De um Caderno Cinzento

De um Caderno Cinzento Paulo Mendes Campos




Resenhas - De um Caderno Cinzento


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Henrique Fendrich 03/08/2015

Paulo Mendes Campos e o espaço da crônica
Nunca foi tarefa das mais fáceis definir o tipo de texto que pode ser abrigado pela rubrica “crônica”. Embora exista uma ideia mais ou menos clássica sobre o gênero, as suas fronteiras ainda não são inteiramente conhecidas e, por vezes, encontramos um texto que parece desmentir aquilo que tradicionalmente seria esperado dele. A recém-lançada coletânea “De um caderno cinzento – Crônicas, aforismos e outras epifanias” (Companhia das Letras), com textos inéditos de Paulo Mendes Campos, um dos nossos célebres cronistas, permite pensar na crônica não apenas pelo seu conteúdo, mas também pelo espaço que ocupa. Fruto das paginas do jornal, a crônica também é, afinal, um espaço a ser preenchido a cada edição.

Para atender a essa expectativa, que independe da inspiração do cronista, por vezes ele pode se valer de um tipo de texto formado por outros gêneros ou subgêneros. No caso de Paulo Mendes Campos, chama a atenção o uso dos aforismos e, sobretudo, o de poemas – radical ruptura com o conceito tradicional de crônica. Todos os textos reunidos por Elvia Bezerra para o livro são quebrados, ou seja, divididos em frases ou parágrafos independentes, evidenciando assim uma estratégia do cronista para preencher o espaço que lhe era dado na imprensa.

Isso é tanto mais verdade quando lemos que o próprio Paulo Mendes Campos, embora fizesse uso frequente dos aforismos, não os considerava mais do que “um jeito de fazer crônica de vez em quando”, o que pode ser entendido também como “um meio de preencher o espaço que me dão”. Por melhores e brilhantes que tenham sido os aforismos reunidos pelo escritor na forma de crônica, é de se imaginar que considerasse este um meio mais fácil de cumprir com a sua obrigação do que escrever um único texto, sobre um único tema, do início ao fim.

Mesmo nesta pequena seleção de 53 textos reunidos no livro, já é possível perceber que, às vezes, o cronista chegava inclusive a repetir aforismos com o passar dos anos. Há ainda o caso de uma crônica dividida em parágrafos sem relação entre si que, no intervalo de sete anos, foi publicada em três veículos diferentes. Nem sempre, afinal, o cronista devia encontrar assunto ou motivação para escrever, mas, como havia um espaço a preencher, podia repetir textos.

Também é interessante observar como Paulo Mendes Campos usa o espaço da crônica como esboço de textos que serão recompostos ao longo da vida. Como ele mesmo escreveu, “não emendar textos antigos em novas edições é estar satisfeito com os mesmos”. Em razão disso, vários parágrafos escritos para essas crônicas deram origem a novos textos, alguns publicados em “O cego de Ipanema”. Os próprios poemas, da sua lavra ou traduzidos, que o cronista usou para preencher o espaço da crônica sofreram alterações em publicações posteriores.

Um expediente curioso de algumas crônicas do livro é o uso de uma chamada para o conteúdo do texto. Assim é que, em letras garrafais, essas crônicas se iniciam com anúncios do tipo: “PAULO MENDES CAMPOS COMENTA POETICAMENTE ASSUNTOS DIVERSOS, COMO O SALTO EM ALTURA, O AZUL DO CÉU E AS NOITES SALPICADAS DE RÚTILAS ESTRELAS”. Não se pode dizer de quem partia a iniciativa dessas chamadas, se do próprio escritor ou se do veículo em que publicava, mas é, também esta, uma estratégia de ocupação do espaço na imprensa.

O uso que Paulo Mendes Campos faz da crônica neste livro permite pensar o gênero de uma maneira semelhante ao folhetim, que, ao contrário do que às vezes se pensa, não se constituía em um gênero, mas justamente em um espaço que precisava ser preenchido a cada edição do jornal. O folhetim abrigava o romance, mas também a crônica e uma miscelânea de textos. É de forma igualmente variada que se constituem os textos desse livro. E, ainda que seja assim, isso não é demérito para o escritor – não para um do talento de Paulo Mendes Campos.

site: http://rubem.wordpress.com
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