spoiler visualizarPaulinho 04/04/2018
A delicadeza e a Violência em pequenas doses de Raduan Nassar
Menina a Caminho
A delicadeza e a violência na infância
Hoje, quarta-feira, 04 de Abril de 2018 decidi realizar algumas releituras de livros curtos: contos, novelas, romances curtos. Decidi começar por Raduan Nassar e o seu tocante Menina a Caminho. Li Menina a Caminho pela primeira vez em 2016, depois de já ter lido as obras-primas do autor, Um Copo de Cólera (1978) e Lavoura Arcaica (1975), ambos lidos em novembro e dezembro de 2014. Com a poesia e o lirismo que são característicos de sua prosa envolvente, todo o quotidiano de uma cidadezinha é descortinado a partir do caminhar de uma menina (incumbida de uma tarefa dada por sua mãe, mas só sabemos disso ao final). A caminhada dessa garota expõe: a rotina dos seus habitantes (carregadores de sacas arroz, as mulheres fofoqueiras das janelas, a barbearia e seus clientes, a sorveteria, o bar, as crianças estudando, os primeiros olhares sobre a sexualidade e os debates políticos: a história se passa na era Vargas, há referencias ao retrato de Vargas, ao programa de rádio a Voz do Brasil, e aos presos políticos, incluindo o tão citado filho de seu Américo do Armazém. Uma narrativa aparentemente contemplativa, mas que possui já no seu trajeto traços de forte violência. Mas é o termino do caminhar da menina que gera cenas tristes de violência doméstica, miséria, pobreza. A menina que vê com inveja uma estudante limpa e bem vestida enquanto ela é descrida descalça e suja, com roupas esfarrapadas, que vê crianças estudando enquanto ela perambula pela rua. O desfecho, cheio de violência nos agride pela força imagética da prosa, detalhada, específica, econômica. Belíssimo conto de grande força e que me custou apenas 48 (quarenta e oito) minutos de leitura, o conto vai da página 09 à página 49, iniciada às 15h00min e concluído às 15h48min. Vale a pena ler de novo. Abaixo alguns trechos de lirismo e violência:
“Cheia de leveza, a menina abandona a tela de arame, anda uns passos de costas, se apruma na calça, esfrega antes um pouco de guspe no raspão do braço, e em seguida abre as asas em equilíbrio, cuidado de não pisar fora do fio da guia. Enquanto se afasta suas pernas vão se cruzando como as de uma bailarina magricela e suja debaixo de um solão quente e vermelho.”
NASSAR, Raduan. “Menina a Caminho”. In: Menina a Caminho e Outros Textos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 37-38.
“Deitada de bruços no chão do quarto, os braços avançados além da cabeça, os punhos fechados em duas pedras, a costureira recebe as cintadas c’uma expressão dura e calada, só um tremor contido do corpo seguindo ao baque de cada golpe.”
NASSAR, Raduan. “Menina a Caminho”. In: Menina a Caminho e Outros Textos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 47.
Nota: 5.0
Hoje de Madrugada
O amor em súplica
Um breve comentário do conto “Hoje de Madrugada” (pp. 53-58). Conta sobre um homem à sua mesa de trabalho (embora não trabalhe) e sua mulher, que tal qual sonâmbula lhe suplica: amor, afeto, sexo, sem conseguir nenhum. O interessante nesse conto é notar as metáforas viscerais de Nassar ao descrever a ação das personagens: “[...], sua mão, com a avidez de um bico, se lançou sobre o grão amargo que eu, num desperdício, deixei escapar entre meus dedos.” (Ibidem, pp. 55). A metáfora transmite a ideia de uma fome voraz. Esse breve conto (lido em apenas 00h05min46seg) também é uma pequena gota da capacidade de Nassar em descrever o corpo em busca de prazer: “[...], tão pouco me surpreendi com as artimanhas de seu pé, tocando com as pontas dos dedos a sola do meu, sondando clandestino minha pele no subsolo. Mas seguro, próspero, devasso, seu pé logo se perdeu sob o pano do meu pijama, se esfregando na densidade dos meus pelos, subindo afoito, me queimando a perna com sua febre.” (Ibidem, pp. 57). O trecho, impregnado de um erotismo contagiante, marca indubitável de sua prosa em obras maiores como a novela Um Copo de Cólera e Lavoura Arcaica.
Nota: 4.4
O Ventre Seco
Uma Confissão Verborrágica
O conto “O Ventre Seco” (pp. 61-68) lido em 08min19seg é uma confissão, ou depoimento, de homem de “quarenta anos” há uma ex-companheira, Paula. O relato se assemelha muito ao que André faz ao seu irmão mais velho, Pedro, em Lavoura Arcaica. Já há aqui um ressentimento com o mundo e com as pessoas: “[...], não gosto de gente, para abreviar minhas preferências.” (Ibidem, pp. 64) e “[...], e hoje, se ponho o olho fora da janela, além do incontido arroto, ainda fico espantado com este mundo simulado que não perde essa mania de fingir que está de pé.” (Ibidem, pp. 64-65). A confissão expõe os defeitos do próprio autor e também o de sua parceira. É um relato que suscita questões do relacionamento, mas que tenta colocar um ponto definitivo na relação. “[...], se acaso amanhã os teus amigos quiserem saber ao meu respeito. [...], responda como ela invariavelmente te respondia: “não conheço esse senhor”.
Nota: 4.2
Aí Pelas Três da Tarde
Do Livro dos Conselhos: Enlouqueça
O Conto: Aí Pelas Três da Tarde (pp. 71-73). Escrito como um bilhete (lido em 02:12:009), um bilhete que aconselha a desligar-se no mundo, ou mundo a conectar-se ao mundo sem se importar com o pudor alheio. Escrito com uma brisa da tarde, delicioso, acende em nós uma vontade de seguir as recomendações, viver de leveza e vagareza: “Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, [...].” (Ibidem, pp. 72).
Nota: 4.2
Mãozinhas de Seda
Lições do bisavô
Último conto. Termino o livro agora às 19h55min do dia 04 de Abril de 2018, uma quarta-feira. Mãozinhas de Seda (pp. 77-83) lido em 07:30:681 Encerra essa coletânea de contos. O conto narra basicamente as lições do bisavô e o principal evento de Pindorama, o baile de primavera. Escrupulosamente narrado, o autor vai mostrando a sua mudança até atingir a imagem recomendada pelo bisavô.
Nota: 3.8