João Pedro 11/02/2024
O desagradável e necessário contato com o outro
"Tal é, de fato, a verdadeira causa de todas essas diferenças: o selvagem vive nele mesmo, enquanto o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver na opinião dos outros, e é somente do julgamento deles, por assim dizer, que obtém o sentimento de sua própria existência."
Com uma escrita singular, em 1755 Rousseau nos convida (após ser convidado pela Academia de Dijon) a refletir sobre a origem da desigualdade e se ela é autorizada pela "lei natural". Em tal empreitada, o autor discute sobre a vida do homem selvagem anterior à noção de propriedade, e com uma escrita que produz uma experiência semelhante à assistir ao Discovery Channel, argumenta que é no momento da instituição da propriedade e o consequente contato permanente com o outro que as desigualdades físicas se tornam desigualdades diversas.
Mas as desigualdades diversas, ao menos nos primeiros momentos, não era de ordem necessária, mas sim contigente. Entretanto, com o contato com o outro, ocorre um intenso progresso dos vícios: notamos que a estima do outro é agradável, e a nossa vaidade solicita isso. Notamos que os frutos do trabalho são maiores se não o dividimos com o outro. Notamos que por vezes a felicidade do rico é intrinsicamente dependente da infelicidade do pobre. Rousseau vai propor, de forma bastante ilustrativa e com uma linguagem impar, embora os exemplos pudessem ser mais aprofundados, que o progresso da civilização leva à degradação da moral - a mesma moral que foi criada devido à própria 'sociedade inicial'. Disso se segue alguns esboços sobre sua próxima obra, focada na relação entre o governo e as pessoas a partir do contrato social. Nesse esboço, discute sobre o estabelecimento e o abuso das sociedades políticas, e sopesa os benefícios e os malefícios de um governo, sugerindo que, apesar da corrupção, é melhor que ele exista para que evite o abuso de poder.
Rousseau, um homem que se manifesta bastante religioso e que inclui nesta obra afirmações sobre a verdade factual do dilúvio, estabelece como parâmetro moral a moral Cristã, algo que fica mais evidente na sua dedicatória à república de Genebra. Entretanto, como ele mesmo afirma, a discussão filosófica a qual se propõe é independente dos dogmas religiosos.
"[...] essas comodidades perderam com o hábito quase todo o seu deleite e ao mesmo tempo se degeneraram em verdadeiras necessidades, de modo que sua privação tornou-se mais cruel do que era doce a posse, e as pessoas sentiam-se infelizes de perdê-las sem estarem felizes de possuí-las."