada na polícia e a vida solitária.

A partir dessas três perspectivas, a narrativa simples se mostra grandiosa, ao passo que a vida desses três personagens se interliga de uma maneira que o leitor possa perceber a trama riquíssima construída pelo escritor e se encerra num final incrível. Foi impossível não levantar os olhos da leitura depois de ler o último parágrafo e perceber como não poderia haver um final mais lindo - e triste - para a estória. Fiquei pensando no que uma amiga, a Paula do Caçando Ouriços, escreveu sobre o drama, e que vem de encontro com o que sempre discutimos sobre a necessidade de finais felizes, que é uma discussão que Toninho e Cecília também tem durante a estória: "Por que evitar temas fortes? Por que evitar o drama?". As pessoas geralmente buscam na ficção consolo para seus problemas, e buscam nos finais felizes dos personagens que acompanham o final feliz que a vida delas provavelmente não terá. Desse modo, nos tornamos frágeis diante dos "dramas" e, consequentemente, despreparados para aceitar as mazelas e infortúnios da vida. Pode parecer um tanto quanto autoajuda o que acabo de escrever, mas é a reflexão - uma das - que essa leitura me proporcionou.

Além disso, não posso negar que o relacionamento de Toninho e o pai me fez lembrar muito do relacionamento que tive com meu pai, no qual a falta de coragem e de tato com as palavras me fez perder muito tempo de uma relação que, hoje em dia, eu vejo que é uma das coisas mais preciosas que tenho na vida. Olha a vida imitando a arte (ou seria o contrário?). E olha eu me abrindo aqui, o que um bom livro não faz com a nossa vida e visão de mundo, não é?

Pretérito Imperfeito é um livro simples, sim. Não é daqueles carregados de aforismos ou personagens estereotipados, longe disso. Foi uma das leituras mais diferentes e prazerosas que fiz nos últimos tempos, talvez por ter me deixado levar pela mão e lido com calma, apreciado cada momento, cada carta, cada flashback. Confesso que foi difícil organizar meu pensamento para escrever essa resenha e tentar mostrar o quão lindo esse livro é, e talvez você, leitor, tenha chegado até aqui e não tenha percebido o que eu tenho tentado dizer. A verdade é que essa é uma leitura para quem sabe apreciar uma estória que cativa não pela sua "comercialidade", se é que você me entende, mas pelo seu conteúdo altamente reflexivo e poético. Recomendo a leitura para quem gosta de bons livros, com temas como política, família, infância e, principalmente, estórias singelas e tocantes.

"Pensando agora, percebo a obviedade dessa receita. O que faz da leitura algo tão prazeroso é justamente imaginar a cena, as pessoas, as vontades, enfim, enxergar a si mesmo, identificar-se com as situações descritas. Claro, só funciona se o livro for bom [...]"


site: http://leiturasegatices.blogspot.com.br/2016/07/preterito-imperfeito-gustavo-araujo.html
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Lethycia Dias 15/09/2016

