Carstairs 31/05/2022
Richard Campbell Gansey III tem que morrer.
E ele irá.
Enfim, chegamos ao final de um ciclo. The Raven King é a conclusão da série de Maggie Stiefvater, Os Garotos Corvos, uma série que envolve magia, ocultismo, fantasmas e assassinos, com uma dose de romance e um quê de aventura.
Os Garotos Corvos foi uma série que me proporcionou muitas emoções e sentimentos ao longo de todos os seus quatro livros e 1685 páginas. Com inspiração em cultura gaélica e na lenda de Rei Arthur, com os personagens tendo até mesmo correlação com os próprios personagens da lenda de Arthur, essa série conquistou um lugar especial dentro do meu coração e foi até difícil dizer adeus a ela (mesmo eu sabendo que há uma trilogia spin-off focada em um dos casais que se formou ao longo da série, e que vou falar ainda aqui). Neste livro, Maggie Stiefvater surpreendeu mais uma vez e entregou um final coeso, coerente e conciso onde amarrou perfeitamente as pontas sem furo algum.
Partindo do ponto em que o terceiro livro terminou, o mal despertou em Henrietta. Por vezes eu citei na resenha do terceiro volume da série como Blue Lily, Lily Blue passava a sensação de ser o começo do fim e não me enganei em momento algum sobre isso. Ao longo da série, nosso grupo de protagonistas buscou o túmulo do rei galês Glendower com a missão de acordá-lo, mas também foram avisados de que haviam três seres adormecidos e que jamais deveriam despertar o terceiro. Contudo, introduzida no terceiro volume, Piper em companhia de ninguém menos que Neeve (a tia de Blue que sumiu misteriosamente durante o ritual de Adam no final do primeiro livro), acordam o terceiro ser, este é senão um demônio.
Esse livro tem uma aura de final desde as primeiras palavras, além de te puxar para dentro da história como todos os outros fazem, ele deixa claro nas entrelinhas que aqui é a batalha final, mesmo que não seja aquela fantasia épica de cavalheiros e guerras gigantescas a la Senhor dos Anéis. Dentro do próprio contexto criado pela autora, você sente a cada parágrafo essa urgência final, esse estado de alerta constante.
Assim como o primeiro livro tem um foco no Adam, o segundo livro teve seu foco no Ronan, o terceiro focou em Blue, esse obviamente foca no Gansey. Gansey que é o motivo pelo o qual todos estão nessa busca por um rei adormecido, Gansey que os arrastou para uma teia que envolve florestas mágicas conscientes e pessoas com a habilidade de tornar seus sonhos e pesadelos reais. Gansey é, de forma indireta, quem move a história. Seu crescimento ao longo da série acontece por meio de um brilhantismo único e aqui, com os holofotes sobre ele, o personagem brilha seja com seu altruísmo e necessidade de colocar aqueles que ama à frente dos próprios desejos e necessidades; seja por meio do egoísmo que em muitas vezes se sobressai assim como sua arrogância quase aristocrática.
Eu sempre gosto de lembrar que Adam e Gansey são os personagens mais cinzentos e com maior moralidade dúbia desta série, tanto que eles são quase que o complemento um do outro e portanto tem a mais complexa das relações. Entretanto, Gansey é o que mais brinca na corda bamba da entre agir certo porquê é o esperado ou agir certo porque é o que ele quer. A percepção dele e seus atos às vezes são muito deturpados, bem como ele é. Não há uma linha certa e nítida, mas sim borrada no que tange à personalidade e as ações dele. E neste livro, Gansey está no auge de tudo isso.
Eu gosto como a Maggie trabalha os personagens dela de forma que eles são daquela forma X e eles sempre se mantém assim, independente do que aconteça. Eles são muito reais, você sente raiva deles, você sente pena, eles provocam no leitor um misto de emoções. O desenvolvimento do Gansey nesse último livro é fenomenal desde o relacionamento dele com a Blue, a forma com a qual ele não consegue mais negar que a ama e desafia até a predição de que ela pode matar o amor verdadeiro com um beijo, até a tomada de decisão dele ao aceitar que sim, ele tem que morrer. Tudo condiz muito bem com a forma que a Maggie o construiu e desenvolveu pela trilogia.
