Matheus Fellipe 12/12/2015
Literatura Nacional: Contos de arrepiar!
Contos... por que gosto tanto desse tipo de narrativa? É uma pergunta que sempre me faço. Uma resposta plausível seria por eles serem menores, mais enxutos ou algo do tipo. Mas isso não se aplica a minha percepção de conto. Quando pego para ler um livro do “gênero”, o faço por imaginar a amplitude, a gama de histórias que estão em minhas mãos, cada um escrito de uma maneira, com personagens e lugares diferentes ou não, mas cada um apresentando sua singularidade. O tamanho não importa, pode ser um conto de mais de 200 páginas como alguns de Stephen King ou mesmo contos de poucas páginas como determinados contos de Edgar Allan Poe. O que importa é que eles sejam bem desenvolvidos, que sejam capazes de nos tragar para dentro da história, de nos envolver... essas características são encontradas nos contos de Melvin Menoviks!
Seria difícil explanar cada texto do livro, falar de suas histórias e temáticas, mesmo porque são 21 ao todo, alguns deles são bem curtos, outros um pouco mais longos, e por qualquer descuido, eu poderia libertar os monstros e depravações que nasceram ou foram trancafiadas nas páginas desse livro. Por isso selecionei alguns contos, os que mais gostei e que me chamaram a atenção por algum motivo peculiar, para comentar.
Dentre todos os textos, “Memórias” foi para mim um dos mais chocantes e, portanto, um dos que mais gostei. Na verdade, é meu favorito. O autor desenvolveu os personagens, deu vida a eles, especialmente o pai da família, que na sua insanidade, “brincava de deus”. Nesse conto temos o terror humano, de uma pessoa fria que é capaz de qualquer coisa quando não está em si; e há o terror sobrenatural, quando o mal se infiltra na inocência de uma criança. É um dos mais completos!
"Lembro-me detalhadamente até hoje quando vi o corpo ensanguentado da minha amada na beira da estrada, com aqueles olhos, antes tão lindos, implorando os últimos segundos de vida, com a boca, antes tão perfeita, já deformada e gritando de dor. O braço esquerdo estava contorcido e quebrado em várias partes, com o osso à mostra. A perna direita estava atravessada por uma longa e grossa barra de ferro proveniente dos destroços do carro. O rosto sofria, disforme, desfigurado e roxo. Corri para tentar salvá-la, mas tudo que pude fazer foi vê-la, lenta e agonizantemente, perder a vida. [...]" — "Memórias", Pág. 182
Outro conto que gostei muito é “Nós Comemos Corações de Crianças”, o nome é sugestivo né? Haha O conto tem a personalidade do personagem narrador, é rebelde, criminoso e muito louco! A escrita foi um diálogo entre o narrador e o leitor, uma coisa natural (só a escrita mesmo é uma coisa natural!). O horror desse conto é um dos mais pesados do livro, pela temática e vítimas escolhidas, mas vele muito a pena ser lido.
“A Experiência de William” foi outro conto que me fez pensar que o autor, Melvin Menoviks, é um cara bem doidão (no bom sentido! rs). Nesse conto, nos é apresentado um menino de 10 anos que se imagina um cientista e que quer revolucionar a ciência com o transplante de cérebros, ou a união deles, para isso ele utiliza, nada mais nada menos, que gatos para realizar seus experimentos. Por mais que recomende o conto, devo avisar que se a pessoa gosta de animais, especificamente gatos, deve evita-lo, para não ter um ataque de ódio (digo isso, pois tenho muitos amigos que gostam de gatos e quando contei a história que acabara de ler para um deles, a pessoa me xingou um bocado).
“A Orquestra Diabólica” é um daqueles contos que sufocam pela sua perversidade, ele é um dos mais curtos, mas sua narrativa penetra nos ouvidos de uma forma literalmente diabólica, as descrições da música tocada, o sofrimento e delírio dos ouvintes... é algo surreal.
"[...] Sua verve era da noite, pela noite e para a noite, e nenhum outro horário parecia capaz de comportar sua existência." — "O Amigo Suicida", Pág. 236
Os outros contos também são bons, alguns mais, outros menos, mas cada um tem sua imparidade unitária, sua característica, e merecem ser lidos, conhecidos, e gostados ou não. Há contos que possuem crianças fantasmas ou possuídas; outros com senhores contando histórias de um monstro terrível que habita um buraco na floresta ou um ser que se mistura a neblina da noite e tem um rosto deformado; alguns contos são mais sangrentos e sensuais; outros não passam de sonhos ou perturbações mentais; há até um conto mais filosófico, que possui poucos elementos de terror, mas que nos instiga a pensar.... Os “três poemas macabros” são mais alguns retratos da habilidade do autor com as palavras, trazendo histórias com rimas ou apenas versos.