"Nessa rua, nessa rua tem um bosque..."
A história gira em torno da amizade entre Antônio (ou Toninho) e Cecília, duas crianças de treze anos que se encontram em uma mata nos arredores da cidade de Porto Esperança, no interior do Paraná. Toninho, um menino pobre e órfão de mãe, que não tem boa convivência com o pai; Cecília, uma menina rica, que adora ler e escrever, e que de repente vê sua vida mudar quando seu pai se afasta da cidade sem muitas explicações e deixando avisos estranhos sobre a necessidade de ela e a mãe serem discretas, não saírem de casa e não receberem ninguém.
Toninho sente a falta da mãe, que morreu há alguns anos. Além disso, o menino sofre com a dificuldade do pai para se comunicar. Pedro Vieira, o pai, parece um homem grosseiro e ruim, sem amor pelo filho, que vive para o trabalho, exige que o filho vá bem na escola e que gasta dinheiro apenas com o necessário, que não entende os dilemas e anseios de Toninho. Muito solitário, o garoto busca refúgio se isolando do mundo no bosque próximo da cidade, procurando por passarinhos.
Cecília escreve um diário em forma de cartas para uma amiga imaginária chamada Carol. É por meio dele que acompanhamos o dia-a-dia da menina: uma festa de aniversário cheia de presentes; um livro novo para ler; o pai recebendo pessoas estranhas em casa, e depois viajando misteriosamente; a angústia de precisar se esconder em casa, para evitar que o pai e toda a família corra riscos.
Os dois se encontram por acaso na clareira onde Toninho procura por seus passarinhos, e passam a compartilhar suas experiências, mesmo que demorem a ter confiança total um no outro. O sentimento que une as duas crianças é bonito, simples, e a amizade se transforma em um amor muito puro e inocente, que vai mudar as vidas dos dois.
Pretérito Imperfeito é um daqueles livros que fazem a gente sentir saudade da infância. Seja pelo fato de dois dos personagens principais serem crianças; seja por trazer à tona as inseguranças, medos e dilemas que crianças enfrentam num mundo em que são subestimadas pelos adultos. A existência de um lugar afastado onde duas crianças se distraem do mundo traz uma aura mágica e muito nostálgica, que nos faz lembrar da cantiga "Se essa rua fosse minha". Esse lugar especial criado pelo autor, bem como as aparições de certa espécie de pássaro que não deveria existir no Paraná, trazem à tona um pouco de realismo mágico que torna a história ainda mais encantadora.
Narrada em terceira pessoa, a história se divide em capítulos em geral curtos, porém com variações. De início, percebemos a alternância entre o ponto de vista de Toninho, na narração comum; e o de Cecília, por meio de seu diário. Mais tarde, Pedro Vieira ganha importância, e a visão dele é incluída na história.
A linguagem utilizada é simples e compreensível, apenas com um pouco de regionalismos que podemos entender pelo contexto. O uso das palavras e expressões regionais, que fazem parte da ambientação da história na Região Sul do Brasil, enriquece a leitura, e faz com que o leitor perceba a diferença entre a forma que falamos hoje e como falávamos décadas atrás, quando nossos pais eram crianças.
O final trás uma revelação e uma virada inesperadas, e eu confesso que no dia em que terminei, li oitenta páginas de uma vez, porque queria muito saber o que aconteceria com Cecília e sua mãe Cristina, e queria chegar ao fim do relato sobre o passado de Pedro.

Resenha postada no blog Loucura Por Leituras. Para ler na íntegra, clique no link:

site: http://loucura-por-leituras.blogspot.com.br/2016/09/resenha-preterito-imperfeito.html
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Claudia Angst 08/11/2016

PRETÉRITO IMPERFEITO OU PERFEITO?
Pretérito Imperfeito, romance do escritor Gustavo Araujo, teve como inspiração o conto A Menina na Floresta, escrito pelo autor, em 2009. A edição, realizada pela Caligo Editora Ltda., impressiona pela qualidade e beleza.

A história desenvolve-se na cidade fictícia de Porto Esperança, focando-se em três personagens: Toninho, Cecília e Pedro Vieira. Pode-se dizer que o livro trata do amor, em suas formas mais sutis e mais agudas. Sentimentos provocados, daqueles que incomodam e surgem sob as densas camadas da imaginação de cada um.

Apesar de ter iniciado a leitura com expectativas bastante elevadas, Pretérito Imperfeito conseguiu me surpreender. Não, não fui às lágrimas. Não salguei as páginas do livro, mas confesso que alisei as palavras com carinho e permaneci muito cautelosa durante a leitura. A narrativa flui fácil demais e isso me assustou. Não estava preparada para abandonar os personagens, ou pior ainda, ser desamparada por eles quando tudo chegasse ao fim. Fiquei refém de um romance (poético isso, não?).

Com muita destreza com as palavras e hábil formação de belas imagens, que atravessam toda a narrativa, Gustavo Araujo, consegue o improvável: fazer o leitor torcer pelo “vilão” da história. Fácil é se apaixonar pelo menino Toninho e desejar cuidar de Cecília, mas com Pedro Vieira, a conversa é bem outra. Apesar de todas as razões para se odiar o personagem, em determinados momentos, torna-se impossível não se comover com os fundamentos da construção da sua difícil personalidade.

O título do romance já revela poesia, mesmo que alguns possam associá-lo às aulas de gramática e aos temidos tempos verbais. Pretérito Imperfeito foi a escolha acertada, pois representa muito bem o enredo do romance – dois meninos com vidas diferentes, ligados por um passado bem imperfeito.

