GioMAS 14/05/2023
Ficção enriquecida com elementos históricos reais
"Essa poderia ser a verdade."
É desta forma que o livro introduz sua narrativa, convidando o leitor a ingressar em uma estória fictícia que perpassa por uma possessão demoníaca para questionar aspectos cristãos bíblicos controversos sobre a influência do mal.
"Essa poderia ser a verdade", mas não é, tampouco o livro pretende que seja visto desta forma, não há neste frase de impacto nenhuma arrogância, mas apenas a intenção de instigar o leitor. Engana-se quem pensa o contrário.
Em linhas muito bem escritas e valendo-se de uma estrutura coesa e coerente, o livro desenvolve duas estórias paralelas que se encontram em um desfecho harmônico.
De um lado, temos a estória de uma psiquiatra convocada a tratar um senhor portador de deficiência que, após um incêndio no convento em que residia, começa a manifestar sinais de possessão demoníaca. A constatação de que há uma força maligna agindo sobre o pobre Daniel não pode ser considerada spoiler, até porque o título, por si só, já é bem sugestivo.
Por outro lado, temos a estória de um padre jesuíta que se vê envolto em uma série de acontecimentos paranormais inexplicáveis.
A introdução a ambas as jornadas não é superficial. Pelo contrário, antes de adentrar no ápice do enredo, o livro traz vários elementos complementares que asseguram o aprofundamento da obra e a construção das personagens.
Aspectos bíblicos reais, assim como elementos estruturais da igreja católica, acrescentam positivamente a narrativa, cativando o leitir e estimulando sua curiosidade.
É admirável como o livro consegue tratar de dogmas cristãos e, ao mesmo tempo, discorrer sobre os acontecimentos que motivam Daniel, Audrey, Joseph, Albert e mais uma série de personagens, todos muito bem construídos, por mais breve que tenha sido sua participação, como os demais sacerdotes, as madres, Eugene, pai e filho que trabalham no edifício Vendange, Leo, Zach, professor Michael, o terrível Maxwell (que mais parece ter saído de um dos livros de Stephen King) etc.
As personagens principais, em especial, são um copo cheio para o gênero terror, repletas de contradições e com considerável carga emocional.
Como mencionei nos "históricos de leitura", o livro trabalha com o medo de uma forma sóbria. O temor e a angústia advém das experiências e crenças humana, não dos acontecimentos propriamente ditos. Nem por isso deixa de ser uma obra clássica de terror.
Atente-se para as conexões, todas muito bem trabalhadas, e a leitura será extremamente satisfatória.
Não poderia deixar de reforçar o quão instigantes são os questionamentos sobre os últimos momentos de Jesus e o papel de Judas Iscariotes.
Para aqueles que procuram por sustos e cenas de medo intenso, de fato, o livro parecerá superficial. Porém, superficial é está constatação, já que para o fã da literatura de terror, o medo se esconde nas relações humanas, na dualidade, sendo o sobrenatural apenas a ferramenta para se alcançar as profundezas dos nossos próprios temores - tão humanos temores.