Fernanda631 29/12/2022
Pequenas Grandes Mentiras
Pequenas Grandes Mentiras foi escrito por Liane Moriarty e foi publicado em Julho de 2014.
Um assassinato, um trágico acidente ou apenas adultos se comportando como crianças? O fato é que alguém morreu.
Gosto da escolha da autora de criar três histórias completamente diferentes, três personagens únicas que se envolvem de alguma forma durante a narrativa. Liane criou Madeline, Celeste e Jane, personalidades tão diferentes e originais. Para alguns autores, é difícil conciliar três histórias diferentes dessa maneira, mas Liane conseguiu com simplicidade.
Liane Moriarty cria protagonistas muito bem trabalhados, eles não perdem sua essência ao longo da história. Ainda, são vários os personagens, suas histórias nunca são vividas por poucos nomes. A princípio, parece que vamos nos perder com tantas personalidades diferentes, mas a autora consegue fazer tudo se encaixar, tudo faz sentido. Não demora até estarmos familiarizados com todos os nomes, eles criam vida rapidamente.
Todos sabem, mas ainda não se elegeram os culpados. Enquanto o misterioso incidente se desdobra nas páginas de Pequenas grandes mentiras, acompanhamos a história de três mulheres, cada uma diante de sua encruzilhada particular.
Logo no início do livro nós descobrimos que está em andamento uma investigação de assassinato, mas não sabemos quem morreu e nem que matou, tudo o que sabemos é que o crime ocorreu na escola primária na noite de um concurso de soletração que estava acontecendo, mas essa trama do livro acaba ficando em segundo plano porque ficamos tão envolvidos na vida das três protagonistas, que só nos lembramos que está tendo essa investigação quando somos lembrados no começo ou no final de algum capítulo.
A história gira em torno dos acontecimentos prévios à morte ocorrida em uma festa oferecida aos pais da escola estadual de Pirriwee, na qual estudam os filhos de Madeline, Celeste e Jane. Pequenas Grandes Mentiras se inicia na fatídica noite, porém sem revelar quem foi a vítima e se sua morte foi acidental ou um homicídio. Então, a história retrocede alguns meses no tempo a fim de construir todos os eventos que desencadearão a morte ao final.
A história se baseia em banalidades. São três mães tentando se virar para criar seus filhos, para se dar bem nos relacionamentos pessoais e lidar com conflitos pessoais totalmente humanos e reais.
Madeline acabou de fazer 40 anos é forte e passional. Separada, precisa lidar com o fato de que o ex e a nova mulher, além de terem matriculado a filhinha no mesmo jardim de infância da caçula de Madeline, parecem estar conquistando sua filha mais velha de 14 anos.
Celeste é dona de uma beleza estonteante. Com os filhos gêmeos entrando para a escola, ela e o marido bem-sucedido têm tudo para reinar entre os pais. Está em um casamento aparentemente perfeito com um homem rico e bonito, mas entre quatro paredes sofre violência doméstica. Mas a realeza cobra seu preço, e ela não sabe se continua disposta a pagá-lo.
Por fim, Jane, tem 24 anos uma mãe solteira nova na cidade que guarda para si certas reservas com relação ao filho um garotinho de 5 anos. Madeline e Celeste decidem fazer dela sua protegida, mas não têm idéia de como isso afetará a vida de todos.
Reunindo na mesma cena ex-maridos e segundas esposas, mães e filhas, bullying e escândalos domésticos, o romance de Liane Moriarty explora com habilidade os perigos das meias verdades que todos contamos o tempo inteiro.
Os pensamentos de cada uma são totalmente plausíveis e fáceis de fazer o leitor se identificar. E, mesmo narrando vidas cotidianas normais, a história entretém e prende até a última página. É como se estivéssemos na mente das personagens e fossemos sugados por suas personalidades. Até os pensamentos mais monótonos sobre coisas aparentemente sem relevância se tornam reflexões para as personagens de Liane.
