Maria - Blog Pétalas de Liberdade 21/05/2016Um livro que você precisa ler! “Isso, decidi, era o que significava ser escravo; você é invisível no presente, e não pode ter pretensão em relação ao futuro.” (página 165)
Eu já havia lido algumas resenhas bem positivas sobre a obra, mas queria saber se o livro era realmente tão bom quanto diziam; por isso, assim que o blog se tornou parceiro da Primavera Editorial, solicitei "O livro dos negros", e já adianto que ele é sim merecedor de todos os elogios que recebe.
“Alguns dizem que tive uma beleza pouco comum, mas eu não desejaria beleza para nenhuma mulher que não tivesse sua liberdade, e que não escolhesse os braços que a abraçam.” (página 14)
O livro é narrado em primeira pessoa por Aminata Diallo, em 1802 ela era uma senhora de idade avançada (para os padrões da época) e morava em Londres, sua história era usada por um grupo de abolicionistas para tentar aprovar leis que abolissem a escravidão. E Aminata decidiu contar sua própria história, voltando no tempo e revirando suas memórias.
“Os abolicionistas podem até me chamar de sua igual, mas seus lábios ainda não pronunciam meu nome e seus ouvidos ainda não ouvem minha história. Não da forma como quero contar-lhes. Mas há muito que amo a palavra escrita, e vejo nela o poder do leão adormecido. Este é o meu nome. Eu sou esta. Foi assim que cheguei aqui. Na falta de uma audiência, escreverei minha história de modo que esta espere, como uma fera adormecida, com um coração pulsante e pulmões que respiram.” (página 93)
No final da infância, Aminata vivia com o pai (joalheiro) e a mãe (parteira) em uma aldeia africana. Acompanhava a mãe quando ela ia fazer um parto, e até já ajudava; o pai a tratava com carinho, talvez até a mimando como diziam alguns. Aminata era uma criança muçulmana feliz e cheia de sonhos. Até que os rumores de que aldeias próximas estavam sendo invadidas se confirmaram, e a garota e outros negros foram raptados e obrigados a andar até o litoral, onde embarcaram num navio e cruzaram o oceano a caminho da América, onde teriam que trabalhar em plantações. E esse seria só o começo da longa jornada de Aminata. Desde o primeiro instante, seu desejo era voltar para casa, para a aldeia que não existia nos mapas e que estava perdida em algum lugar do continente africano.
As partes da obra são chamadas de livro: livro um, livro dois, livro três e livro quatro, e essa divisão realmente foi necessária, pois cada parte trazia uma fase da vida da protagonista. Inicialmente, sabendo o que viria para a vida de Aminata em sua terra natal (mutilação genital, casamento arranjado...), pensei que de qualquer forma ela sofreria, mas as provações pela qual passou após ser raptada, fisicamente e psicologicamente, foram incomparáveis. E quando parecia que tudo ficaria bem, vinha mais uma reviravolta e uma nova batalha para Aminata! Ela não desistiu apesar de tudo, poderia ter feito como muitos outros negros no navio negreiro e em outra ocasiões: desistido e se suicidado, mas sua vontade de viver e de voltar para sua terra, e posteriormente a vontade de fazer algo pelo seu povo, foram maiores. Talvez a forma como ela foi criada pelos pais tenha ajudado para que ela tivesse vontade de aprender, de saber, e muitas vezes o fato de ela ser útil tornou um pouco mais fácil e até salvou sua vida.
“Lembro-me de que, um ano ou dois depois de começar a dar os primeiros passos, eu ponderava por que só os homens sentavam-se para beber chá e conversar, e as mulheres estavam sempre ocupadas. Concluí que os homens eram fracos e precisavam descansar.” (página 21)
Aminata conheceu pessoas ruins no caminho, como o Senhor Appleby, dono da primeira fazenda onde ela trabalhou; mas também conheceu pessoas boas, como a escrava Geórgia, que cuidou dela nessa fazenda e lhe ensinou o que podia sobre ervas. Além disso, conheceu pessoas que variavam entre a bondade e a maldade, como Chekura, que inicialmente era um garoto negro africano quase da idade dela e que ajudava os raptores a levar os negros até os barcos, mas que descobriu que a cor da sua pele o condenava a estar no lugar daqueles a que conduzia, ou Mamed, uma espécie de capataz da fazenda, capaz de ser agressivo e também de ajudar a protagonista a aprender a ler melhor. São muitos personagens marcantes ao longo da trajetória de Aminata, Lawrence Hill soube bem como colocá-los na trama.
"Ler era como um sonho diurno em uma terra secreta. Ninguém além de mim sabia chegar lá, e ninguém além de mim era dono daquele lugar." (página 146)
Eu poderia ficar falando por horas sobre diversos aspectos de "O livro dos negros", e nem chegaria perto de mostrar toda a grandiosidade da obra. Mas quero que vocês entendam que realmente é um livro muito bom e recomendado. É uma leitura para se fazer aos poucos, pois a quantidade de emoções que ele traz ao mostrar as conquistas e os percalços de Aminata precisam ser ingeridos em pequenas doses. Em momento algum a história fica monótona ou cansativa, desde as primeiras páginas somos cativados. E por tudo isso "O livro dos negros" ganhou cinco estrelas em minha avaliação no Skoob e se tornou meu favorito, mesmo tendo alguns erros de revisão.
Sobre a parte visual: foi meu primeiro contato com uma obra da Primavera Editorial e minha avaliação foi positiva. A capa é muito bonita (mais linda que as estrangeiras) e a escolha das cores e fontes me agradou bastante. As páginas são amareladas (excetuando-se as que marcam a mudança das partes) e a diagramação tem letras, margens e espaçamento de bom tamanho.
“Durante as longas noites de solidão, eu tinha tempo para pensar e me espantava o fato de que os bons homens brancos não permaneciam sãos por muito tempo. Todo homem branco que queria ajudar os negros a ‘se levantar’, como Clarkson gostava de dizer, seria impopular perante os seus pares.” (página 309)
Fica aqui o meu agradecimento ao Lawrence Hill por ter escrito a obra e à Primavera Editorial por tê-la publicado no Brasil. É uma publicação muito importante para que possamos compreender melhor uma parte triste da história da humanidade. É uma história de ficção, mas com muita pesquisa e verdade, Aminata é uma junção de incontáveis negros que foram arrancados de seu território, tiveram sua cultura estraçalhada e se tornaram escravos de outros seres humanos. O Brasil não aparece no livro, a história se foca mais no Hemisfério Norte, mas é uma leitura que também serve para nós, já que também tivemos escravidão em nosso solo, e creio que as condições dos escravos aqui eram semelhantes. É uma leitura válida também para que repensemos como, ainda hoje, os negros são tratados, na questão do racismo e do preconceito. Para que se tornassem escravos, tiveram sua humanidade negada, e ainda hoje algumas pessoas se sentem melhores ou mais inteligentes que as outras por causa da cor da pele, e isso tem que mudar.
Recomendo que vocês leiam o livro assim que possível, ele não é muito caro e vale cada centavo (juntem moedinhas num cofrinho, peçam de presente, mas adquiram o livro, tenho certeza que vai valer a pena). É uma história forte sim, emocionante, que vai causar revolta ao ver até onde vai a maldade humana, mas também tem seu suas partes divertidas, partes que vão te ensinar coisas novas e tem a Aminata, que certamente entrará para sua lista de personagens inesquecíveis. Talvez para leitores mais novinhos tenha cenas um pouco pesadas, mas creio que quanto mais cedo compreendermos certas coisas, melhor.
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