Mistérios do Grande Rio

Mistérios do Grande Rio Antonieta Dias de Moraes



Resenhas - Mistérios do Grande Rio


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Marcel.Trocado 21/01/2023

EL DORADO OU SOBREVIVER

Entre os anos de 1541 e 1542, Juancito Martinez Tuasua, filho de pai espanhol e mãe indígena do Peru, aventura-se em uma expedição, liderada pelos espanhóis dom Francisco e dom Gonzalo Pizarro, a partir de Quito no Equador. O jovem Martinez ingressa na expedição sem a autorização dos pais e das lideranças da viagem.

A missão da expedição é explorar a região a leste de Quito, rumo ao interior do continente, em busca do El Dorado. Dom Gonzalo parte semanas antes do grupo de dom Francisco para se encontrarem próximo dos limites do Equador (país). A trilha é perigosa desde o início, nas cordilheiras o frio é intenso e o ataque dos indígenas peruanos é constante. O terreno é desafiador ao ponto de deixar diversos membros do grupo e seus cavalos pelo caminho, congelados ou em acidentes com avalanches e precipícios. Neste momento Juancito acompanha o grupo de longe, sobrevivendo como pode, até sua presença se revelar ao grupo num ponto da viagem na qual não havia mais volta para o jovem explorador.

A medida que se aproximam da região da floresta outros perigos se revelam, como a fome, que antes existia, mas que neste momento, após consumir quase todos os cavalos da expedição, resulta em se alimentar de praticamente qualquer coisa, raízes de plantas desconhecidas e pequenos animais como lagartos.

Quando ambos os grupos, de dom Francisco e dom Gonzalo, se encontram, devido as condições extremas, o objetivo principal passa a ser a sobrevivência. No desespero constroem uma embarcação do tipo bergantim (barco grande movido por remos), na qual cabem o grupo de dom Francisco e alguns novos membros. Dom Gonzalo deverá aguardar a volta do outro grupo que trará alimentos de territórios mais adiante, porém, sendo levado pela forte correnteza e se passando muito dias, sem nada encontrar, a missão novamente altera-se para o grupo de dom Francisco, a tripulação o convence a seguir atravessando o Amazonas, pois cansada e sem energia para remar contra o fluxo natural do rio a tripulação está disposta a continuar até encontrar o oceano Atlântico e assim se salvarem.

Atravessar o Grande Rio, como era conhecido o Amazonas na época, será um caminho muito mais difícil como foi até aquele momento. A fome é uma implacável companheira, entretanto, muitas vezes os espanhóis encontraram tribos pacíficas e com muita curiosidade em conhecer os habitantes do velho continente. Passagens bem interessantes acontecem no contato dos espanhóis com os nativos. Totalmente perdidos e castigados pela fome, sendo resgatados pelos índios Irimarais, dom Francisco ainda declara aos caciques:

"Eu vos chamei para, em vossa presença e em vossas pessoas, tomar posse da terra em nome do rei da Espanha que é nosso rei, uma grande majestade que tem poderosos domínios espalhados pelo mundo..." (p. 54)

Os caciques concordam mas não entendem nada. Não sabiam que existia a Europa, a Ásia e a África, muito menos que um rei possuísse grandes extensões de terra. Eles riem, pois não entendem nada. Até Aído, escravo negro da expedição, ri porque também não compreendia a grande ambição dos brancos. Na África, assim como na América selvagem, não havia o direito de propriedade sobre o solo e suas riquezas, só existia o direito de uso; o chefe repartia o campo/floresta entre as famílias e só a colheita lhes pertencia, algo semelhante aos indígenas do Grande Rio. Que era aquilo de chegarem os estrangeiros e dizerem que a terra em que há milênios viviam as tribos, a terra em que habitavam pertenceria desse dia em diante a um rei desconhecido, de um país longínquo? Aquele estrangeiro não falava direito a língua deles. A terra não tem dono, é de quem vive nela, colhe seus frutos, pesca nos rios e caça os animais que lhe servem de alimento. Na verdade, os indígenas e o escravo Aído riam porque achavam graça em tantos disparates.

Outro fato importante no contato com os nativos e a imposição da fé cristã contra aos preceitos religiosos dos anfitriões do Grande Rio:

"[...] Quero-vos dizer que somos cristãos e ser cristão significa adorar um só deus, criador de todas as coisas. Não somos vós que andais errados adorando pedras e outros ídolos. Somos criados e vassalos do imperador dos cristãos, e grande rei da Espanha chamado dom Carlos, que tem o Império das Índias e muitos reinos espalhados pelo mundo. (p. 63)

Os índios gostaram muito daquele momento e todos os dias vinham conversar com o capitão. Como sinal da posse, dom Francisco mandou erguer uma cruz bem alta. Os índios nada entenderam do que significava tomar posse da terra, mas gostaram muito daquele monumento e todos os dias vinham conversar com o capitão ao pé da cruz. Quando viram os espanhóis, ajoelharem-se e rezando ao pé da cruz perguntaram o que faziam, dom Francisco explicou que a cruz era o símbolo do deus dos cristãos que morreu crucificado para salvar a humanidade. Um dos caciques replicou:

"Vós nos censurastes por adorarmos pedra e ídolos, o mesmo se dá convosco, adorais a madeira que é a mesma coisa." (p. 64)

Dom Francisco explicou que havia uma diferença, a cruz era um símbolo, a representação da presença da divindade. O cacique insistiu:

