spoiler visualizarGabriela 16/02/2024
Eternidade
Que livro incrível! A Invenção de Morel já prometia muito só pelo título, e mais ainda depois do prefácio humilde do Borges - que chama a história de perfeita logo de cara. Não é exagero dele. É o tipo de livro que é obrigatório reler.
Um narrador sem nome chega a uma ilha, fugitivo da polícia, sabendo de uma tal "peste" que assola o local (doença que deixa as pessoas sem unhas, cabelos, olhos, pele e etc, um verdadeiro show de horrores). Mesmo assim, nosso narrador decide que é melhor estar nessa ilha do que ser preso. Começa aqui o primeiro conflito filosófico-moral da história, e são vários.
Nessa ilha encontramos três construções: um museu, uma piscina e uma igreja. Ele explora todos os locais, caminha por toda ilha, descobre salas fantásticas dentro do tal museu, como, por exemplo: uma sala toda de paredes escuras e o chão de vidro com um aquário embaixo. Uma sala toda de espelhos. Salas no subsolo parecidas com bunkers. Tudo parece abandonado há anos, "morto", esquecido; a piscina, por exemplo, está cheia de lodo, musgo, plantas e animais. Ele está sozinho.
Após alguns dias, começa a ouvir música, e pessoas dançando no alto da colina perto do museu, vê mulheres e homens conversando, e se esconde de todos, com medo. Os dias passam e as pessoas de vez em quando aparecem, de vez em quando não, deixando nosso narrador confuso.
Tudo que nosso narrador não sabe, nós também não sabemos. Estamos juntos nessa jornada de descoberta do mistério da ilha e das pessoas. O Bioy Casares é um mestre, sim, um gênio, porque consegue nos manter presos nesses mistério o tempo todo. A escrita é quase poética, e sempre muito filosófica e séria - mesmo quando tem humor, é um humor sarcástico e terrível. Você piscou o olho e se distraiu, provavelmente perdeu algum parágrafo muito interessante. Foi assim que me senti, pelo menos.
A terrível invenção de Morel é revelada na metade do livro, e vai até o final com adições e explicações extras. Uma delícia pra quem adora resolver mistérios e ir se surpreendendo com os horrores da mente humana. Morel, um completo lunático inteligentíssimo, cria uma máquina capaz de registrar seres humanos de forma completa: corpo, consciência e alma. A grosso modo: as pessoas da ilha ficaram uma semana ali, sendo "registradas" pela máquina, que reproduzirá as cenas por toda eternidade. E não se trata de uma reprodução cinematográfica, é uma reprodução que envolve visão, audição, tato, olfato, paladar, pensamentos, sentimentos, absolutamente tudo que foi feito e sentido no tempo da "gravação". A máquina cria um simulacro, uma duplicata da pessoa registrada, que viverá pra sempre nos momentos em que foi gravada. Difícil de explicar, mas o Bioy explica com maestria. Me envolveu por completo nessa loucura total que é a invenção de Morel.
O próprio Morel - que evoca muito a palavra moral pra mim - é um personagem interessantíssimo. Ele cria essa máquina que guarda momentos eternamente e os repete sem interrupção (enquanto a máquina funcionar). Ele sabe das consequências da máquina (a tal peste que citei no início), e mesmo assim continua fazendo muitos testes com pessoas até chegar num ponto "aceitável". Detalhe: as pessoas NÃO SABEM que ele está usando a máquina nelas. Elas simplesmente começam a definhar, apodrecer, morrem, e seus simulacros registrados pela máquina permanecem "vivos".
Por que raios ele fez isso? A obsessão do ser humano por viver para sempre? O medo da morte? A loucura do amor? O desespero e a monotonia da rotina? Várias razões. No livro, é explicado o amor dele por uma das moças que está nas gravações, Faustine (pegaram a referência do nome?), que não demonstra sentimentos por Morel, mas que gravada pela máquina, permanecerá para sempre na companhia dele. Um verdadeiro HORROR.
Afinal, a máquina preserva parte da ALMA das pessoas, além de todo resto. Nosso corpo verdadeiro morre da doença - possível radiação - mas a parte da nossa alma permanece ali, enquanto a máquina funcionar. O que é extremamente perturbador.
Eu poderia ficar 5 dias dissertando sobre essa OBRA DE ARTE, que é um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Simplesmente incrível, impactante, forte, pesado, chute nas pernas, soco no estômago. Lindo. Um livro realmente lindo.
É tanta coisa que eu tenho pra dizer, que vou me obrigar a parar por aqui. Incrível, de verdade.