Tuca 04/10/2021O chalé de Moorland (5 estrelas)
Uma história que começa meio sombria, com tristeza e luto, O chalé de Moorland é o lar de Edward e Maggie Browne, além de sua mãe e Nancy. Os Browne viviam na pobreza, mas eram vizinhos dos ricos Buxton. O clima da casa e a relação entre os irmãos Edward e Maggie logo me remeteu ao livro o Moinho à beira do rio Floss de George Eliot. As mocinhas protagonistas compartilhavam o mesmo nome e a mesma relação conturbada com o irmão, porém Tom Tulliver do Moinho ainda era capaz de despertar certa compaixão, havia algum amor demonstrado de vez em quando para sua Maggie, o que não ocorre com Edward Browne que é por completo um mimado, insensível e egoísta. Tom era bem mais humano.
A comparação entre O moinho à beira do Rio Floss e o Chalé de Moorland não foi só impressão minha. Ao longo da História vários críticos levantaram a questão de que o chalé de Moorland, uma novelinha pouco conhecida de Gaskell e sua segunda publicação (seguinte à Mary Barton), pode ter servido de modelo ou inspiração para o romance de George Eliot. Enquanto a trama de Eliot é bem mais complexa, típica de um romance, Gaskell trata o relacionamento entre os irmãos de uma forma mais superficial e fria, e é algo que vai perdendo o foco, enquanto o moinho é essencialmente sobre a relação entre irmãos. O que me ganhou em O chalé foi o romance entre Frank Buxton e Maggie, além da personalidade dela que é capaz de mostrar bondade sem se afogar em uma pilha de auto-piedade e sacríficio.
Elizabeth Gaskell consegue trabalhar bem, mesmo que de forma limitada, temas sensíveis nessa novela, tal qual o romance entre duas pessoas de classes sociais diferentes, e a opressão sobre a mulher dentro do relacionamento familiar, que muito infantiliza os homens, e nos empurra a uma maturidade forçada e precoce. Mas ela também faz uma das suas melhores mágicas que é a de criar personagens que sabem amar como ninguém. Não ache que é uma história previsível, porque ela vai ter suas reviravoltas, algumas delas bem assustadoras, e o final dos mais românticos, com sua porção de emoções conflitantes, um pouco de lágrimas, taquicardia, suspiros e uma sensação de que a bondade sempre nos guia ao caminho certo.
Lizzie Leigh (4 estrelas)
“Bondade não é bondade a não ser que também exista clemência e sensibilidade” (pg.176)
Esse é um conto sobre maternidade e todas as suas compreensões, amores e sacrifícios. Em alguns pontos, ele faz parecer que existem certas bondades que só mulheres são capazes de sentir sem pôr razão nisso, só um puro amor inexplicável.
Lizzie Leigh, a moça que dá nome à história, é mais um eco do que uma personagem por boa parte do enredo. Sua mãe está em busca dela. Essa menina jovem que é considerada uma perdida (e expulsa do trabalho e de casa) por ter se envolvido sexualmente com um homem (que não sabemos quem é) e ter um filho com ele, nos lembra de Ruth, outra personagem de Gaskell julgada pelo mesmo “pecado”. Mas as vozes das duas histórias são bem diferentes.
O fato de Ruth ser uma narrativa longa me possibilitou uma compreensão maior do sentimento que Gaskell propunha, da melancolia, da proposta de fé, perdão e “redenção”, e me fez aceitar o final mesmo que trágico como certeiro para o seu objetivo, e poético para sua noção de bondade cristã. Mas Ruth não é só sobre maternidade, ele abarca outras discussões. Nesse quesito, Lizzie Leigh parece um rascunho de Ruth (mesmo que tenha sido publicado depois), e tem um final bem mais indigesto e difícil de engolir, com uma reviravolta que eu achei desnecessária em termos do conteúdo trágico inserido, porque a situação poderia ter sido trabalhada de outra forma para alcançar um final semelhante. Enquanto Ruth era órfã e o foco de sua história era nela mesma; em Lizzie Leigh, o enfoque são as consequências de suas ações para sua família, muito mais do que para ela, que pouco aparece. É uma visão de que se somos amados, nossos erros nunca são apenas nossos. Isso não significa que não vejamos sua dor, mas sim que sua dor não pertence apenas a ela.
Quero destacar que não entendo nem o ato de Lizzie Leigh, nem o de Ruth como erros ou pecados, mas essa era a visão da época e dessas histórias, e, portanto, não tenho como fugir de chamá-los de tal forma, pois é assim que são tratados no enredo. As várias mães da história são constantemente cerceadas por homens que não entendem nem o sentimento materno, nem o sacrifício, o que me fez interpretar o destaque que Gaskell dá tanto a uma bondade singularmente feminina pela essência materna, quanto ao privilégio masculino de poder se importar apenas com o próprio umbigo. Independente dos laços sanguíneos, existe um amor que só mãe entende, objetivos que só a força de uma mãe guia, dores que só mães compartilham, e um mundo visto através de um prisma que só elas portam. É uma narrativa cruel sobre a realidade das mulheres vitorianas – que só eram dignas quando perfeitas dentro de uma moral cristã – e em especial, das mães vitorianas, cujos sofrimentos eram comumente silenciados pelas vontades masculinas.
Como a edição física que eu tenho contém as duas histórias, coloquei a nota final no skoob de 4,5 como uma média das duas histórias.
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