Na Nossa Estante 14/05/2017
Twin Peaks
Enquanto a introdução de Go, do Moby, começa a tocar (que é exatamente um sampler da magnífica e eterna trilha composta por Angelo Badalamenti e pelo próprio David Lynch), fico pensando no quão afortunado fui em ter sido o escolhido a escrever sobre Twin Peaks - Arquivos e Memórias, do Brad Dukes - mais um lançamento absolutamente perfeito da Darkside. Mas antes de nos enveredarmos pelo livro, falemos de Twin Peaks.
O ano era 1990. Em abril passado a exibição do episódio piloto (aquele que começa com um pescador de uma pequena cidade montanhosa dos Estados Unidos achando o corpo de uma jovem enrolado em saco plástico e descobrindo, dolorosamente, que é a bela e inocente Laura Palmer) completou exatos 27 anos. 27 anos de encantamento, medo e muito devaneio. A porta que Lynch e Mark Frost nos abrem ao nos presentearem com o passaporte para Twin Peaks é, e sempre será, sem igual. Pelo menos no que diz respeito à primeira aclamada temporada e seus oito episódios - incluindo o piloto. Uma segunda temporada foi realizada, 22 episódios e diferentes diretores, mas não alcançou o mesmo sucesso da primeira.
Quando deu vida ao projeto Twin Peaks, que no início era chamado de Northwest Passage, David Lynch havia estreado, em 1977 na direção do excelente Eraserhead, e continuou com produções no mínimo impressionantes como Veludo Azul (1986) e Wild at Heart (1990). Seria ainda altamente elogiado, e talvez odiado por alguns, com Cidade dos Sonhos (2001). O universo administrado por Lynch é cheio de weirdos, e eles assustam; mas também amam e odeiam, sentem-se felizes e sofrem, como eu ou você. Já Mark Frost trouxe a Twin Peaks o lado mais comercial e um pouco mais de ação, dentro da medida exata esperada para uma produção como Twin Peaks. Até 1987 ele escreveu o roteiro da série para TV Chumbo Grosso (Hill Street Blues) e ficaria mais conhecido anos depois com seu trabalho para o Quarteto Fantástico. Muitas e muitas dessas informações você encontrará no livro de Brad Dukes.
Desde o prólogo com Dukes descrevendo como aos nove anos de idade entrou uma noite na cozinha e se deparou com sua mãe grudada à TV e, automaticamente, ficou fascinado pelo que viu; até a última página das 317 dessa impecável arca de raro tesouro, a viagem proporcionada é absolutamente deliciosa - como a cherry pie favorita do agente Dale Cooper. Todos os capítulos são construídos à base de depoimentos, muitas imagens (raras e pessoais) e revelações de todos os envolvidos em Twin Peaks: atores, diretores, produtores, equipe em geral. E isso faz com que o mergulho nas turvas águas dessa cidade americana fictícia fique ainda mais pessoal e completo.
Se nem tudo são flores, esse trabalho de Brad Dukes nos deixa a certeza de que Twin Peaks foi feita com muita dedicação e bastante trabalho árduo. E que a série estaria, sem sombras de dúvidas, fadada a entrar para os anais da televisão americana. Nenhuma outra história havia trazido até então a pungência e a dolorosa realidade de personagens tão díspares e ao mesmo tempo tão congruentes quantos o dessa trama. Espero viver ainda muitos anos, e uma certeza eu tenho: me arrepiarei todas as vezes em que ouvir a trilha de Twin Peaks. All hail Badalamenti!
site: http://www.oquetemnanossaestante.com.br/2017/05/twin-peaks-resenha-literaria.html