O nome da cidade que serve de cenário para a trama – Porto Esperança – também desperta interesse. Passa a ideia de um lugar de raízes - pouso – atracação – o porto, e ao mesmo tempo, remete à esperança de um futuro. Ou seja, o passado (porto) e o futuro (esperança) estão amalgamados em um só local.

No decorrer da leitura, há um momento de estranhamento. O leitor depara-se com um cruzamento de realidades e memórias. O paralelismo do tempo e das vidas de Toninho e Cecília provoca desconfiança a princípio. Uma cutucada no leitor – Ei, tem algo esquisito acontecendo aqui. Em que ano foi isso? – O que serve para atrair ainda mais a atenção para a trama. Qualquer explicação torna-se desnecessária, pois roubaria a magia do encontro dos dois meninos.

Há muitas interligações em todo o texto: os pássaros, os lugares, as várias tonalidades do céu e elementos simbólicos.

Os pássaros, paixão do menino Toninho, surgem com todo o seu simbolismo, formando um quadro bem interessante. Representando a leveza, o divino, a alma, a liberdade e até a amizade. Suas asas traduzem a liberdade da imaginação, são os mensageiros entre o céu e a terra.

Pretérito Imperfeito é um daqueles romances que prendem a atenção de forma imediata, agregando um misto de delicadeza, embasamento político/histórico às nossas referências pessoais. O livro atinge em cheio o sótão das memórias, revirando caixas de sentimentos e questões bastante particulares. Quando nos damos conta, já estamos encantados.

Este é, sem dúvida, um livro que merece ser conferido com atenção e apreciado sem moderação. Se você for dado a lágrimas, prepare-se. Cerque-se de muitos lenços e evite ser flagrado por algum tempo. Nariz e olhos vermelhos denunciarão que você anda consumindo algo extraordinário. Que seja este romance viciante.

site: Resenha completa disponível em: http://entendeuouquerqueeuresenhe.blogspot.com.br/2016/11/preterito-imperfeito-ou-perfeito.html
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Thaisa 28/09/2016

Uma leitura com sabor de tarde fria, edredom e café quentinho...
Sabe aqueles livros que você lê, te surpreende e você gosta tanto que fica sem saber o que escrever sobre ele? É assim que estou me sentindo com Pretérito Imperfeito. Terminei a leitura e fiquei horas processando as informações e passei mais algumas horas aqui diante do computador para conseguir escrever essa resenha. Resenha essa que foi feita em partes, justamente por estar com dificuldade de transcrever o que senti com a leitura. Vou tentar passar para meus leitores minhas emoções.

No decorrer da narrativa somos apresentados a 3 personagens, cada um com sua história de vida, mas que tem suas histórias interligadas em determinado momento. Eles me fizeram chorar (num determinado momento, muito), sorrir, me apaixonar e torcer por suas vidas.

Toninho, um garoto de 13 anos que perdeu a mãe muito cedo e tem problemas de relacionamento com o pai. Ambos não conseguem se comunicar e são distantes um do outro, apesar do grande amor que existe entre eles. A mãe o ensinou o amor pelas aves e quando não está na escola, Toninho está observando aves nas ruas de sua cidade. O sonho de sua vida é tornar-se cientista e grande observador dos pássaros. Foi esse amor (e por que não, a curiosidade) que o levou a descobrir uma clareira no meio da mata e a conhecer Cecília.

Resenha completa no blog MInha Contracapa:

site: http://minhacontracapa.com.br/2016/09/resenha-preterito-imperfeito-de-gustavo-araujo/
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Paula H. 31/01/2017

Uma leitura surpreendente envolvendo a passagem do tempo
“Por vezes me pergunto se a chave da felicidade não reside na ignorância.”

