spoiler visualizarKelson.Costa 15/04/2019
Uma obra BRILHANTE!
Quando um amigo me enviou as fotos com a capa e a descrição do livro A ANATOMIA DA VIOLÊNCIA: AS RAÍZES BIOLÓGICAS DA CRIMINALIDADE, de imediato, comecei a consultar informações acerca da obra e do autor. Há alguns anos que leio e pesquiso sobre violência humana, e esse livro prometia ser um complemento fundamental para tudo aquilo que eu já vinha estudando. Ao longo das eras, nenhum aspecto da vida humana ficou intocado pela VIOLÊNCIA. A sua trajetória histórica afetou não só o modo como a vida é vivida, mas também como ela é entendida. Portanto, é completamente natural que essa seja uma preocupação de todos nós e, consequentemente, essa é uma obra que procura elucidar as bases dessa ferida que afeta o mundo inteiro. Em seu livro, Adrian Raine traz inúmeras informações, dados, gráficos, estudos de caso e etc., afinal de contas, são mais de 35 anos dedicados à pesquisa da BIOLOGIA DO CRIME.
Ao longo dos primeiros capítulos, o criminólogo relata casos e experiências pessoais com criminosos e psicopatas, além, claro, de fazer uma defesa apropriada à pesquisa biológica/neurológica acerca das causas da violência. A premissa do livro é de que aspectos biológicos do início da vida e, em alguns casos, antes mesmo dela começar, podem impulsionar crianças a se tornarem adultos antissociais e, consequentemente, violentos. É preciso lembrar que no passado, era intolerável pensar no crime e na criminalidade como outra coisa senão uma CONSTRUÇÃO SOCIAL causada exclusivamente por forças sociais. Bem, essa não é uma mera questão simplista, pois, segundo o pesquisador, a violência humana tem suas raízes e garras fincadas no longo processo evolutivo da nossa espécie. Logo, é preciso contemplar de forma fria, calculista e analítica, as evidências empíricas a favor dessa argumentação. Assim, ela parte da evolução de genes para o funcionamento do sistema nervoso central e autonômico, e por fim, aos fatores de riscos sociais.
Precisamos ter em mente o fato de que existem padrões de violência em diferentes espécies de primatas – e em outros animais também –, alguns deles evoluíram para níveis extremamente baixos de agressividade, enquanto outros evoluíram na direção oposta. Os vestígios de nossas origens evolutivas persistem mais do que gostaríamos de imaginar e admitir. Possuímos, de fato, um “coração arcaico”. Somos uma espécie truculenta, temos um fascínio mórbido pela violência. Ela está estampada em nossa infância, em nossas fantasias, em nossa arte [entretenimento/recreação violento(a)] e em nosso cérebro. Sentimos empatia, confiança e gratidão por aqueles que se predispõem a colaborar conosco, retribuindo-lhes com nossa própria cooperação. Da mesma forma que sentimos raiva ou condenamos ao ostracismo aqueles que se predispõem a fraudar, negando a cooperação ou aplicando-lhes PUNIÇÃO. Sendo este, um sentimento profundo e primitivo que, carinhosamente, é descrito como JUSTIÇA RETRIBUTIVA, isto é, uma postura retaliativa que está enraizada na maior parte de nós, uma parcela da nossa herança evolutiva para impedir as trapaças de terceiros. Em outras palavras, estamos falando da VINGANÇA. Para o pesquisador, a retribuição é o pilar filosófico do sistema legal para justificar a punição de determinado agressor/perpetrador. Desse modo, a justiça existe para atender a essa poderosa necessidade psicológica que temos/sentimos por retaliação. Assim, A ANATOMIA DA VIOLÊNCIA não apenas afeta o sistema judicial, mas também levanta questões sobre valores humanos básicos, incluindo o LIVRE-ARBÍTRIO: a crença de que temos o controle total sobre nossas escolhas e ações. Contudo, o mito do livre-arbítrio, como fonte definitiva da autoridade do “eu”, está sendo solapado por uma enxurrada de evidências oriundas das ciências biológicas. Ou seja, mecanismos biológicos e genéticos precoces, ao lado de fatores sociais e ambientais, desempenham papéis importantes no processo de escolha dos indivíduos. Em outras palavras, o livre-arbítrio não é tão livre como o Direito e a sociedade gostariam de acreditar.
