Júlia Fortuna 06/02/2024
?Todos nós somos um pouco loucos de vez em quando.?
O clássico romance de Robert Bloch, ?Psicose?, foi publicado originalmente em 1959. Livro que deu origem ao mais famoso filme de suspense de todos os tempos. Psicose conta a história de Marion Crane, que foge após roubar o dinheiro que foi confiado a ela depositar num banco. Ela então vai parar no Bates Motel, cujo proprietário é Norman Bates, um homem atormentado por sua mãe controladora.
Mary conhece o gerente, Norman, que foi simpático o bastante para lhe dar um quarto muito bom e convidá-la para um jantar rápido em sua casa, atrás do motel. Fica sabendo também que ele mora com sua mãe e ela é muito doente. É então que, em seguida, temos a famosa cena do chuveiro.
?... Mary começou a gritar. A cortina se abriu mais e uma mão apareceu, empunhando uma faca de açougueiro. E foi a faca que, no momento seguinte, cortou seu grito. E sua cabeça.?
Poucos dias depois de se hospedar no Bates Motel, Sam (noivo de Mary) fica sabendo que Mary desaparecera. E agora? Onde foi parar Mary? Terá ela saído do motel e ido para o desconhecido ou Norman Bates sabe o que aconteceu a ela?
O enredo alterna entre a visão de Norman Bates e a busca da irmã, Lily e do noivo de Mary pela moça desaparecida. Tudo parece apontar para o Bates Motel como sendo o último lugar em que Mary aparece no mapa, mas nem o delegado parece convencido o suficiente para dar uma batida no motel.
Até que ponto realmente conhecemos alguém? Mesmo aqueles que compartilham nossa vida diária, como uma mãe, um marido, ou um filho. Será que conseguimos vislumbrar além da superfície, compreender sua verdadeira essência? Em "Psicose", Robert Bloch nos convida a uma profunda reflexão sobre a psique humana, destacando a complexidade e os mistérios que permeiam as relações interpessoais. Através de sua narrativa, o autor demonstra que até mesmo indivíduos aparentemente comuns e simplórios podem esconder aspectos sombrios e perturbadores de sua personalidade, desafiando nossas percepções e incitando um sentimento de inquietação diante do desconhecido.
A escrita de Bloch é diferente do terror visceral que estamos acostumados nos dias de hoje. O que o autor faz é uma exploração da mente de um homem perturbado por uma vida de privações. Stephen King já afirmou que ?Psicose? foi uma das obras que o fizeram decidir ser um autor de histórias de terror. A maioria dos leitores devem conhecer a obra através do filme magistral de Alfred Hitchcock, mas o livro caminha um trajeto muito diferente do filme.
Robert Bloch constrói um labirinto para o leitor percorrer. Inocentemente nos deixamos conduzir sem perceber que o caminho, por mais conhecido que se mostre, guarda surpresas de tirar o fôlego.
Em primeira instância, somos apresentados à perspectiva de Norman Bates que junto com sua mãe Norma, dirigem um motel de beira de estrada. Logo no início da leitura testemunhamos que a relação entre mãe e filho é bastante turbulenta. Norma é uma mulher transtornada que, mesmo o filho já adulto, continua tratando-o como uma criança. Norman, por sua vez, não consegue desvencilhar-se da dominação materna, embora na maioria das vezes deseje matá-la ou abandoná-la em algum asilo.
Ademais, o que torna essa história ainda mais perturbadora é que o personagem Norman foi livremente inspirado em um caso real. Em 1957, Ed Gein era preso por crimes que ultrapassavam o limite da credulidade humana nas razões e porquês, nascia assim a inspiração para Norman Bates e Bloch lançou-se na notável tarefa de explicar a mente de um assassino.
Com uma criação parecida com a de Norman Bates, Eddie Gein também tem uma obsessão por sua mãe e questões de gênero mal resolvidas. Porém, quando a sua mãe morre - diferente do livro - ele não a desenterra, mas passa a desenterrar cadáveres parecidos com ela.
Certa vez, eu li um artigo sobre o Complexo de Édipo - termo criado por Freud e inspirado na tragédia grega Édipo Rei -, e assim que se desenrola a trama e o conceito é citado, eu já tive uma noção mais ampla sobre a verdadeira natureza psicológica de Bates.
O romance "Psicose", juntamente com suas adaptações para o cinema e a televisão, proporcionou a elaboração de um perfil psicológico do personagem Norman Bates com base no Complexo de Édipo. Esse conceito, utilizado na teoria psicanalítica, descreve a fase do desenvolvimento em que a mãe se torna objeto de desejo do menino, enquanto o pai é percebido como o rival que impede o acesso a esse objeto.
Ao final do Complexo de Édipo, seguindo o desenvolvimento infantil, espera-se que esse desejo seja substituído pela riqueza do mundo social, uma vez que o menino adquiriu todas as regras morais necessárias para o seu convívio em sociedade.
Por outro lado, segundo a teoria psicanalítica, a ausência da instauração da lei/interdição na criança pode resultar em uma falha na elaboração do complexo de Édipo, ocasionando, em alguns casos, a recusa em abandonar a mãe como objeto de desejo, transformando-a em objeto de identificação.
Dessa forma, concluímos que diante da impossibilidade de abandonar a mãe como objeto de desejo, o personagem Norman Bates passa a identificar-se com a figura materna que se transforma em uma de suas duas personalidades, desenvolvendo um transtorno dissociativo de identidade.
?Norman, Norma e Normal.?
Por fim, a maioria das pessoas conhecem ?Psicose? através do filme de Hitchcock, e posso afirmar que é um dos melhores filmes que eu já vi. Hitchcock foi tão genial com a obra cinematográfica que na época, ele mandou comprar todos os livros publicados para manter o efeito surpresa da história que ele contaria nos cinemas (já que o livro não tinha feito muito sucesso até então). Tendo como destaque a cena icônica do chuveiro, o grito, o sangue e aquela trilha sonora de arrepiar? O filme é considerado um clássico de referência no gênero de horror e suspense.
Independentemente de você já conhecer tudo sobre ?Psicose? ou já ter assistido ao filme, não abra mão da leitura do livro. Por mais que Joseph Stefano tenha sido bastante fiel ao texto original em seu roteiro, apenas com pequenas alterações, eu o li sentindo emoções que eu ainda não tinha presenciado com o filme. É uma obra que nenhum fã de suspense/terror pode deixar de ler. Passe algumas horas no Bates Motel e terá a sensação de ler o melhor livro de suspense de todos os tempos.