Geralmente, é muito difícil definir algo, porque tudo e qualquer coisa será avaliado a partir de nosso pequeno conhecimento. E, como Dostoiévski bem apontou em Memórias do Subsolo, mesmo nosso lado racional, nossa razão, depende do que já obtivemos de conhecimento do mundo. Quando menciono “definir algo” não me refiro apenas a coisas, e, sim, também a objetos, situações, momentos e pessoas. Tudo depende de nossa bagagem ao pensar sobre determinada coisa, que resultará em nossa interpretação e opinião. Vendo assim, não é estranho dizer que toda transição é uma descoberta, todos os erros possuem certa base. Seja a passagem da fase infantil à adolescência, seja o conhecimento do desconhecido que pode ser uma pessoa próxima. Mesmo os sentimentos dependem disso, e até mesmo eles sofrem certa alternação. Um breve exemplo: depois do medo, vem (geralmente) o alívio; assim também é com a tristeza, que em algum momento (ou não, há exceções) abre espaço para sensações mais agradáveis e libertadoras.
Com a curiosidade não é diferente. Ansiar pelo final do livro, para saber como a história termina e então ter a curiosidade saciada (ou não) também acaba levando a outra sensação. É como um ciclo sem fim, que só termina com a morte. Ler Pretérito Imperfeito, do Gustavo Araujo, me fez pensar um pouco nisso; a pensar mais um pouco sobre a dor do luto e a morte, e aqui não posso deixar de associar e de mencionar a leitura de Confissões do Crematório, que aborda tão bem nossa relação com o fim da vida; a pensar sobre a relação entre pais e filhos, principalmente o lado paterno, o que me fez lembrar de outra leitura recente, No Mar; e, no decorrer da obra, me lembrei de uma leitura que fiz no ensino fundamental de uma obra italiana, que muito me encantou. Esta obra em questão chama-se Pai Patrão, do escritor Gavino Ledda, que acredito que li na sétima série, mais ou menos; sim, faz tempo, tanto tempo que mal me lembro da obra (infelizmente). O ponto é que esse livro italiano me marcou devido a essa relação de pai e filho que também aparece – e achei isso muito curioso – na obra do Gustavo Araujo; um pai severo, trabalha no campo e não permite, de certo modo, ao filho que este estude e faça algo diferente na vida. Mas essa parte, aliás, é apenas um pedaço do enredo de Pretérito Imperfeito.

A obra traz três personagens principais, cujas histórias se intercalam. Primeiramente, somos apresentados a Antônio, ou Toninho, um menino de treze anos que perdera a mãe, Dona Catarina, de quem sente muita saudade, lhe restando apenas o pai, com quem não tem um relacionamento muito afetivo – um reflexo da própria história com o vô do menino, Francisco. Vale considerar que, graças à mãe, ele nutre um interesse enorme por pássaros, o que lhe dá algo com que se ocupar na ausência do pai e, de certo modo, suportar melhor a tristeza da perda. Além disso, Toninho é um menino solitário, sem amigos e que, infelizmente, tinha um relacionamento excepcionalmente ruim com as aulas de Língua Portuguesa e Literatura; ele detestava principalmente o fato de ler em voz alta na classe, pois tinha dificuldades e acabava gaguejando. Embora não do mesmo modo, me simpatizei com essa dificuldade de Toninho, pois eu também a tinha na escola – embora meu problema fosse muito mais associado à timidez/vergonha.

“É claro que sempre sentia falta da mãe. Todos os dias tinha saudades dela, mas havia ocasiões em que a ausência de Dona Catarina lhe atingia o peito como uma força tão inesperada quanto desproporcional, inundando-o de saudade.”

A outra protagonista é Cecília, uma menina de treze anos, também, mas que difere grandemente de Toninho, seja pela condição econômica – dado que ela é de uma família abastada –, seja pela personalidade. Ou, também, pelo fato de que ela gosta muito de ler – sendo ela o motivo de menções a grandes autores da Literatura Brasileira; se achei interessante um livro nacional mencionar clássicos nacionais? Bastante, por sinal, apesar de não ter lido grande maioria das obras citadas. De início, algo nela não me agradou, não sei dizer exatamente o quê. No decorrer da história, porém, essa sensação desagradável foi embora. A história de Cecília é apresentada principalmente por suas cartas destinadas a uma amiga chamada Carol, em que relata sua situação familiar – um tanto “tensa”, eu diria. Devido a uma investigação, o pai de Cecília ‘foge’ e promete voltar para buscar tanto ela quanto a mãe, quando ele resolvesse sua situação, mas elas deveriam permanecer como que “enclausuradas”, sem contato com o resto da cidade. Apesar disso, é numa pequena volta pelo bosque, contudo, que Cecília encontra Felipe (o Toninho, para quem ela se chama Mariana).
Para ambos, a amizade que surge é quase como um refúgio de todo o resto. Sem as barreiras que teriam caso se conhecessem na escola ou mesmo na cidade, os dois se tornam amigos rapidamente, aproveitando a companhia do outro. A meu ver, a amizade dos dois é aquela amizade ‘bonita’, sem preconceitos e que, de fato, lhes permite aproveitar o tempo e ‘amenizar’ os problemas familiares. Embora por questões diferentes, ambos mostram que a relação de pais e filhos é difícil, e que as crianças – ou adolescentes – acabam, por vezes, criando uma imagem do pai que não condiz com a realidade. E, voltando ao que mencionei acima, a questão de que não se conhece o todo aparece novamente, o que não deixa de ser um vácuo ou um espaço de desconhecimento entre eles. Ou, até, um espaço que dificulta o diálogo e/ou compreensão.

