Marcos 24/04/2015Enredo
Hak Nam é o que se pode considerar como "favela de pedra", um grande amontoado de prédios e casas em estado de abandono que são habitadas por famílias muito pobres que convivem todos os dias lado a lado com o crime. É nesse ambiente que Jin Ling vive atualmente. Sua vida foi modificada há dois anos quando os Ceifadores, espécie de crime organizado do local, levaram a sua irmã três anos mais velha, Mei Yee para a Cidade Murada. Desde então, Jin, que teve seus pais mortos, percorre os corredores da região em busca de notícias dela. Para se tornar cada vez mais invisível, ela se veste e age como um garoto e começa a se infiltrar no esquema de tráfico de drogas do local. É quando conhecerá Dai em mais um dos serviços prestados ao traficante local.
Enquanto para Jin a Cidade Murada é um local onde pretende estar apenas de passagem, para Dai aquele lugar faz parte de sua história. Algo ocorreu em seu passado que o assombra até os dias de hoje, toda vez que dorme. Ele então resolve se envolver com o crime organizado do local almejando conseguir muito dinheiro e a sua tão sonhada liberdade para viver fora de todo aquele inferno. Quando conhece Jin ele passa a ver nela uma companhia que jamais imaginou ter. Ambos tentarão achar Mei Yee, custe o que custar. Porém, ao longo dessa jornada eles flertaram diversas vezes com o perigo que a máfia da Cidade Murada traz.
Personagens
Os três protagonistas da história são adolescentes que foram rapidamente amadurecidos pelo grande teor dramático que suas vidas contém e por acontecimentos de seus passados.
Dai é um jovem destemido, com sede de mudança, que busca o tempo todo uma forma de apagar o seu passado e de sair da Cidade Murada. Ele conhece cada centímetro das ruas e becos do local. Desde que começou a se envolver com o crime, ele já teve de matar e roubar diversas vezes, para conseguir sobreviver. Por isso, ele tem várias cicatrizes de combate em seu corpo. Por mais que faça o papel de durão, Dai demonstra, sem seu interior, ser um garoto que tem muitos sentimentos e que quer vivê-los intensamente.
Jin Ling é uma jovem que teve a sua vida completamente modificada quando os Ceifadores invadiram a sua casa, mataram seus pais e levaram a sua irmã para servir como prostituta em um bordel na Cidade Murada. Ela parte em busca de vingança e de rever a sua irmã, sua única família no mundo, com vida.
Mey Yee acabou se tornando a prostituta mais desejada do bordel em que trabalha. Por ser muito bonita, apenas clientes de luxo a visitam, como grandes generais do exército e traficantes de alto escalão. Mas o que o seu belo rosto esconde é sua tristeza em estar afastada de sua irmã e vivendo uma vida miserável, sendo usada e abusada por seu cafetão. Até que um dia ela começa a receber visitas de um garoto misterioso em sua janela e passa a voltar a acreditar no amor verdadeiro.
Narrativa
O livro é narrado em primeira pessoa sob os pontos de vista dos três protagonistas. Esta narrativa foi muito feliz uma vez que pode explanar todos os nichos da história ao mesmo tempo, com riqueza de detalhes, não se limitando a apenas um ponto dela. A autora foca nos diálogos e nos pensamentos dos personagens, o que dá um bom panorama da história. Os capítulos são divididos em uma contagem regressiva de 18 dias até um acontecimento que ocorre no final do livro.
Gostei da forma como a autora construiu os personagens e a história. Por mais que haja momentos que tendam para o clichê ao longo de toda a narrativa, o que é comum em livros do gênero, o texto segue uma linearidade até o final. Não há grandes reviravoltas ou muitos momentos de clímax durante a história.
Ficção e Realidade
A Cidade Murada é uma distopia do mundo real. Mesmo tendo elementos distópicos básicos, como uma organização totalitária e jovens assassinos em fuga em um território monitorado, toda a história passa longe de ser uma ficção científica e foca nos elementos da realidade que existem em seu conteúdo. O tráfico de drogas, a exploração sexual de menores, a pobreza extrema e a incitação de crianças e adolescentes para o mundo do crime são temáticas atuais recorrentes em muitos países populosos em que há pobreza extrema.
Para esse livro, a autora tomou como base a extinta cidade murada de Kowloon que existiu durante décadas na China e foi considerada a maior favela vertical do mundo. O ambiente é o mesmo que o narrado no livro, porém as histórias dos personagens foram inventadas.
Misturar elementos de ficção e realidade, ou tomar um elemento real como premissa para uma história, não é algo novo na literatura. Porém, poucos são os livros que se arriscam por esse caminho e em A Cidade Murada percebe-se que a autora teve coragem para tal.
Considerações
Já tinha lido um livro semelhante a esse no passado, Em Busca de Um Final Feliz de Katherine Boo, que foi uma leitura excelente. A única diferença é que nele a autora, além do cenário, uma favela de Mumbai, também usou de personagens da vida real com histórias ficcionais criadas para eles. Desde então, eu adorei livros que misturassem elementos de ficção e de realidade e tive em A Cidade Murada um prato cheio para degustar. Recomendo que quando for ler o livro não crie altas expectativas nem espere uma história similar às distopias juvenis atuais. Pelo contrário, este livro é mais reflexivo e focado no drama, sem grandes picos de ação ou de grandes surpresas no enredo.
site:
http://www.psychobooks.com.br/2015/04/resenha-a-cidade-murada.html