Raquel 31/12/2023Terra das Mulheres, de Charlotte Perkins GilmanQuando um trio de exploradores, três homens solteiros e abastados do começo do século XX, ouvem falar de um país lendário, escondido entre montanhas, a aventura os chama. Eles partem em direção ao país do qual ninguém jamais voltou vivo e buscam investigar a principal lenda sobre o local: a de que seria habitado exclusivamente por mulheres. Todos eles esperam que o país de mulheres seja uma mentira, basicamente porque não acreditam que mulheres tenham a capacidade de colaborar entre si e de estruturar uma sociedade organizada e evoluída.
As mulheres da Terra das Mulheres, no entanto, são o oposto daquelas que eles conheciam (ou dos estereótipos que carregam consigo): são inteligentes, fortes e corajosas e se desenvolveram ao ponto de gerarem filhas de forma espontânea. Elas nascem e vivem para ser mães, embora o seu conceito de mãe seja único: não há um sentimento de posse sobre as filhas. As crianças são o centro do país e são educadas pelas mulheres de forma coletiva, por meio de um sistema avançado de ensino.
Por ser um livro do início do século XX, a premissa do texto me pareceu bastante ousada, mas alguns pontos me incomodaram:
- De tanto exercerem atividades que comumente são associadas aos homens, as mulheres adquirem corpos masculinos e até suas vestimentas são feitas levando-se em conta apenas sua funcionalidade (o narrador reitera que as suas anfitriãs são pouco atraentes e não se assemelham a mulheres de verdade). Provavelmente a ideia da autora foi ressaltar a construção social dos papéis de gênero. No entanto, me pareceu contraproducente sugerir que as mulheres precisam se tornar (quase) homens para realizar aquelas atividades.
- Achei um tanto contraditório também que as mulheres se diminuam ao compararem a sua sociedade com a dos homens e queiram retomar a experiência dos dois gêneros. Para quê? O que lhes falta em seu país, se ali formaram uma comunidade perfeita e não dependem de homens nem mesmo para gerar suas filhas, se eles não lhes interessam romântica ou sexualmente?
- A centralidade da maternidade em suas vidas é outro aspecto que não combina com o estágio de desenvolvimento, intelectualidade e autonomia que as mulheres daquela terra alcançaram, mesmo que vejam essa função mais como um dever coletivo do que como um propósito individual.
- Há ainda certa ojeriza ao sexo, como se esse ato causasse os problemas do mundo. O segredo da perfeição daquela terra isolada se encontra justamente na castidade. As mulheres dali não precisam dos homens, só conhecem a relação homem-mulher de seus registros históricos e não se sentem atraídas umas pelas outras — e isso as diferencia das mulheres dos demais povos. Elas se amam como irmãs e mães; não existe nada além dessa ordem estabelecida.
Por outro lado, o livro nos traz reflexões que são válidas mesmo na atualidade: a crítica à sociedade centrada no sexo masculino, a confiança na capacidade das mulheres quando não subjugadas pelos homens, a impossibilidade da coexistência de privilégios e igualdade. O próprio narrador-protagonista reflete a respeito deste último ponto ao se sentir dividido entre voltar para sua terra natal, onde é superior, ou viver na Terra das Mulheres, onde não tem mais valor do que ninguém, mas pode experimentar uma sociedade altamente desenvolvida e igualitária.
Achei interessante, mas a forma de narrar a história foi bem cansativa para mim e acabei demorando mais do que esperava para terminar. Não sei se leria novamente.