“— É engraçado como isso acontece, não é mesmo? Quando somos crianças, enxergamos nossos pais como infalíveis. São modelos de perfeição. São aqueles que nos protegem, de quem nos orgulhamos. São nossos heróis, representam a virtude. São os mais fortes, os mais bonitos, os mais inteligentes.
Toninho nunca teve essa imagem do próprio pai, mas achou melhor ficar quieto e deixar Mariana falar.
— Só que chega uma hora — prosseguiu ela — que essa imagem se desfaz. O rei perde a coroa, o príncipe vira sapo. Começamos a enxergar as fragilidades, os defeitos, as manias, as maldades.”

Não é difícil de entender e simpatizar com essa ideia de que com a passagem do tempo e o amadurecimento, vamos percebendo detalhes que em outros tempos não perceberíamos. Passamos, de certo modo, a conhecer o lado que não víamos de nossos familiares, cuja mente de criança não permitia enxergar. Vamos nos permitindo descobrir e compreender o outro; a associar o passado com o presente e, ao mesmo tempo, dissociá-los. Ademais, essa relação me faz pensar nas crianças que, infelizmente, acabam crescendo 'enclausuradas', sem conhecer, de fato, a realidade, imaginando e praticamente enxergando nos pais os "modelos de perfeição"; o que só vem a mudar com a adolescência, o contato na e fora da escola e com o trabalho, quando passam a ver que há um outro mundo para além do espaço de casa. Enfim, é uma questão complexa.

E, por fim, o terceiro personagem principal é o pai de Toninho, Seu Pedro. Além do conhecimento de sua relação com o filho, somos apresentados ao seu passado, desde criança ao desentendimento com o pai, o desejo por uma vida diferente e busca por essa mudança. As partes relacionadas ao Seu Pedro, a meu ver, são as que mais possibilitam que vejamos como o livro tem um teor, digamos, pesado. Até mesmo é a que permite que observemos sobre como agimos com o outro e a mando de outrem. Isso porque, embora as partes de Cecília e Toninho estejam, também, imbuídas de questões importantes e até ‘pesadas’ – como o fato de Toninho lidar com a morte da mãe –, possuem, de certo modo, um olhar mais sutil, com foco maior nos personagens do que no que passa exatamente ao redor – não deixando de considerar, como aponta o próprio prefácio, de como o ambiente afeta as crianças/adolescentes.
Em certo ponto da leitura, fiquei me questionando se o título teria relação, de certa forma, com o tempo verbal, aquele da gramática mesmo. Indicando, possivelmente, além de um passado que é imperfeito, ações que estão no passado, mas que percorrem por períodos mais extensos de tempo, ações não tão pontuais. O que me parece que faria sentido com a história. Não seria uma brincadeira curiosa com o nome do livro? Ao mesmo tempo, essa ligação de que comento foi, também, o que me deixou com um ponto de interrogação ao terminar a leitura. Isto, aliás, me lembrou de Outra Volta do Parafuso, de Henry James – talvez quem já tenha lido ambas as obras entenda minha sutil comparação.
Num geral, a leitura foi uma surpresa encantadora, com uma leitura fluida e uma história emocionante, que conseguiu me deixar curiosa quanto ao final, aliás, convenhamos, esse final... spoilers. Enfim, diria, até, que cumpriu com minhas expectativas. Havia me interessado pelo livro desde que ouvi – e li – a Helena comentando a respeito (aliás, recomendo a leitura da resenha dela). Que surpresa não foi o autor ter me proposto parceira para a leitura da obra, o que me permitiu dar uma outra chance à literatura nacional; aliás, obrigada! Esta foi a primeira leitura que conclui em 2017, e recomendo a quem estiver um pouco desanimado com a literatura nacional, como eu estava, ou que queira aproveitar uma história bonitinha, com certa dose de ‘drama’.
Terminando este livro, fiquei com vontade de reler Pai Patrão...

