Procyon 15/04/2023
Submissão, de Michel Houellebecq ? comentário
?Os estudos universitários no campo das letras não levam, como se sabe, praticamente a nada, a não ser, para os estudantes mais dotados, a uma carreira de ensino universitário no campo das letras ? em suma, temos a situação um tanto cômica de um sistema sem outro objetivo além de sua própria reprodução (...) Esses estudos no entanto não são nocivos e podem até apresentar uma utilidade marginal. Uma moça que procure um emprego de vendedora na Céline ou Hermès deverá naturalmente, e em primeiríssimo lugar, cuidar de sua aparência; mas uma graduação ou um mestrado em letras modernas poderá constituir um trunfo secundário que garanta ao patrão, na falta de competências mais aproveitáveis, uma certa agilidade intelectual que pressagie a possibilidade de uma evolução na carreira ? a literatura, além do mais, vem desde sempre acompanhada de uma conotação positiva no ramo da indústria do luxo.? (pág. 14)
O estilo provocador de Michel Houellebecq é trazido já no título do livro, que remete à raiz etimológica de ?Islão?. A sátira que o autor constrói leva a crer que se trata de um romance existencial, a eleição de Ben Abbes dá uma guinada nessa história que tinha tudo para ser convencional no âmbito da ficção distópica.
Está presente o protagonista houellebecquiano (misantropo, cético, cínico, tarado, niilista, que, em última instância, só liga pra comida e mulheres), à deriva num mundo de cercado pelo fanatismo religioso e dominado pela fraqueza das instituições. Como numa crítica ao multiculturalismo e ao pragmatismo, o livro nos traz um ?homem do subsolo?, um personagem mais concreto do que os irmãos caricatos de Partículas Elementares, que observa a passividade ? ?submissão? ? dos franceses, enquanto o próprio tem um desprendimento da vida.
O editorial da capa diz que é ?o livro mais polêmico do ano?. Podia até ser ? visto que o romance fora publicado na mesma semana do atentado ao Charlie Hebdo ?, mas não achei o livro tão polêmico, tão desagradável, narrativamente, quanto ao Partículas Elementares (enfim, vá entender?). Falando em editorial, este é o primeiro livro de Houellebecquiano a ser publicado pela Alfaguara, que, aliás, fez o melhor trabalho em relação às outras editoras de Houellebecq no Brasil (apesar da epígrafe da capa). Uma pena que Houellebecq seja mais conhecido pela visão ácida e pela tendência ao reacionarismo do que pelas suas virtudes literárias.