Tamirez | @resenhandosonhos 22/08/2018Golem e o GênioGolem e o Gênio foi um livro que muitas pessoas me indicaram com a certeza de que eu iria gostar. Elas estavam certas, porém não posso negar que esse foi um livro difícil. A narrativa é mágica e encantadora, a escrita é rica e bem desenhada, mas a fluidez do livro é lenta e, devido a suas mais de 500 páginas, torna-se uma leitura vagarosa. Isso de forma alguma é um problema grave, mas pra mim que curto leituras mais fluidas e dinâmicas, foi complicado caminhar pela primeira metade do livro.
Depois da página 300 a história muda um pouco de tom e tudo corre com mais rapidez. Também parece haver mais ação na história, enquanto mais da primeira metade apenas situava a gente na trama, apresentava personagens, suas origens e passados. Quando mergulhamos na verdadeira história que se desdobrará, a leitura é mais cadenciada e a curiosidade de descobrir o que virá pela frente vence qualquer empecilho.
“Sua verdadeira forma era insubstancial como uma golfada de ar, invisível aos olhos humanos. Nesse formato era capaz de conclamar os ventos e cavalgá-los pelo deserto.”
A descrição dos personagens é muito interessante. A autora tira o seu tempo para nos apresentar cada detalhe sobre cada um e revela mais ao decorrer da história. A Golem é uma criatura perdida, por natureza ela deveria ter um mestre, ela não sabe agir sozinha. Ela sabe o que todos pensam e tenta controlar isso da melhor maneira possível, tanto para não ficar louca quanto para não ser invasiva e agir como se “lesse pensamentos”.
O que foi solicitado em sua criação está presente. Ela é recatada, mas é inteligente e curiosa. Tem medo das repercussões mas tem vontade de conhecer tudo e aos poucos vai desbravando o mundo ao seu redor. A relação dela com o pastor é completamente compreensível. Ele foi o primeiro que lhe ofereceu a mão, sabe o que ela é e aos poucos tenta dar condições para que ela viva, sem, por baixo dos panos, também encontrar uma contra medida caso ela saia do controle. Ela é uma criatura com sua própria natureza. Quando um golem entra em uma situação de ameaça ou risco para seu mestre ou para aqueles que tem afeto, pode se tornar violento e como tem uma força estupenda, causar um dano irremediável.
Do lado oposto temos o Djim. Ele caiu de paraquedas nesse mundo e é um ser que anseia por liberdade, mas está preso, e não faz ideia de como consertar isso. Ele busca ser livre da maneira que pode, desbravando novos lugares, fazendo longas caminhadas e se envolvendo em situações um quanto inusitadas ou proibidas.
Quando os dois se encontram é como um choque de universos. Ambos conseguem ver que são diferentes de pessoas normais, mas não sabem “o que são”. Pra o Djim a forma contida como a Golem vive a vida é um desperdício e, para ela, ele é muito negligente, se expondo à toa. Eles são diferentes, mas conseguem encontrar um ponto em comum: ambos são estranhos a esse mundo e foram forçado a viver nele.
“Durou uma eternidade; foi apenas um instante.”
Todos os outros personagens secundário são importantes para a trama de alguma forma e um terceiro elemento vai surgindo ao longo da história. O misterioso Schaalman, aquele que criou a Golem a pedido de Otto, vai aos poucos se inserindo na história e mostrando que tem muito mais a contribuir para a narrativa do que apenas o que parece no começo do livro.
E sim, o subtítulo faz bastante jus ao estilo de história. Golem e o Gênio é uma fabula – apesar de não ser uma história curta – não só pela presença desses dois seres, mas também pela forma como narra os fatos, sempre tornando a ambientação e a história em algo mágico. Além de tentar entender a forma como esses personagem enxergam o mundo, somos conduzidos pelas ruas de Nova York com boas descrições em uma atmosfera antiga, que torna o cenário do livro muito bonito.
As culturas trabalhadas também são muito interessantes. É possível como cada comunidade defende seus código e princípios e do quanto a ordem é algo importante. Construir uma nova vida nesse país estranho a eles é algo que se fez necessário pelos desafios da vida. Alguns vieram com toda família e outros deixaram para trás pessoas que amam e ainda precisam cuidar, enviando dinheiro. Preservar o bom convívio dentro dessas comunidades é algo importante para eles e se mostra através de seus atos durante a história.
Golem e o Gênio certamente é um livro que me marcou pela forma bela como a autora conduz a trama. É uma escrita bonita e encantadora, que vária entre a simplicidade das palavras à rebusques do texto, proporcionando uma experiência única. Porém em relação a história fiquei em conflito com várias coisas e por isso não se tornou para mim um livro 5 estrelas.
Não concordo com várias coisas do final. Acho que o destino dado a alguns personagens parece estar ali somente para chocar, não tendo verdadeiramente um propósito. Me parece que se tivéssemos seguido por um outro caminho ainda chegaríamos ao mesmo lugar. Há também uma decisão importante para um personagem no fim, mas ela é completamente influenciada por algo ou não acontecer e soa ir completamente contra a natureza do mesmo. Enquanto questionava isso, pensei que talvez isso fosse algo que a autora quisesse que prestássemos atenção. De que não é necessário seguir sempre o “instinto”, que é possível surpreender, vencer sua própria natureza. Mesmo assim, tendo acabado o livro em conflito, não alcancei a plenitude que o restante da leitura me deu.
A edição da Darkside está muito bonita e é um livro que certamente vale a pena ter na estante. Apesar da demora com a leitura, consegui aproveitar bem a história e compreender o porque tanta gente o enalteceu. Mesmo não sendo um favorito, recomendo a leitura, principalmente pra quem gosta de uma escrita mais bem trabalhada e rica. Porém, tenha em mente que pode ser uma leitura demorada e dê o tempo necessário para que a experiência seja proveitosa e não cause decepção. Esse é um livro para ser degustado.
Acho que deve agradar tanto aos ávidos fãs de fantasia, quanto aqueles que ainda estão começando no gênero. Golem e o Gênio traz elementos que já são nossos velhos conhecidos, em um mundo que é real. A história se passa a mais de 100 anos atrás, mas mesmo assim tem a familiaridade dos elementos da contemporaneidade, o que deve facilitar a leitura pra quem não curte se aventurar em mundos diferentes.
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