ARAUJO, Gustavo. Pretérito imperfeito. Campo Grande, MS: Caligo, 2015. 286 p.

site: cacandoouricos.blogspot.com
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Davenir - Diário de Anarres 13/02/2017

A doçura e a dureza da infância. (Versão 2.0)
Pensei dua vezes antes de resenhar "Pretérito Imperfeito" neste blog, por ser dedicado exclusivamente a Ficção Científica e a Fantasia e não se tratar de uma obra que se encaixaria imediatamente no que convencionamos chamar de "Fantasia" ainda que o livro não tenha tal pretensão. O fantástico não é exclusividade de nerd e achei melhor expandir os horizontes e mostrar o fantástico onde quer que ele esteja. Eis então a resenha de "Pretérito Perfeito", romance nacional escrito por Gustavo Araújo e publicado pela editora Caligo.

Meu exemplar foi um presente da Maria Santino (que por sinal escreve muito bem também) e uma surpresa maravilhosa. Isso, por dois motivos: O primeiro, já sabia da qualidade do autor pelos contos que publica nos desafios literários do blog Entre Contos (dos quais participo há mais de um ano) e, o segundo, por haver uma boa parte dedicada a escrita epistolar. Pretérito Imperfeito atendeu minhas expectativas. Divagações a parte, vamos a estória.

Na estória acompanhamos Toninho, um menino tímido e em conflito com o pai, Seu Pedro. Ele gosta de observar pássaros e tem um refúgio na floresta nos arredores da fictícia cidade de Porto Esperança, no Paraná. Nesse refúgio ele acaba encontrando Cecília: Uma menina inteligente e que gosta de escrever. Ela também busca abrigo por conta de seu pai que está envolvido em atividades misteriosas e que ela mesmo não compreende. Os encontros entre Toninho e Cecilia, são permeados por cartas de Cecilia a sua amiga Carol e garantem um aprofundamento da personagem, há uma referência assumida a Anne Frank. A relação de Toninho com seu Pai é bem desenvolvida a medida que a estória dele também é contada.

O pano de fundo acontece em dois tempos, nos anos 1930, durante a Intentona Comunista e os anos 1960, e durante a Ditadura Civil-militar de 1964. O contexto histórico não sufoca o drama dos personagens mas sim cumpre a função trazer a dureza daqueles tempos com a doçura da infância. Elementos que Gustavo traz de forma intensa através dos seus personagens. Difícil acertar a mão com este tipo de estória sem soar piegas ou apelativo, contudo este livro fez sérias rachaduras no meu coração de pedra. A qualidade da escrita é inegável. Gustavo consegue fazer cenas simples, cheias de significado e emoção. Nessa obra acredito que encontramos Gustavo no melhor momento. Digo isso pois o autor é um excelente contista, mas muito melhor romancista.

Difícil falar mais correr o risco de estragar a experiência da leitura, pois a minha introdução a resenha já adianta que existe um elemento do fantástico na estória e o os textos introdutórios também não adiantam muita coisa. Contudo, o livro não é depende das reviravoltas pois tem uma narrativa muito consistente e envolvente para quem se deixar levar. Acredito que a única coisa que pode atrapalhar a apreciação da obra é esperar dela algo que ela não é. Vale ler de mente aberta, ainda mais para quem tentar comparar com as obras que costumo resenhar aqui. Enfim, o livro está mais que recomendado.