Portanto, agora sabemos que há, em parte, um alicerce evolutivo que fornece os fundamentos para uma base genética e cerebral do crime. E, conforme Raine, a evolução tornou a violência e o comportamento antissocial um modo de vida lucrativo para alguns organismos que, por sua vez, fazem uso da agressão para tomar recursos dos outros (uso da força como meio para atingir um fim). Logo, segundo o pesquisador, a maior parte dos atos criminosos pode ser vista, direta ou indiretamente, como um modo de desviar recursos dos outros. E aqui está centrado um dos pontos mais fortes e importantes do livro; se por um lado temos uma forte capacidade de cooperação social e altruísmo; por outro lado, também podemos ser antissociais, egoístas, trapaceiros e violentos. Raine argumenta que o crime germina de modo precoce na vida a partir de uma base neurodesenvolvimental e genética. Mas será que existe mesmo uma pré-disposição genética para a violência? Bem, de acordo com estudos de caso descritos pelo pesquisador, tanto a agressão quanto a violência podem ser HEREDITÁRIAS. Os genes moldam o funcionamento fisiológico que, por sua vez, afeta o pensamento, a personalidade e o comportamento. Isso não significa dizer que o ambiente não exerce nenhuma influência sobre o indivíduo, mas que a genética pode ser tão forte quanto a ação e interação do organismo com o ambiente em que está inserido. Portanto, os genes têm uma potente influência sobre os nossos comportamentos, e essa noção, segundo o criminólogo, permanecerá intacta. Dessa maneira, uma vez que existe uma base genética significativa para o crime e a agressão, o ambiente interage de modo fundamental com esses fatores de risco biológicos e genéticos para a formação da violência.
Para o pesquisador, a genética comportamental é uma caixa preta sombria porque ao mesmo tempo em que nos diz qual proporção de um determinado comportamento é influenciada pela genética, não identifica os genes específicos que predispõem à violência. Não obstante, o inquérito científico está apenas começando a arranhar a superfície na compreensão dos genes específicos que criam a violência e, uma vez que o genoma humano foi decodificado em décadas recentes, é só uma questão de tempo até termos respostas mais concretas e precisas acerca desses dilemas. Até lá, estudos nessa área não só são promissores como também serão capazes de elucidar inúmeras indagações acerca de nós mesmos. Da mesma forma, os recentes avanços na Neurociência estão pavimentando o caminho para uma jornada muito mais sofisticada e integrada rumo à descoberta da causalidade dos crimes. Ao longo dos capítulos, Raine também descreve alguns casos macabros de psicopatia a fim de nos mostrar como funciona o cérebro de pessoas extremamente violentas, bem como demonstrar que a cabeça de psicopatas funciona de forma diferente. À vista disso, segundo o pesquisador, anormalidades estruturais do cérebro (córtex pré-frontal, amígdala, hipocampo, giro angular e córtex temporal) são alguns dos fatores que também predispõem à violência. E, uma vez que o livro está centrado no cérebro humano, o criminólogo “disseca” esse órgão, de forma que podemos vislumbrar, através de tomografias e outros métodos, algumas das principais causas das agressões no seio familiar e social à luz da “anatomia da violência” (infanticídio, estupro, feminicídio, homicídio, maus-tratos, psicopatias, e etc.)