Sobre o relacionamento dos personagens, eles estão ainda mais unidos aqui. As mágoas que eles podiam ter no passado são resolvidas, as relações estão mais sólidas e firmes, inabaláveis; especialmente com um demônio à solta em Henrietta que está começando a literalmente desfazer tudo, desde pessoas como foi o caso da pobre Neeve, até mesmo a mítica floresta de Cabeswater. Ainda que os quatro personagens briguem, eles apoiam um ao outro independente do que aconteça e se importam profunda e verdadeiramente.
Neste livro temos também adições no elenco, além da Gwenllian (filha do Glendower que se juntou aos personagens no terceiro livro), há também o Artemus, o pai da Blue. Dois personagens que, a princípio, você não entende qual a importância deles na história e a necessidade deles, mas que acrescenta em muito, principalmente para a Blue, para que ela e nós os leitores consigamos compreender essa personagem, quem ela é e suas habilidades. Além de também contribuírem para a compreensão em geral do vilão, da busca pelo Glendower, e da própria essência da floresta Cabeswater.
Compreendemos enfim o que a Blue é, e o que ela pode fazer, e só prova o quão criativa é a mente da Maggie.
Falando um pouco sobre os outros personagens, a relação do Adam e do Ronan que já vinha sendo construída e explorada desde o primeiro livro, assim como os sentimentos amorosos que eram sempre em nuances e entrelinhas, finalmente culminam no começo do relacionamento (eu que sou apaixonado no casal obviamente vibrei com o beijo deles e o que foi deixado nas entrelinhas para entendimento do leitor). Ronan e Adam desempenham papéis importantes e necessários e tem o fechamento dos seus arcos de forma brilhante e astuta. Entendemos finalmente por qual motivo, ainda no primeiro livro, o Ronan foi capaz de identificar a própria letra nas pedras de Cabeswater, mesmo que fosse a primeira vez dele visitando a floresta, ou qual a razão dela falar latim; já que ambos estão conectados pelo fato de ter sido o Ronan a pessoa quem deu vida à floresta.
The Raven King, no que diz aos personagens, é um espelho para o primeiro livro. Eles cresceram e, não só isso, amadureceram. Não são mais os adolescentes com comportamento infantil e que fingem ser adultos, eles são de fato adultos aqui. Trabalho fenomenal que a autora faz, deixando nítido para nós leitores o quanto eles evoluíram.
Isso e várias coisas que foram sendo plantadas ao longo dos três livros anteriores são amarrados e é como as peças finais de um quebra-cabeças sendo colocadas para completar a imagem toda e enfim podemos ter a visão panorâmica do começo ao fim. Desde a visão da Blue do espírito do Gansey lá no prólogo do primeiro livro, até a revelação de quem foi que deu a vida para o Gansey após ele morrer aos 10 anos pelo ataque das vespas, tudo é muitíssimo bem fechado e amarrado sem furos e com explicações de fazer a mente explodir.
O final é quase apoteótico dentro do propósito original da série, sendo um momento fantástico e também pé no chão, condizente com a temática urbana que a série tem. Gansey precisava morrer e ele morreu. Blue iria matar seu amor verdadeiro com um beijo, e ela o fez. Cabeswater deixou de existir. Adam não é mais o Mago. Tudo isso foi feito com coesão e me deixou completamente satisfeito, não apenas porque trouxe uma quebra de expectativa para aqueles que, por exemplo, não esperavam que a visão da Blue fosse se cumprir e o Gansey fosse morrer de fato, mas também porquê é original da forma que a escrita e a série se provaram ser desde a sua concepção.
De certa maneira, ela começou onde terminou e isso chega a ser poético.
The Raven King cumpre de forma magnífica seu propósito e seu trabalho de encerrar esta que foi uma série que cresceu cada vez mais a cada livro, com uma sensação de dever cumprido e satisfação. O final digno que a Gansey precisava, repleto de suspense, mistério, reviravoltas e revelações chocantes, Maggie Stiefvater fechou esse ciclo com chave de ouro. Sentirei saudades de acompanhar as aventuras de todos esses personagens juntos, com todos os seus dilemas.
The Raven Cycle pode ter terminado, mas vai viver para sempre no meu coração e no meu imaginário.