Para uma resenha, com spoilers e muito mais qualificada que a minha recomendo a de Eduardo Selga. https://entrecontos.com/2015/10/02/o-menino-que-queria-lacar-a-lua-resenha-de-preterito-imperfeito-eduardo-selga/

site: http://wilburdcontos.blogspot.com/2017/05/resenha-64-preterito-perfeito-gustavo.html
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Evelyn 17/02/2017

Quase um poema em prosa...
Uma das coisas das quais me lembro ao ler o título do livro foi de o ter relacionado com a definição – pretérito imperfeito: fato ocorrido no passado, mas que não foi completamente terminado.
Já afirmei no início da leitura: O prólogo é um poema. Mas cabe também dizer sobre a edição, a diagramação, a escolha das imagens... Tudo, tudo muito lindo! E a história...? Histórias dentro da história! Livros dentro de livro! É encantadora.
Pretérito Imperfeito é uma viagem pela vida de três personagens – Toninho, Cecília e Pedro. As histórias se entrelaçam e se completam e nos completam.
Toninho é um menino adorável, sincero, sensível. Um personagem cativante. Ao seguirmos junto com Toninho, partes de nossa infância vêm à tona. Em algum momento impreciso, nossas vidas se cruzam pelas ruas de Porto Esperança.
Pedro é um homem endurecido pela vida, mas com um coração ainda amoroso. Saber de suas vidas é saber de nossa própria existência porque, como adultos, encaramos os desafios, tomamos decisões, agimos e assumimos nossas escolhas. De certa forma, nos endurecemos um pouco, perdemos um pouco do açúcar, do brilho, da capacidade de nos surpreendermos.
Cecília é o elemento mágico da história e o ponto de virada final. É ela que liga o passado de Pedro com o presente de Toninho. É a presença dela na vida de ambos, com ou mais intensidade, que torna possível o fortalecimento dos laços entre Pedro e Toninho.
Ler Pretérito Imperfeito é como ler um daqueles clássicos da minha adolescência. A linguagem é trabalhada e caprichosa. A história é sensível e envolvente. Tem um ar poético e passagens encantadoras; de um lirismo sutil e singular. Pretérito Imperfeito faz emergir, de uma forma muito bem articulada, as vivências dos personagens e o jogo temporal ficcional desses sujeitos, nos envolvendo e nos remetendo, também, a uma experiência do sensível, do mágico, do afetivo. Impossível sair dessa história sem a sensação de estarmos modificados em algum ponto do nosso existir.
Parabéns, Gustavo Araújo. É uma história maravilhosa!
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leojardim 22/02/2017

Personagens que te marcarão para sempre
Analisando o livro sob vários aspectos:

Técnica (4/5): Gustavo Araújo possui um estilo clássico, com vocabulário simples, mas com um tom certíssimo para narração de cenas cotidianas. Situações recheadas de passagens que ajudam a nos aproximar dos personagens e nunca parecem sobrar. Sua outra grande qualidade é passar emoção na dose exata, sem deixar o texto piegas e tocando até nos mais duros corações.

Enredo (5/5): o livro é centrado na história de Toninho, um menino tímido de treze anos, que mora numa cidade pequena do interior do Paraná. Logo no início do livro já somos capturados pela sua história: seu relacionamento difícil com o pai, a perda traumática da mãe, o amor pelos pássaros e a escolha de uma profissão que ele acredita que o pai não aceitaria. Em algum momento, ele conhece Cecília e passam a viver um bonito e singelo caso de amor juvenil. A menina também é protagonista do livro e acompanhamos sua história através de cartas que ela escreve à sua amiga. Por fim, o livro nos apresenta a infância e vida de Pedro Vieira, pai de Toninho, um homem simples, de poucas palavras e que participou de grupos de tortura do governo de Getúlio Vargas. A forma como essas tramas vão se embaraçando lentamente, causando alguns estranhamentos gostosos no meio, até um desfecho incrível é fantástica.

Personagens (5/5): já ficou bem claro pelo dito até aqui nessa resenha que os personagens desse livro são reais e vivos. Impossível não se apaixonar por Toninho e Cecília e não se emocionar com a história de Pedro Vieira e seu relacionamento com o filho.

Temática (4/5): devo confessar que não é minha temática preferida, uma espécie de romance histórico. Mas a parte histórica serve apenas de pano de fundo e não sobra, mas também não é essencial à trama. No fim, cheguei à conclusão que o livro trata na verdade de relacionamentos familiares e o faz tão bem que não tem como não gostar.

