Bianca.Lieko 29/08/2018
Em meio ao nosso mundo escondem-se coisas que nós nos esforçamos para fingir que não existem. A que ponto essa ignorância se extende? É justamente com esse limite que Neil Gaiman brinca em tantas outras, e também nessa história.
Richardrichardmayhewdick, ou Richard Mayhew (um perfeito mocinho genérico), mudou-se há algum tempo para Londres, onde trabalha em um escritório genérico, e vive uma vida perfeitamente comum (sem nem sequer se dar conta do quanto), com uma namorada bonita, esnobe e bem sucedida genérica. Mas a sua rotina é quebrada, quando uma jovenzinha surge de uma parede, no seu caminho.
Suja, ferida, semiconsciente e com uma grande resistência a hospitais, Lady Door apresenta Richard a um mundo (que sempre esteve sob seus pés, nas ruelas e becos mais escuros que cruzavam seus caminhos no dia-a-dia, e nos telhados sobre sua cabeça, mesmo que ele, assim como nós que sempre nos recusamos a olhar para seus habitantes, nunca sonharia pedir por qualquer coisa dessas) mas depois de vislumbrá-lo, voltar à sua pacata e confortávelvida na Londres de cima é praticamente impossível.
Contudo, nosso clichêsissimo "herói" não desiste, passando por maldições, profecias, assassinatos, seres mágicos quase-humanos, monstros, problemas sociais e outras pessoas com responsabilidades e dramas muito piores do que as dele, em busca da chave para seu retorno.
Personagens fantásticos, que parecem caricatos, repentinamente se transformam em humanos e nos dão choques de realidade.
É uma história vertiginosa, que aproxima o ridículo do grotesco para criar seu humor irônico, mas é justamente nesses momentos que ela se torna (contraditória e espantosamente) realista. Fazendo com que as mais absurdas situações soem sérias. É uma aventura de fantasia com uma crítica social ácida sutil.
Recomendo fortemente essa história para qualquer um que goste de procurar por segredos em uma praça abandonada, nos tijolos dispostos de maneira estranha em um muro, numa antiga tamoa de esgoto de ferro fundido, ou até na conversa de estranhos. E também para os que não gostem de distrair a cabeça com esse tipo de bobagem, talvez algumas pessoas precisem aprender a olhar para cantos esquecidos.