Pandora 27/07/2019Que leitura triste!!!
Mas vem de encontro a tudo o que eu acho sobre guerras: uma estupidez tremenda!
Não há por que glorificar uma guerra, romantizá-la - como se faz tanto com a 2ª! -, justificá-la seja lá como for. A guerra é um reflexo da barbárie humana.
O austro-húngaro Andreas Latzko foi para a guerra. Em 1915, após um ataque da artilharia italiana perto da cidade de Gorizia (Itália), entrou em choque. O ataque não veio na hora, quando viu dois bois e três pessoas serem despedaçadas por uma bomba. Veio dois dias depois, quando lhe serviram um pedaço de carne sangrando e ele começou a gritar, vomitou e teve convulsões. “Durante seis meses, todo o seu corpo tremia e ele recusava qualquer comida: foi preciso alimentá-lo pelo intestino”.* Seus livros foram proibidos em todos os países envolvidos na 1ª Grande Guerra, o que não impediu que fossem contrabandeados e passados de mão em mão.
Nem tenho como resenhar esta narrativa: ela fala por si só. Latzko escreve com conhecimento de causa e seu grito fica ribombando em nossos ouvidos por muito tempo.
“Com certeza chegará o tempo em que todos pensarão como eu.”
São seis histórias baseadas nas experiências de Latzko ou que chegaram ao seu conhecimento. O autor se concentra no indivíduo para nos mostrar como cada vida é preciosa e desperdiçada numa guerra.
“Um homem numa boa montaria, bem descansado, rosado, limpo, parecendo recém-saído de uma caixinha, topa com duzentas vítimas destinadas à morte: suadas, sem fôlego, no limite do perigo. Ele sabe que, em uma hora, mais ou menos, alguns rostos que ainda se voltam, curiosos, em sua direção, estarão deitados na grama desfigurados pelo sofrimento ou rígidos pela morte. E diz, sorrindo: “Ah, meus parabéns!”
“Ele queria berrar; levantar num salto, sair correndo e perguntar aos gritos para a humanidade por que tinha de ficar ali até se tornar uma carcaça podre ou enlouquecer. Ele não conseguia entender como tinha sido levado até ali; não via sentido, não via objetivo, somente esse buraco na terra, os cadáveres se decompondo do lado de fora e - logo ao lado - um passo ao lado dessa insanidade, sua Viena, assim como ele a deixara havia dois dias, com bondes, vitrines, pessoas que se cumprimentavam e salas de teatro.”
“- Eu gostaria de mostrar essa movimentação aos pacifistas, que sempre agem como se a guerra não fosse nada além de uma carnificina nojenta. A senhora devia ter visto esse lugar nos tempos de paz. De dar sono! O mascate da esquina hoje ganha mais dinheiro do que o grande comerciante ganhava antes. E a senhora já deu uma olhada nos jovens que vêm do front? Bronzeados de sol, saudáveis e felizes! A maioria ficava metida numa chancelaria qualquer em tempos de paz; flácidos, branquelos, entediados. Acredite, o mundo nunca esteve tão saudável quanto agora.”
“- Ao front!
Sou realmente eu o doente, porque não consigo expressar ou escrever essa palavra sem que o ódio mais visceral engrosse minha língua? Não são os outros os loucos que, com uma mistura de fervor religioso, nostalgia romântica e simpatia envergonhada, encaram como que hipnotizados essa máquina de produzir aleijados e cadáveres? Não seria mais inteligente também checar o estado mental dessa gente?
*Trecho do diário do escritor francês Romain Rolland, inserido ao fim do livro.
Nota: O prefácio é do maravilhoso escritor austríaco Stefan Zweig, que eu recomendo muito! Ele viveu alguns anos em Petrópolis/RJ e sua casa hoje é um museu em sua homenagem.