O plot central de Pequenas Grandes Mentiras pode ser o mistério envolvendo o acidente ou homicídio. Porém, ainda que a curiosidade despertada no leitor acerca dessa revelação seja um grande motivador e impulsionador da leitura, é o talento de Liane Moriarty em construir suas personagens e sua forma de abordar questões importantíssimas que verdadeiramente conduz a narrativa.
Escrito em terceira pessoa, os capítulos se alternam de acordo com a perspectiva de cada protagonista e carregam suas visões de mundo, principalmente as pequenas mentiras que elas contam a si mesmas – e por isso o leitor deve estar atento para enxergar e refletir além do que é dito por elas.
Durante todo o livro, há trechos de depoimentos dos pais presentes na festa, demonstrando não só os problemas existentes entre eles, como também as inúmeras interpretações errôneas dos fatos. Além de cada questão poder receber diferentes pontos de vista, elas também são alteradas de acordo com a interpretação que recebem e ilustram a força prejudicial de boatos e fofocas, sendo também um bom exemplo de diferentes níveis de maldade inerentes ao ser humano.
Afinal, todos compartilhamos de características que, embora diferentes e próprias a cada um, nos torna complexos e imperfeitos (segundo uma visão idealizada), no sentido de carregarmos o bem e o mal em nossa personalidade.
O livro é dividido em capítulos curtos, o que faz a leitura fluir bem mais rapidamente. Em nenhum momento a narrativa se torna cansativa ou frustrante, passar as páginas é divertido e natural. Moriarty consegue entreter o leitor com maestria. Apesar de a narrativa não ter reviravoltas muito expressivas até o final e se tratar de assuntos familiares, é impossível largar o livro.
Ao começo ou final de cada capítulo, temos os testemunhos de pessoas que se envolveram de alguma forma com as protagonistas. São trechos de depoimentos para a polícia que investiga o caso de assassinato. Cada depoimento está relacionado ao espaço de tempo tratado no capítulo, completa ou intriga de alguma forma. É como se as testemunhas comentassem o que foi contado. A cada capítulo surge uma nova dúvida a respeito das três principais mulheres, a cada pensamento surge uma nova suspeita.
O livro trata de assuntos sérios de forma descontraída, mas acaba levando a algumas reflexões. As protagonistas precisam lidar com problemas particulares mais sérios relacionados ao bullying e à violência doméstica por exemplo. É uma leitura para diferentes idades e personalidades.
Pequenas Grandes Mentiras é construído por uma escrita despretensiosa, capaz de enganar a respeito do conteúdo do livro. Conforme avançamos na leitura, percebemos o quanto a autora se aprofunda nas complexidades de suas personagens e das temáticas abordadas, sem fazer dela pesada em momento algum.
Ao mesmo tempo em que ela cativa o leitor pelo mistério desenvolvido e proporciona a ele um nível de entretenimento, ela também se esbalda no universo feminino, trazendo pontos que exigem discussões e necessitam ser ilustrados para exemplicar o que é afirmado. E Moriarty faz isso com maestria, ao se aprofundar nas personalidades de suas protagonistas, demonstrando seus anseios e receios, seus traumas e dificuldades.
O livro tem uma escrita totalmente envolvente, no início a gente acha que o que vai nos despertar a curiosidade é somente a investigação de assassinato, mas também ficamos muito curiosos pra saber o que as protagonistas irão fazer para resolver seus problemas. Liane Moriarty nos apresenta personagens muito reais que podemos conhecer em nossa vida. O leitor se torna expectador de três histórias que se encaixam perfeitamente, sem pontas soltas.
Acima de tudo, o livro trata da violência contra a mulher, e foi impossível não me sentir admirada pela sua forma de desenvolver a temática em meio à narrativa. Sobretudo, senti toda a força existida na união feminina, e fiquei exultante com a cena final, na varanda, quando finalmente descrita.
Sabia que Liane Moriarty não me decepcionaria e não me decepcionou. É um livro tão fácil de ler que até assusta. Liane escreve de uma forma que nos faz mergulhar nos pensamentos das personagens e nos faz viver seus dilemas e conflitos pessoais.