Natália Tomazeli 28/05/2020Um outro modo de ver o "Além""Nas histórias da China que havia lido, as relações entre humanos e espíritos eram sempre terrivelmente mal resolvidas. A ninfa do crisântemo era podada, a princesa abelha retornava à colmeia, e mesmo a felicidade do vaqueiro com sua noiva celestial durava pouco.Não eram casais feitos para durar: os assim chamados romances eram todos tragédias."
Apesar do título e da capa com esse ar sombrio e meio tenebroso, na verdade essa leitura se trata de uma fantasia. Espíritos, demônios, seres encantados e universos paralelos, digamos assim, são os elementos fantásticos chave da história de Yangsze Choo.
Eu não sabia muito bem pra onde esse livro queria me levar quando comecei a leitura. Inclusive achei o início super lento e parado, bem ok. Só depois da metade que a história começou a me prender e chegando no final, não consegui parar de ler de jeito nenhum! Vão acontecendo uns babados que eu nem esperava acontecer e a história ganha uma trama de intrigas muito instigante. Li esse livro em uma leitura coletiva e terminei ele muito antes do cronograma de leitura estabelecido, o que me surpreendeu porque no início eu estava custando a seguir esse cronograma.
Acho que a melhor parte da história fica com certeza com a questão cultural do livro. Para quem já assistiu "Viva, a vida é uma festa" vai notar certas semelhanças no modo pelo qual o povo da Malaia/Malásia vê a morte e o pós-vida. Lá há um culto aos antepassados e uma importância bem maior com eles. Isso contrasta demais com a nossa cultura do ocidente, onde a morte meio que é o fim de tudo e a gente só lembra de quem já morreu no dia dos finados. Na cultura do livro, os mortos são lembrados quase que diariamente pelos vivos e inclusive continuam levando uma vida (não necessariamente de descanso, como a gente idealiza na nossa cultura) normal, muitas vezes agitada e com aspectos muitos semelhantes pelos quais levavam quando vivos. Acho que só por isso já vale a pena a leitura desse livro, porque acaba questionando nossa cultura (que eu acho desleixada e simplista) para com os falecidos e para com a morte em si.
Sobre a escrita, a autora acerta em cheio na descrição dos cenários e dos personagens pois consegue passar para o leitor a singularidade daquele ambiente, o que para quem não está familiarizado, pode ser um desafio. Não vou dizer que eu sou uma total leiga, afinal sou muito apaixonada pela cultura japonesa e alguns aspectos já tinha mais ou menos visto antes nas coisas que eu consumo dessa cultura, mas para quem realmente nunca teve o contato com nada igual, não precisa se preocupar porque a autora soube muito bem como transmitir isso na história. Inclusive acho que o tanto que eu gostei da história está ligado com o fato de eu já ter uma tendência a curtir demais as coisas das culturas asiáticas (o que não quer dizer que quem não curta não vá gostar do livro, mas para mim, foi um fator a ser levado em conta).
Não sei se foi o que eu mais gostei na história, mas foi uma parte que eu quero comentar aqui: o final.
Comecei o livro pensando "nossa, como que vai terminar essa história?" e no fim, ela acabou de um jeito que eu adorei. É realista e esperançoso, ao mesmo tempo que não foge da linha inicial de raciocínio. Coerente e satisfatório, ao mesmo tempo que imperfeito e confortável. A vibe foi muito parecida com os finais dos filmes do "Studio Ghibli" do qual eu amo de todo o coração! Fiquei bem satisfeita!
"Eu havia conhecido um mundo escondido que, por mais que fosse aterrador, também era fonte de puro encanto. Deitada em minha cama, recordava dos espíritos de luz desabrochando na escuridão, como rios e quietos fogos de artifício; das criaturas místicas que se reuniam pelas ruas de Malaca e que ainda agora estariam tratando, toda noite, de seus próprios negócios incomuns. E pensava em um rosto infinitamente belo, que eu vira uma vez ao luar."