yelenalover 10/12/2023
The way I used to be
"The way I used to be" é uma intensa narrativa sobre como o trauma afeta e modifica a vida de uma pessoa. A história gira em torno de Eden, que foi estuprada aos 14 anos pelo melhor amigo do irmão e, a partir disso, precisa lidar com o ensino médio pela frente e as consequências psicológicas da agressão que sofreu.
Obs: essa resenha tem alguns spoilers.
Foi difícil ler esse livro. Eu pensei várias vezes em desistir quando estava nas primeiras páginas, mas, ao mesmo tempo, a história me prendeu de uma maneira que foi impossível largar. Não consegui ler de uma vez só, então foram três dias quase torturantes, pois cada página quebrava meu coração de uma maneira diferente.
Não é uma leitura agradável ou fácil. A narrativa é construída por meio de um diálogo interno da protagonista e, justamente por isso, é uma leitura tão cansativa. Eden fica com a mente bagunçada após o trauma, muitos de seus pensamentos e vontades não condizem com suas ações, e isso se torna um pouco inquietante para quem está observando esses diferentes lados de uma única personagem. Mas definitivamente não haveria uma maneira melhor de narrar essa história. A confusão, a mágoa, a frustração, tudo isso mostrado na perspectiva da própria Eden foi o que deixou o livro tão profundo e tocante.
Eu não consegui ficar com raiva de absolutamente nada do que a Eden fez. Ela errou? Sim. Ela foi uma pessoa horrível em vários momentos? Sim, e eu não justifico nenhuma de suas ações. Mas eu simplesmente não consegui ficar com raiva dela ao longo da leitura. Antes de ler, vi várias resenhas (não apenas no Skoob) para ter uma noção do que me esperava, e muitas pessoas falavam como se Eden fizesse coisas imperdoáveis e repulsivas. Bom, para mim, ela fez coisas que até mesmo uma adolescente que não carrega um trauma tão grande faria. Não que isso amenize suas ações, mas eu apenas não quis colocar uma garota de 14-17 anos em uma cruz por reagir a um trauma à sua própria maneira e por SER uma adolescente que não está bem.
Assim como eu busquei entender as atitudes da Eden, eu também busquei entender as pessoas ao redor dela, mas foi IMPOSSÍVEL fazer isso com sua família e, principalmente, seu irmão. Na verdade, Caelin foi o único personagem (além de Kevin, obviamente) que me deixou com genuína raiva na história inteira. Como uma pessoa que, a princípio, foi descrita pela Eden como a única que poderia ficar do lado dela em qualquer situação, foi a que menos demonstrou suporte à ela e exerceu seu papel de irmão durante o livro inteiro? Mesmo que ele não soubesse do que aconteceu, ele viu os sinais na Eden e, ao invés de sentar e perguntar para ela o que havia de errado, ele se tornou uma pessoa que constantemente repreendia ela por NÃO ESTAR BEM. Os pais de Eden não são muito diferentes disso. Eles são os típicos "bons pais" que, na verdade, não estão fazendo nada para efetivamente cuidar e proteger sua filha. Ela mesma explica no livro como eles foram, de certa forma, os culpados pelo incidente.
Os amigos de Eden são os únicos, além dela, que eu consegui simpatizar, especialmente Mara. Eles pisaram na bola com a Eden ao longo da história? Sim, mas eu também não consegui esperar reações e responsabilidades afetivas tão grandes de pessoas que acabaram de entrar na adolescência. Assim como a Eden, a maioria deles estava passando por uma "fase rebelde", então é natural que eles achassem que as ações dela ? beber, fumar, se drogar, etc ? fossem coisas normais, coisas que eles próprios faziam. Acho que minha única frustração foi eles não terem sequer pensado que talvez, só talvez, o exagero em suas ações não fosse pura rebeldia. Me deixou triste que Eden e Mara tenham se afastado, acho que foi uma das coisas que mais me partiu o coração no livro. Ao meu ver, Mara deveria ter tido um papel mais importante como suporte da Eden ao invés de Josh.
E aqui vai uma coisa um pouco polêmica: eu não gostei da maneira como Josh foi inserido na história. Ele apareceu no começo, se envolveu rapidamente com a Eden ? eles se conheceram, conversaram, fizeram sexo algumas vezes, ele disse que a amava, eles brigaram... ? e depois, puff, sumiu até às ÚLTIMAS PÁGINAS do livro. Honestamente, eu não gostei nem um pouco que ele foi a pessoa que ela buscou para contar o que aconteceu. Ela não falava com o Josh há 2 anos e, de repente, ele é o único no mundo a quem ela poderia confiar? Foi uma coisa super estranha, como se a autora tivesse jogado ele ali porque fez o favor de afastar todas as boas relações que a Eden tinha, então pegou uma paixão de 2 anos atrás que magoou ambos profundamente porque era a única opção. Para mim, isso é quase a tentativa de criar um contexto "garota se apaixona, tudo fica bem".
Eu gostei que ela não ficou com o Josh no final. Acho que foi a primeira atitude madura que a Eden tomou no livro inteiro: reconhecer que eles não estão prontos para ficar juntos, que ELA não está pronta para algo do tipo naquele momento. Eu fiquei muito, muito aliviada com isso.
Sobre a construção da narrativa em geral, minha crítica vai para a quantidade de eventos desnecessários em comparação com eventos que deveriam ter sido mais elaborados. Por exemplo, eu compreendi perfeitamente o motivo de Eden ter passado a chamar os pais pelo primeiro nome ao invés de "pai" e "mãe", mas isso não foi explicado por ela, é algo que fica subtendido e eu acho que poderia ter recebido um espaço na história para ser desenvolvido. O final também deveria ter sido mais trabalho, ele ficou bastante "rushado", principalmente com a repentina volta do Josh naquele momento.
Mesmo com esses detalhes que me desagradaram um pouco, eu amei a história, ela merece 5 estrelas. Eu AMEI o final, achei que foi super condizente com a narrativa e um verdadeiro final feliz, e olha que eu não sou nem um pouco fã de finais abertos. Na verdade, não achei que esse foi exatamente um final aberto, e sim um final que te da espaço para acreditar e ter esperança de que as coisas melhoram para Eden a partir dali.
?He says, dead serious, as if getting taken advantage of would be the worst thing that could happen, as if that wasn't something that happens to girls on a daily basis.? The way I used to be não é um livro que representa apenas garotas que sofreram com o estupro, ele representa garotas que sofreram qualquer tipo de abuso em suas vidas, que sofreram negligência, que apenas precisavam de uma pessoa para reconhecer os sinais e perguntar se elas estavam bem. Pude me relacionar com várias coisas que Eden disse ao longo do livro, e a história dela é muito mais do que o drama de uma adolescente traumatizada, é a vivência de milhares de garotas reais que precisam ser escutadas.