Canoff 01/12/2023
Cova 312 | Daniela Arbex - Um livro-reportagem sobre a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).
Daniela Arbex, ao deparar-se com uma manchete que anunciava a aprovação do processo indenizatório do governo de Minas Gerais destinado às vítimas da ditadura militar (1964-1985), teve seu interesse aguçado pela história e percebeu que ainda não havia contribuído com reportagens sobre o assunto. Era o início de uma investigação que Arbex imaginava ser tranquila devido à quantidade de informações, mas revelou-se uma busca exaustiva, repleta de dados desconhecidos pela mídia e por todos os órgãos governamentais.
O livro reúne as histórias de dezenas de prisioneiros e suas experiências desde que decidiram rebelar-se contra o sistema vigente na época. Simultaneamente aos relatos, Arbex depara-se com um mistério que perdurou por décadas: o paradeiro do corpo de Milton Soares de Castro, um guerrilheiro do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), morto no presídio de Linhares após supostamente ter se suicidado dentro de sua cela, após passar por horas de interrogatório. A família de Milton não aceitava a versão oficial e acusava os militares de assassinato. Enquanto a história de Milton é contada, a autora aborda a história de outros revolucionários e interliga as narrativas de uma forma que apenas ela consegue fazer. Os livros de Arbex são marcados por investigações intermináveis, reunião de dezenas de vítimas e testemunhas. Nos primeiros capítulos, ela aparenta se perder devido ao contexto gigantesco que atribui aos seus livros, mas, no fim, as histórias se encaixam, e você nota que ela tem total controle da narrativa e dirige suas histórias como ninguém.
Assumo que meu conhecimento sobre a ditadura instaurada no Brasil seja extremamente raso, mas ao longo deste livro, notei algumas coisas que não poderiam ficar de fora desta resenha. Como mencionado anteriormente, a autora conta a história desses guerrilheiros de forma muito harmônica. Ela insiste em começar a narrativa desde a admissão desses rebeldes em seus respectivos grupos de guerrilha, e junto a isso, notamos que a maioria desses guerrilheiros não buscava apenas acabar com a perseguição, mas também instaurar suas ideologias no país. Arbex contextualiza e fala sobre a premissa ideológica de alguns grupos, e através disso, percebemos que a maioria aproveitou o período de perseguição para cometer barbáries em nome da oposição. A esmagadora maioria dos guerrilheiros disseminava o terror e cometia atos criminosos para atingir seus objetivos, atos que eram completamente desnecessários e coincidiam com o rótulo de “terroristas” atribuído a eles pelo governo militarizado.
Devo também dizer que não concordo com as torturas, nem com a maioria dos atos tomados pelos militares para punir os guerrilheiros, mas devemos abordar esse problema com a maior imparcialidade possível, pois, se tivessem sido brandos, o Brasil teria sido dominado por ideologias comunistas. Claro que havia pessoas não ligadas à política que foram subjugadas erroneamente, mas a maioria dos rebeldes deveriam ter sido presos e mantidos em cárcere, já que eram criminosos. A menção a figuras criminosas é bastante presente quando Daniela Arbex discorre sobre a espinha dorsal dos grupos de guerrilha e seus guerrilheiros. Os rebeldes chegam a reverenciar Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e outras personalidades.
Sobre o livro, não tenho do que reclamar. Arbex realiza seu trabalho jornalístico com maestria, reunindo fontes, perseguindo pistas e testemunhas, contextualizando e apresentando os personagens de forma cirúrgica. Não darei nota máxima a este livro devido à pauta ser menos interessante do que em outros trabalhos dela. Eu não imaginava que a narrativa adentraria tão profundamente nos porões do país. Inicialmente, esperava uma investigação sobre o paradeiro de um corpo, mas encontrei um livro-reportagem que contribui muito para a compreensão da história por trás da ditadura que alterou os rumos do Brasil.