jota 23/07/2021BOM: autora discorre sobre seu passado, o ofício de escritora e as relações humanas; narrativa memorialística me pareceu um pouco mais interessante do que a ensaísticaLido entre 17 e 21/07/2021. Avaliação da leitura: 3,8/5,0
A temática da obra de Natalia Ginzburg (1916-1991), italiana de ascendência judia, parece residir fortemente nas relações humanas, especialmente as familiares. Alguns relatos de As Pequenas Virtudes apresentam certa poesia e melancolia; por vezes são tristes, mas mesmo assim encerram certa beleza. Ou então são curiosos, como quando ela discorre sobre um país muito diferente da Itália, a Inglaterra, onde viveu durante algum tempo com o segundo marido e os filhos.
No conjunto, o volume é composto por uma mescla de seis narrativas autobiográficas, como ocorre com os primeiros textos, e cinco ensaios, encontrados na segunda parte do livro. Todos foram escritos entre 1944 e 1962 e publicados primeiramente em revistas e jornais italianos. O último deles, um dos mais longos, é o que dá título ao livro. Na primeira parte encontramos:
Inverno em Abruzzo (1944): relato da temporada de cerca de três anos que passou num vilarejo dessa região, com o marido e os filhos, confinados que foram durante a guerra, em que a Itália fascista se aliou à Alemanha e Japão. Ginzburg diz que, mesmo assim, o tempo passado ali foi o melhor de sua vida. Porque depois, em Roma, seu marido, o professor e tradutor Leone Ginzburg, seria morto numa prisão (1944).
Os sapatos rotos (1945): lembranças do tempo em que Roma esteve ocupada pelos alemães, quando havia escassez de tudo e Natalia tinha apenas um par de sapatos. Eles tinham de durar uma eternidade então, mas isso não a incomodava, usava-os mesmo quando rotos, uma atitude que passava não apenas por seus pés, também pela cabeça.
Retrato de um amigo (1957): nesse texto Ginzburg não menciona o nome de seu querido amigo nenhuma vez, mas sabemos que se trata do escritor e poeta Cesare Pavese (1908-1950), identificado pelo tradutor nas notas de rodapé com trechos de Trabalhar Cansa, aqui editado pela Cosac Naify em 2009. Ele foi seu colega de trabalho numa editora, juntamente com Italo Calvino.
Elogio e lamento da Inglaterra (1961): é sobre a beleza e a melancolia que Londres proporcionava à autora no tempo em que morou na Inglaterra, nos anos 1960. Faz o elogio da civilização inglesa, de seu povo, mas também justifica seu ponto de vista de que o país seria o mais melancólico do mundo, com seus “lindos cemitérios, simples pedras inscritas, espalhadas aos pés das catedrais.” É verdade, visitei alguns.
La Maison Volpé (1960): começa com o relato sobre um estabelecimento londrino com nome francês, que podia ser um restaurante ou um café, mas onde ela nunca entrou. Prossegue com críticas à insípida cozinha inglesa e hábitos alimentares dos cidadãos do país. Entende-se Ginzburg: França e Itália têm comida e pratos famosos, ingleses têm como prato principal “fish and chips” (isso é por minha conta).
Ele e eu (1962): traz revelações bastante pessoais envolvendo a relação da autora com seu segundo marido, Gabriele Baldini, as preferências de cada um, quase sempre divergentes, mas o cinema como uma paixão comum. De quebra, uma história curiosa sobre um filme antigo, melhor, sobre uma atriz desse filme, razão principal para a ida a um cinema difícil de encontrar.
Na segunda parte temos:
O filho do homem (1946): diferentemente da primeira parte, na segunda os textos trazem mais reflexões da autora sobre alguns temas (família, profissão, filhos, educação deles) do que propriamente relatos sobre seu passado, memórias. Nesse caso, ela se identifica plenamente com a geração italiana que despontou com o fim da opressão fascista e da guerra.
O meu ofício (1949): texto ainda mais pessoal que o anterior, um mergulho naquilo que sabia fazer melhor, escrever, seu ofício. Diz que quando escrevia pensava que aquilo que fazia era importante, que era uma grande escritora, mas no fundo de sua alma sabia muito bem o que era, uma “pequena escritora”. Explica com detalhes como chegou até ali e porque pensava assim, mas sabemos que ela se tornou uma das grandes autoras italianas.
Silêncio (1951): ensaio sobre o tema da incomunicabilidade e solidão, manifestações do silêncio. Ele pode se dar de dois modos: o silêncio conosco mesmos ou então com os outros. E é sempre perigoso: “deve ser contemplado e julgado no âmbito da moral. Porque o silêncio, assim como a acídia e a luxúria, é um pecado.”, afirma depois. (Acídia significa prostração, abatimento, apatia; desconhecia essa palavra: lendo e aprendendo)
As relações humanas (1953): texto longo sobre o relacionamento que as pessoas mantêm com seus familiares e amigos e como essas relações podem mudar ao longo da vida. Ser adulto é completamente diverso daquilo que se pensa sobre essa fase da vida quando se é jovem, causa surpresa, ela diz. E prossegue: “Agora somos tão adultos que nossos filhos adolescentes já começam a nos olhar com olhos de pedra; e sofremos com isso, mesmo sabendo o que é esse olhar; mesmo recordando bem que tivemos um olhar idêntico.” Pois é...
As pequenas virtudes (1960): texto longo, trata das virtudes que afetam a educação dos filhos. Escreve: “penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de sucesso, mas o desejo de ser e de saber.” Ela teve três filhos e um deles se tornou o respeitado professor e historiador Carlo Ginzburg.