Queria Estar Lendo 16/02/2016
Resenha: The Walking Dead - Declínio
Eu sei, eu tinha prometido que não continuaria a amar o universo de The Walking Dead, mas sabe como é. Vida de trouxa não te abandona nunca. Quando anunciaram o lançamento do quarto volume da série, pensei comigo mesma "ah, que saco, achei que tinha acabado tão bem no terceiro livro! Não quero não." Aí caí em tentação. E aconteceu de Declínio ser uma grata surpresa.
Estamos de volta à Woodbury; à cidade pós-Governador. Agora que o tirano está morto, Lilly é a nova líder da comunidade. Aos tropeços, eles parecem estar começando a se reerguer. Por poucos capítulos, claro. Uma família perturbada por um segredo aparece em seus portões à procura de ajuda, uma super-horda atraída pela queda da prisão está prestes a cruzar a cidade e o que parece ser um culto comandando por um fanático religioso medonho vai trazer problemas para os moradores de Woodbury. Tudo isso bem desenvolvido pela escrita magistral de Jay Bonansinga.
A escrita do homem é uma coisa absurdamente fantástica, senhoras e senhores. Sou apaixonada pela maneira cruel e real e crua com que ele narra os fatos, como se as cenas estivessem acontecendo na minha realidade, na cidade vizinha à minha, logo ao lado de casa. Apesar de algumas personagens não serem das mais carismáticas - e aqui eu continuo citando a Lilly, que tinha tudo pra ser uma baita de uma sobrevivente impactante - Jay compensa com cenas intensas e momentos eletrizantes envolvendo os bons e velhos walkers.
"Luto, tristeza e perda são abafados garganta abaixo até que uma dormência coletiva se instaure. Mas soldados ativos conhecem a verdade sob a mentira. Detetives de homicídios também. Enfermeiras de pronto-socorros, paramédicos - todos conhecem o segredinho sujo. Não fica nem um pouco mais fácil."
A primeira parte do livro é a consequência que vai levar até o momento impressionante do fim. Os recém-chegados em Woodbury têm uma aura estranha, principalmente a esposa de Calvin Dufree; alguma coisa em seus trejeitos, na maneira como se porta, dizem à Lilly que ela não está bem alocada no apocalipse. Com os três filhos e a mulher problemática, Calvin se mostra uma figura de pouco poder, muito submisso ao próprio medo. Mas não é o tipo de covarde legal e carismático, com quem você se liga instantaneamente, querendo protegê-lo. Não, Calvin é chato, só isso. Não me conquistou, tampouco me fez torcer pela sua sobrevivência. O fato de ele ficar recitando a Bíblia e o fim dos tempos mostrou que ele tentava, mas falhava em entender o novo mundo em que vivia. O romance dele com a Lilly foi forçado e, eu diria, desnecessário.
Fanatismo religioso já é um problema no mundo em que vivemos, quem dirá quando os mortos caminham pela Terra. O aparente simpático e gracioso reverendo Jeremiah esconde alguma coisa. Lilly está encantada demais com um novo morador da comunidade para notar - e aqui saliento como ela sempre é ofuscada pelo amor de um homem a ponto de não perceber que A) O GOVERNADOR TEM TORTURADO GENTE NA SUA CIDADE ENQUANTO VOCÊ RALA E ROLA COM UM MOLEQUE BONITÃO e B) O REVERENDO TEM ALGUMA MERDA ESCONDIDA NAQUELA BOLSA DELE MAS VOCÊ ESTÁ PREOCUPADA DEMAIS COM OS LÁBIOS DO RECÉM-CHEGADO PRA PERCEBER. A problemática de situações assim se repetindo com a Lilly é um erro que o Jay não conserta nunca, e eu meio que entendo, considerando o que TWD faz com as personagens femininas dele. Não, não tente defender, The Walking Dead é muito machista. Não é por colocar uma mulher fodástica matando zumbis com uma katana ou uma mulher de meia-idade sobrevivendo a abusos e se tornando uma guerreira que vai fazer sua série a epifania do feminismo.
"O silêncio é insuportável. É um silêncio carregado, onipresente, primitivo - o silêncio do túmulo."
Bob teve grande destaque no desenvolvimento dessa trama. O sensato e solitário médico, traumatizado pelo passado e pelo presente, tem momentos grandiosos e ideias brilhantes, e é um dos poucos moradores sensatos que ainda reside em Woodbury. Eu gosto da irmandade que ele e a Lilly construíram entre si; o fato de ambos se respeitarem e se entenderem e confiarem plenamente um no outro. É Bob quem guia a líder para as melhores decisões, e quem a sacode quando percebe que Lilly está seguindo um caminho estúpido. Deus abençoe o Bob.
"Para os sortudos, uma cicatriz se forma, e a passagem do tempo acumula mais e mais cicatrizes, até que a dor se torne simplesmente parte da constituição da pessoa, parte de que ele ou ela é - o sulco na madeira. Lilly sabe disso por experiência própria."
Com duas cenas climáticas bombásticas - ba tum tss - Declínio não tem esse nome à toa. Sem o Governador e sua tirania, Woodbury parecia prestes a caminhar para uma ascensão, mas o mundo ainda é um inferno e ainda há mais pessoas ruins do que boas nele. O importante na história é o fato de os sobreviventes continuarem lutando. A crença de que, independente do que está acontecendo lá fora, o que acontece com eles é o que importa. Se tem um culto religioso louco causando problemas ou uma família problemática acabando com a paz da cidade, pelo menos eles lutam. E sobrevivem.