spoiler visualizarClara1850 21/05/2023
A menina sem estrelas: Nelson, a vida, a morte e a ressaca
Quando me pus a ler, já estava eu vítima de uma baita ressaca literária. Foi o primeiro livro que li no mês. Minto, na verdade, foi o segundo. Li com preguiça, dessas preguiças que nos obrigam a fazer as coisas mediocremente, então não aproveitei do livro como gostaria, pulando inúmeras crônicas e desejando que ele simplesmente acabasse, tolice que, vez ou outra, era corrigida, mas voltava a acontecer.
Deve estar se perguntando o porquê (junto, com acento) eu simplesmente não parei de ler e parti para outro. Comecei a pensar em fazer isso quando já estava na metade do livro; leitores que param de ler a obra pela metade são abominações, no sentido estrito da palavra, principalmente quando se trata de um clássico. Fiz isso uma única vez, com o maldito Macunaíma, mas esse foi um caso a parte, era simplesmente intolerável.
Além do mais, não me arrependo de tê-lo terminado. É de uma beleza magistral! Primeiro, porque se trata de uma crônica, e esse gênero textual, por si só, tem um lugar guardadinho em meu coração. Segundo, Nelson Rodrigues teve uma vida penosa, com perdas irreparáveis e constantes batalhas contra a fome. Confesso que me senti bárbara, cruelmente bárbara, por não chorar lendo suas crônicas; pior, por desejar simplesmente que acabassem logo.
Não sei o porquê deste fenômeno, na verdade. Chuto que minha insensibilidade tem alguma ligação íntima com as redes sociais. A culpa é sempre delas. Mas, apesar disso, obtive momentos de comiseração pela vida de Nelson Rodrigues (chamemos pelo segundo nome, também, pois escrever apenas Nelson me soa de uma informalidade quase desrespeitosa), principalmente quando a morte de seus familiares e a falta de visão de sua filha eram narrados. Não sei como poderia viver com essas perdas.
E por falar de viver, Nelson defendia ferrenhamente que todos tínhamos um desejo pela morte. Nostalgia, como ele diz. E acredito que tenha razão. Independente de como seja nossa vida, desde a mais desoladora miséria e mais jubilosa abastança, em dado momento, iremos pensar na morte como um desejo, ora distante, ora perigosamente próximo. Felizmente, somos capazes de driblar essa aspiração, isto é, a atração que existe entre nós e um cemitério não é forte o bastante para vencer nossa razão em uma batalha mano a mano. Isto é, na maioria das vezes.
Sinto muito pela filha dele, muito.
Dou-lhe um 10/10 bem merecido.