Vianna 26/02/2018
Leia, mas leia vacinado.
O livro destaca-se pela sua concisão e capacidade de apanhar diversas correntes filosóficas e apresentá-las de forma resumida, e ainda assim permitindo ao leitor compreender adequadamente a ideia filosófica ali proposta. São 50 teorias filosóficas que são apresentadas, cada uma ocupando 4 páginas do livro. Com tão pouco espaço para cada ideia, certamente é um desafio conseguir apresentar cada uma sem ser reducionista, desafio este que o autor consegue cumprir. Pelo menos em relação às ideias que ele admira.
Isso mesmo, porque é exatamente nesse ponto que o autor peca de uma forma que não pode ser minimizada. A parcialidade do autor em apresentar teorias às quais se filia como se fossem grandes insights da humanidade, e fazer chacota abertamente das quais discorda, apresentando-as como absurdos, é decepcionante.
Essa parcialidade já começa na questão racionalismo x irracionalismo. Claramente um irracionalista, o autor coloca o relativismo moral e epistemológico como, senão inquestionável, pelo menos irrefutável (claro, como refutar um sistema de pensamento que afirma não existir a própria figura da refutação?). Bertrand Russel e David Hume são os monumentos intelectuais da filosofia para Ben Dupré.
Mas a pior tendenciosidade se mostra quando o autor trata do campo religião, mostrando-se quase um militante ateísta. Em quase todas as teorias filosóficas não religiosas o autor dedica de 2 a 3 páginas para apresentar a ideia, e de 1 a 2 páginas para apresentar as possíveis críticas a elas. No caso das que admira, ainda tece a defesa da filosofia face às críticas. Nos argumentos religiosos, contudo, na primeira página ele já está atacando-os, quando não na primeira linha, sem apresentar qualquer resposta que aquele argumento possa ter (e conhecidamente tem) às críticas apresentadas. Para se ter algumas ideias:
Apresentação do argumento cosmológico (primeira linha): "Pergunta: Por que existe algo em vez de nada? Resposta: Deus. Tais são o início e o fim do argumento cosmológico, e não há muita coisa no meio." Na apresentação do argumento ontológico, ele já inicia a falar da ideia de forma jocosa, comparando Deus com uma castanha-de-caju, na tentativa de mostrar a incoerência do pensamento. O problema do mal, por sua vez, é tratado como o carrasco imbatível dos teístas desde o início, e as defesas destes são apresentadas como balbúcios de pessoas crédulas e ingênuas que se recusam a aceitar o mundo como ele é; isso em 4 páginas cujas bordas estão cheias de balões citando de forma dramática grandes tragédias que ocorreram na história da humanidade, e que colocam em dúvida a bondade de Deus. O ápice do apologismo anticristão vem no artigo que trata sobre "Fé e Razão", onde a primeira linha do texto já começa assim: "Apesar de algumas heroicas tentativas recentes de revivê-los, a maioria dos filósofos concordaria que os argumentos tradicionais a favor da existência de Deus estão além da ressuscitação". Não é apresentada a (suposta) dicotomia entre fé e razão. A vitória da razão e a morte da fé são proclamadas com toques festivos de clarim.
Também é notável que em todos estes casos, a versão dos argumentos apresentada não é a dos melhores filósofos teístas, já adaptados às críticas sofridas, mas a versão arcaica, original, primitiva, que parece sucumbir flacidamente diante das críticas trazidas por Ben Dupré, como se estas críticas já não houvessem há muito sido consideradas pelos filósofos teístas - e por eles rebatidas. Ben Dupré não ataca os argumentos teístas. Ele cria fantoches caricatos de tais argumentos, e então finge lutar contra eles como se fosse um exímio esgrimista, assemelhando-se a alguém que, sem coragem para enfrentar seu inimigo, desse faz um boneco e o agride, iludindo, assim, a si mesmo, de que está derrotando seu desafeto.
O livro poderia ser muito mais do que é, visto que o autor demonstra um inegável conhecimento da história da filosofia, mas decepciona diante da incapacidade do autor de se manter equidistante em relação às ideias que apresenta. Um leitor de filosofia já acostumado com as teorias aqui tratadas não se deixará levar pelo empreendimento quase caricato de Ben Dupré, e inclusive aproveitará muito do que foi trazido no livro, mas o leitor leigo em filosofia que de forma desavisada pretenda dar os primeiros passos no conhecimento dela através desse livro, corre o risco de sair com uma visão altamente manipulada e tendenciosa das principais ideias da filosofia histórica.
Enfim, leia, mas leia vacinado.