"Também para nós é assim, adoramos nosso deus em todas as coisas da natureza." (p. 64)

Portanto, do ponto de vista do branco, que viam como inferiores os indígenas, não enxergava qualquer razão para os nativos adorarem seus próprios Deuses, os cristão sim, fazia sentido que todos os humanos, mesmos os nativos, deveriam converterem-se em cristãos. Não sabia dom Francisco e seus companheiros que entre eles, o missionário Juan de Mangas, que na realidade chamava-se Johannes, ocultava entre todos a sua origem judia. Dizia ter nascido em Puerto Santa Maria, na realidade era filho de um sábio e estudara muito, viera para a América como tantos judeus espanhóis e portugueses, fugidos da Inquisição. Como explicar para os nativos que a origem do cristianismo, que era Jesus Cristo, judeu, mesmo povo de Johannes, que naquele momento era perseguido devido a sua origem? Provavelmente os índios gargalhariam sobre essa situação.

Passam-se meses, e Juancito cresce física e moralmente, percebe-se neste tempo, ao contrário dos anos anteriores, que sua origem indígena lhe dá mais orgulho, sua mãe era uma pessoa extraordinária, muito boa e sábia, ele deseja voltar para ela e levá-la de volta para sua tribo no Peru. Em certa parte da viagem, Juancito se separa do restante dos espanhóis, neste momento ele presencia El Dorado, tão rica em ouro e prata que os caminhos e casa em feitas com o precioso metal dourado. Mas, para preservar o povo que a habita Juancito retorna para seu grupo em dizer que de fato conheceu o El Dorado. Porém, até a realização de seu desejo de retornar para a mãe, o caminho continua cada vez mais perigoso, ao contrário dos índios encontrados antes, as tribos seguintes são extremamente violentas e perigosas, atacam as embarcações dos espanhóis praticamente todos os dias, uma amostra de que aquelas tribos já percebiam a ameaça que os colonizadores poderiam apresentar.

No caminho encontra a lendária tribo das ferozes mulheres guerreiras, reconhecidas como as amazonas, derivada da mitologia grega. Havia umas doze mulheres, lutaram à frente dos índios, via-se que eram comandantes, os índio que tentasse fugir era logo abatido a tacape desferido pelas mulheres guerreiras. Os índios tinham muito medo das amazonas. Estas eram mulheres brancas e altas, cabelos compridos, trançados e enrolados em torno da cabeça. Fortes, andavam nuas, só com tangas, arco e flechas nas mãos, cada uma valendo por dez índios. Somente elas atiraram tantas flechas que cada bergantim parecia um porco-espinho. Os espanhóis conseguem escapar, sem coragem para de sequer desejar um novo combate.

Mais adiante, encontram índios antropófagos, que sinalizam seus territórios com cabeças decepadas de inimigos, fixadas em lanças próximo ao rio. Tão perigosos como as amazonas, esses possuem as flechas com veneno de curare, uma secreção altamente venenosa retirada de sapos. As flechas que atingem os espanhóis, matam-nos em 24 horas. Boa parte dos exploradores foi morta por causa dessas flechas.

Após algumas baixas entre os membros da tripulação, muitos meses e mais de mil e oitocentas léguas de viagem, o capitão Francisco e seus comandados avistam o mar, antes, na última parada em terra, improvisam um mastro e velas com farrapos das mantas de dormir. Colhem caracóis e caranguejos, pequenos que haviam em quantidade, e água potável para consumir no novo percurso, agora em água salgada. Devido ao encontro da maré do oceano com a água doce do rio esse trecho é turbulento, poderia facilmente engolir as embarcações em segundos, passaram a foz do Amazonas com tanta dificuldade que os bergantins se deslocam para longe um do outro, o bergantim no qual estão Juancito e dom Francisco consegue chegar ao oceano, sem avistar os companheiros na outra embarcação. Saem agora navegando o mar, costeando a terra, depois se afastam um pouco. Não sabiam onde estavam nem para onde iam, passam-se alguns dias. De repente: "Terra à vista! Uma ilha!" Era Cubágua, nas costas da Venezuela, na cidade de Nueva Cadiz, um posto de navegação espanhola.

Todos descem em terra firme e se encontram os companheiros da outra embarcação que chegou dois dias antes, Juancito ouviu falar que Pedro Domingues Miradero embarcaria num dos pataches vindo da Espanha, destacado da frota para entregar mercadorias e levar pérolas. A frota preparava-se para zarpar com destino a Cartagena. Dom Francisco decide retornar à Espanha para prestar as contas ao rei de tudo que aconteceu e de tudo que viu.

Diante de toda a história contada, carece por tarde da autoria do livro, que de fato os personagens Dom Gonzalo Pizarro e Dom Francisco de Orellana fazem parte da história por traz das primeiras explorações espanholas do rio Amazonas, em meados do século XVI. Eles demonstraram na prática a navegabilidade do Grande Rio naquela que, talvez, tenha sido uma das viagens mais improvavelmente bem-sucedidas da história humana. No início do livro é revelado que a história de Juancito foi transcrita a partir de manuscritos encontrados numa caixa de ferro entre as ruínas de uma casa na cidade de Quito, no Equador. É provável que com a publicação do relato antigo realizou-se os desejos do verdadeiro Juancito Martinez Tuasua, o garoto de Quito.
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