Agora sobre a tão aguardada narrativa: “A Caixa de Natasha”.
Sabe quando lemos algo que nos deixa inquietos? Com a perna balançando (uma mania minha) ou roendo o que resta do dedo, porque as unhas já se foram? Então, com “A Caixa de Natasha” aconteceu isso. Sinceramente é um dos melhores contos, se assim posso dizer, que já li na vida. Ele merece o título na capa, pois é o mais intrínseco, o mais literalmente insano (pois a narrativa se passa num Hospital Psiquiátrico, ou seja, um Hospício).
O texto todo é narrado em primeira pessoa, pela própria Natasha, uma mulher que foi colocada no hospício pelos familiares pois tinha problemas com drogas e dizia ouvir vozes que sussurravam em seus ouvidos. Acompanhamos sua chegada ao Hospital Psiquiátrico. Ela e nós, somos apresentados a alguns personagens que ficam marcados na memória por suas características um tanto incomuns, alguns loucos que falam sozinhos ou mesmo um que fala com seus fios de cabelos dizendo que são duendes; velhos deformados, asquerosos e fedidos; uma mãe que matou seu filho e fica ninando um boneco; entre outras singularidades que são narradas de forma um tanto eloquentes.
"[...] Vieram como pequenos ratinhos se arrastando pelo chão, chiando baixinho seus segredos nojentos. Depois, subiram pelas paredes e, como em uma infestação de baratas, se alastraram sem rumo pelas entranhas sujas entre os tijolos e começaram com seus sussurros terríveis e invisíveis.
As vozes falavam de novo. E estavam dentro do meu quarto. Eu sabia que não eram reais, mas estavam ali. E eu não podia lutar contra elas. Por mais que eu me virasse e as procurasse, eu não podia lutar contra elas. Elas vinham de lugares esquivos, dizendo coisas que eu tentava ignorar, mas que me causavam medo. [...]" — Pág. 293
Na primeira noite no hospício, depois de sua chegada traumática, Natasha não consegue dormir ouvindo os loucos e suas loucuras noturnas, também começa a ter visões de uma menina de vestido vermelho. Essas visões continuam dia após dia, e com mais frequência, a menina que antes aparecia sozinha, vem acompanhada de seres demoníacos, sombras negras que surgem através das paredes entre outras criaturas medonhas, e isso cada vez mais vai afetando a mente de Natasha, fazendo com que as enfermeiras e médicos confirmem seus distúrbios, que vem algumas vezes acompanhados de desmaio e gritos terríveis durante a noite. O medo vai crescendo em seu interior, as vozes voltam a serem ouvidas, os loucos começam a falar coisas que aconteceram no local e com isso ela vai atrás de pistas e, é nessa parte que eu tenho que parar de escrever... qualquer coisa além disso é spoiler na certa! Com respeito a caixa... só irão descobrir se lerem o livro, o que recomendo fortemente!
"A noite foi um inferno. Ruídos vinham de lugares desconhecidos e o frio percorria a atmosfera como a gélida foice de um ceifeiro que vaga em busca da próxima alma. Eu podia ouvir o doentio sussurro maternal de Camila ninando seu boneco sem vida. [...] Os sons das lufadas de ar que balançavam as árvores entravam em meus tímpanos como agulhas finas e compridas, e eu não conseguia dormir, mesmo estando desesperadamente cansada." — Pág.272
Levando-se em conta todos os contos, poemas e a narrativa longa, e eu tendo gostado muito de uns, pouco menos de outros, ou mesmo favoritado alguns, o livro leva a 4 estrelas!
DICA: durante a leitura, principalmente de “A Caixa de Natasha” eu ouvi músicas da banda finlandesa de Symphonic Metal, Apocalyptica, que é formada por três violoncelistas e um baterista. São músicas instrumentais, em sua grande maioria, que dão uma perfeita trilha sonora não só para livros de terror, mas também de suspense e fantasia. Sempre ouço essa e outras bandas instrumentais durante as minhas leituras. Caso se interessem, posso fazer uma matéria especial, indicando algumas bandas e músicas. Deixem nos comentários o que acharam do livro, da resenha, da ideia do post sobre música, sejam criteriosos... podem deixar perguntas que pedirei para o próprio autor responde-las.
site: http://leitornoturno.blogspot.com.br/2015/12/resenha-caixa-de-natasha-e-outras.html