Mar 17/02/2024
Muita invenção e pouca história
A iniciativa de escrever uma obra como essa é louvável. Isso porque parece haver uma falta de livros de divulgação nas ciências humanas que se dediquem a uma abordagem mais geral e universalista, dada o crescimento de uma abordagem detida a questões muito particulares. A pesquisa de Harari para a escrita desse livro parece minimamente competente, tirando algumas partes em que ele se propõe a falar sobre assuntos sobre os quais ele não tem domínio algum e acaba falando muita besteira. Um dos exemplos é quando ele fala do surgimento da ciência linguística, chegando a sugerir que William Jones criou um método de comparação de línguas, conhecido pelos linguistas como histórico-comparativo. Ora, Jones não criou nenhum método e nem foi o primeiro a perceber semelhanças entre o Grego, o Latim e o Sânscrito.
Mas o problema mesmo é a tese principal do livro, que é péssima, fraca, paupérrima, ridícula, estúpida... O autor escolhe como chave de compreensão da história a noção de que os humanos conseguem estabelecer redes de cooperações cada vez maiores por causa de ficções. Isso mesmo! Ficções que são compartilhadas, mitos em que muitas pessoas acreditam. Segundo o livro, é porque acreditamos conjuntamente nesses mitos, que a nossa história segue o curso que segue. São exemplos de tais mitos: nações, dinheiro, deuses, leis.
É óbvio que existe uma dimensão intersubjetiva nesses domínios da vida humana, mas eles não podem ser reduzidas a isso. O dinheiro, por exemplo, para o Harari, só tem algum valor porque acreditamos que ele tem, porque somos capazes de confiar nessa ideia. Não preciso de muito esfoço para explicar o quanto essa ideia é estúpida. Existe uma base material que se reproduz objetivamente na sociedade que permite que o dinheiro assuma um papel de expressar o valor de mercadorias. Essa base inclui o processo de produção e de distribuição de mercadorias. Caso a nossa sociedade parasse por completo de produzir mercadorias, o dinheiro ainda assim teria algum valor, pela razão de meramente acreditarmos que ele tem e de confiarmos uns nos outros para tanto? Claro que não.
Essa tese absurda de que ficções guiam a histórias é repetida e repetida durante o livro, até cansar. Em todos os momentos que isso ocorre, o livro parece descartar o papel de processos históricos, assumindo uma abordagem quase anti-histórica. Em uma de suas passagens sobre a revolução francesa, Harari chega a insinuar que essa revolução teria acontecido do dia pra noite, simplesmente porque um grupo de pessoas parou de acreditar no poder da monarquia. É simplesmente uma piada.