Emoção (5/5): não sou nenhum coração de pedra, nem manteiga derretida. Sou do tipo que, quando me apego aos personagens, sinto suas dores e perdas. Em Pretérito Imperfeito preciso confessar que foi exatamente isso que aconteceu. Estava tão interessado na vida daqueles personagens que devorei os últimos capítulos com o coração na mão. Terminei de olhos marejados, na certeza de ter lido um livro que ficará para sempre na minha memória.

Recomendo muito!

site: https://www.facebook.com/leonardo.jardim.escritor/
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Coslei 02/01/2018

A harmonia estética do Pretérito Imperfeito
O que é a literatura brasileira hoje? Se formos avaliar pelo que é visível, pelo que ocupa destaque nos cadernos literários de grandes jornais e gôndolas das principais livrarias, diremos que é uma minúscula colônia de privilegiados nem sempre talentosos, mas apoiados numa fama pregressa ou artificial que nada tem a ver com o universo literário. Em torno disso, há um latifúndio de ideias bem expressas cravadas no centro de um cemitério de abortos intelectuais. No futuro, nossa literatura não será analisada pelo seu insignificante e óbvio miolo exposto sob os holofotes, mas pela periferia que trabalha arduamente contra todas as dificuldades para cultivar o verdadeiro significado da escrita como arte. Gustavo Araujo é um desses faróis à margem da literatura de dublês, há anos mantém um site onde escritores amadores treinam, de forma voluntária e gratuita, para alcançarem o grau de autores profissionais. Ajudam-se. O site Entre Contos assemelha-se a uma cooperativa de escritores. Ao mesmo tempo, enquanto cultiva talentos, Gustavo também constrói sua própria obra.

Não é muito fácil escrever sobre o trabalho de alguém que admiramos, sobra na consciência o peso de não falarmos com isenção, quando a isenção é o sinal de respeito ao artista. Talvez, por isso, eu tenha demorado a estar aqui comentando o livro Pretérito Imperfeito, do Gustavo Araujo. Para começar, é preciso dar destaque a editora Caligo, que abre espaço para novos talentos e produz volumes de extrema qualidade. Tem como gestora, segundo me consta, a competente Bia Machado.

Gustavo cita em seu posfácio que buscou inspiração, para os primeiros capítulos, no autor italiano Niccolò Ammaniti (Eu e você; Como Deus manda e A festa do século, títulos traduzidos em português e publicados pela Bertrand Brasil). No entanto, assim que iniciei a leitura de Pretérito Imperfeito, fui remetido a um livro de Viriato Correa, com edição de 1938, cujo título é Cazuza, um clássico nacional. É difícil dizer como funcionam essas correlações mentais, mas tanto Pretérito Imperfeito como Cazuza mergulham na atmosfera opressiva que permeia a liberdade criativa da infância e extraem dela quadros delicados e comoventes, em que momentos de absoluta catarse são inevitáveis.

Em tempos de “coachings” literários, Gustavo Araujo segue um caminho mais sensato na confecção de sua história, busca modelos e fontes em ícones como Érico Veríssimo e Fernando Morais. O resultado é um romance de estrutura irrepreensível, enxuto e com forte impacto sensorial. Personagens entrelaçados que seguem em paralelo numa narrativa de ritmo cativante. Pedro Vieira, Toninho e a reunião de cartas de Cecília são vozes que se alternam naquela harmonia perfeita que é capaz de criar um bom maestro. Toninho, a criança, é um personagem tão intensamente construído que, muitas vezes, parece que irá se materializar, de repente, numa das páginas. Em torno dele, segue a história do pai, Pedro Vieira, outro personagem primoroso. À margem, como se fosse o arranjo da música, as cartas de Cecília formam o diário que vai tecendo os nós e o arremate do enredo. Um bom romance é assim, é como Gustavo demonstra em seu livro, é tecer uma intrincada tapeçaria. É claro que há regras, princípios que norteiam a criação, mas a riqueza das cores, da textura, do convite aos olhos, isso é que diferencia a arte da produção comercial.

Pretérito Imperfeito é um tempo verbal que serve como título ao livro, mas em nenhum momento revela que o autor alcançou a perfeição no presente do indicativo. Não é um livro apenas para ser lido, mas para ser saboreado em todos os seus aspectos, tanto pelos bons leitores como por escritores que buscam o caminho certo na literatura.
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