Janaina 02/03/2022
A educação é o caminho
Sonhos em tempo de guerra. Ngugi wa Thiong´o, 245pg. (Tag Curadoria 08/2021)
Preciso dizer que demorei para engrenar nesta leitura. Achei o início arrastado, a quantidade de personagens com nomes impronunciáveis grande, a introdução histórica ? embora rica e necessária - distante. Mas seguia firme por conta do desejo de ampliar minha leitura de escritores africanos neste ano.
E como valeu à pena!
Trata-se da primeira parte do relato autobiográfico do escritor queniano, que abarca sua infância e juventude, e, além de nos apresentar a história da sua vida, nos aproxima também da História do Quênia colonial, que, através da Revolta dos Mau Mau (1952-1960), lutava pela independência do país em relação à Inglaterra, enquanto o autor lutava para manter a promessa feita a sua mãe de sempre dar o melhor de si em tudo que se relacionasse a sua educação formal.
Ngugi nasceu no seio de uma família poligâmica e patriarcal, e, embora fosse filho da terceira esposa de seu pai, era tratado - e se comportava - como filho de todas as quatro, as quais chefiavam seus respectivos lares com relativa autonomia.
Sua infância foi vivida na pequena cidade de Limuru, próxima à capital Nairóbi, numa situação precária imposta pela política colonial, mas mantendo o respeito às tradições e à cultura local e sempre focada naquilo que ele já vislumbrava como sendo o caminho para sua mudança: a educação.
Depois da perda da riqueza de seu pai, sua vida passa por uma drástica mudança, que acabou afetando o equilíbrio daquela complexa relação parental e a forma respeitosa com que costumava tratar as esposas, fazendo-o trilhar um novo caminho que o aproxima do avô materno e o faz experimentar um novo modelo de relação familiar. Ao mesmo tempo, vai ampliando sua consciência sobre a situação política que envolve seu país, experimentando na pele as injustiças sofridas pelo povo queniano, e reforçando, a cada dia, o pacto feito com sua mãe.
Mas sua luz já brilhava para quem quisesse ver. Vizinhos percebiam seu talento, o avô o eleva a um lugar de destaque, o irmão guerrilheiro corre risco de morte só para lhe lembrar do seu valor e das suas reais possibilidades e lhe desejar boa sorte, o professor interfere no destino de seus exames, a mãe segue apostando em seu potencial.
E nem é spoiler dizer que seu esforço será recompensado, já que lemos a biografia do escritor e sua condição atual já leva a esta conclusão.
Apesar do livro ser lindíssimo, riquíssimo, e recheado de superlativos, confesso que o que mais me fisgou nele foi a relação do autor com sua mãe. A insistência dela para que ele desse sempre o melhor de si em tudo que fizesse e o questionamento quanto a este compromisso mesmo quando ele lhe apresentava excelentes resultados revelam a essência dos valores que ela considerava importante e que ele honrou até o fim, mesmo diante de situações extremamente tentadoras ou arriscadas. Lindo demais!
Ao fim, podemos ratificar aquilo que estamos cansados de saber: a educação é o caminho. Muitas vezes tortuoso, às vezes, intransponível, principalmente no contexto vivido no País, mas, quando conseguido trilhar, leva à luz.