Todavia, experiências ambientais também são capazes de mudar o cérebro, e os dados revelam como aspectos sociais e fatores de risco biológico se combinam – ou interagem – para moldar o infrator violento, o que Raine chama de “FATOR BIOSSOCIAL”. Conforme o pesquisador, o efeito insidioso de uma experiência social pode alterar de modo profundo o funcionamento neurocognitivo do indivíduo. De acordo com Raine, estudos têm revelado que, quando fatores biológicos e sociais interagem, o resultado pode ser muito mais maligno do que qualquer um deles isoladamente. Desta forma, a violência se torna uma construção extremamente complexa e multifacetada, e sabemos que a criminalidade vem em todas as formas e modalidades, e como vimos até agora, há uma série de elementos significativos na GÊNESE DA VIOLÊNCIA. Para Raine, alguns fatores de risco devem ser seriamente levados em consideração, são eles: má nutrição; trauma encefálico; tabagismo e álcool durante a gravidez; comportamento disruptivo da infância; rejeição materna; privação social, emocional e nutricional; exposição ou contato excessivo a metais pesados e saúde mental. Para ele, todos esses fatores predispõem a prole ao comportamento antissocial. Além do mais, um ambiente de criação conturbado e estressante não só afeta a expressão dos genes e o funcionamento neuroquímico, como também afeta o crescimento e a conectividade do cérebro; uma série de elementos que ele denomina de “RECEITA DA VIOLÊNCIA”.
Até agora vimos que há componentes multidisciplinares para a causação do crime e, ao longo da jornada da ANATOMIA DA VIOLÊNCIA, foi preciso considerar alguns pontos importantes:
1 - Há uma base no CÉREBRO para a violência.
2 - Existe uma combinação BIOSSOCIAL que gera violência.
Mas nem tudo está perdido, afinal de contas, a biologia não é o destino (às vezes é, rs). O criminólogo propõe algumas tomadas fundamentais que podem resultar no declínio do comportamento violento. Para ele, é importante investir em programas de prevenção de amplo espectro que começam na infância e que podem beneficiar toda a sociedade, isto é, uma abordagem de SAÚDE PÚBLICA para a prevenção da violência. Por exemplo, a má nutrição é um dos fatores ambientais que mina o desempenho escolar e funcionamento neurocognitivo. Logo, a nutrição é fator absolutamente essencial para as crianças terem um bom desempenho em todos os domínios da vida intelectual. Não surpreendentemente, a redução na inteligência é um fator de risco para a violência agressiva. Portanto, para o criminólogo, o melhor investimento que os governos e sociedades podem fazer para frear a violência é INVESTIR NOS PRIMEIROS ANOS DA CRIANÇA EM FASE DE CRESCIMENTO e, sendo assim, esse investimento deve ser de NATUREZA BIOSSOCIAL. Segundo o pesquisador, os custos da criminalidade são astronômicos e, por essa razão, ele nos deixa um importante alerta: quanto mais o crime fica fora de controle, menos o governo pode gastar com EDUCAÇÃO, SAÚDE e a HABITAÇÃO (fatores primordiais na prevenção e combate à violência). Em função disso, o descaso e a incompetência da gestão pública fazem com que o crime seja alimentado cada vez mais. E o pior, quando esses elementos de risco são combinados com as DESIGUALDADES SOCIAIS, além de um diagnóstico impreciso de como tratar as causas da violência, os governos acabam causando ainda mais danos, muitos deles, irreparáveis.
O pesquisador encerra o livro com dois capítulos pra lá de polêmicos (uma distopia sobre o futuro e os dilemas éticos acerca da ciência da criminalidade). Raine compara a violência com uma doença terminal, uma patologia que todos nós gostaríamos que fosse eliminada. Mas a questão é: DE QUE FORMA FAREMOS ISSO? Os governos estão investindo na prevenção da violência? Que dados, capazes de diagnosticar e prevenir a violência, temos a nossa disposição? Seria possível diagnosticar cérebros violentos ainda na infância? Qual o futuro da neurocriminologia? O pesquisador fornece importantes “insights” a respeito desses questionamentos. Uma experiência que o leitor terá a satisfação de apreciar a partir do momento que folhear as páginas deste fascinante livro. Adrian Raine é BRILHANTE, seu livro é, de fato, um trabalho extraordinário e inovador, capaz de mudar nossos principais valores e perspectivas acerca da violência humana.