Marcel.Trocado 23/10/2022
Luta pela sobrevivência
A resistência firme dos sertanejos, que estavam dispostos a tudo para defender a comunidade que construíram, chamada Canudos, está retratada neste título. O personagem principal é Didico-Vira-Mundo. Vira-Mundo proveniente do hábito de andarilho do seu padrinho e responsável: Chico-Vira-Mundo.
Didico é um menino que conta parte de sua história, juntamente com os fatos da Guerra de Canudos. Pamboca é o seu boi de estimação e Tigüera o seu cão companheiro para todas as adversidades. Morador da localidade de Corumbé, uma região que é tão castigada pela seca que faz Didico se retirar, sem destino, para um lugar com melhores condições de sobrevivência.
O enredo flui conforme a competência primorosa do autor, Francisco Marins, membro da Academia Paulista de Letras e premiado em inúmeros concursos literários, cuja história de vida simpatiza com o homem do campo e o sertanejo.
No título, quando se estabelece o personagem principal e sua caminhada, os episódios são desencadeados de forma bem acelerada, mas sem cair no simplismo, alguns eventos, como o encontro com o temível cangaceiro Caribamba (p. 43) é de extrema tensão, somente um milagre para salvar a todos das maldades de Caribamba.
Antônio Conselheiro irá figurar na história, assim como os moradores de Canudos. A política vigente, tanto para o lado dos podres seguidores do religioso, como do recém governo republicano da época, é contextualizada na visão de Didico.
Um destaque do livro é o relato sobre o transporte do meteorito de Bendegó, meteorito que de fato existe, esse desencadeia outra trama muito interessante ao protagonista, pois irá ligar a história do seu pai, Virgílio Ribeirão, um dos transportadores da peça, ao artefato que atualmente pertence ao acervo do Museu Nacional da quinta da Boa Vista.
Uma menção interessante sobre a história do livro é a presença do escritor Euclides da Cunha, que aparece como um importante observador dos eventos da Guerra de Canudos (p. 104). Euclides de fato foi correspondente pelo jornal O Estado de São Paulo na cobertura dessa guerra, em 1902 o autor publica, com base no que presenciou, a obra-prima "Os Sertões". Um frase que ficou famosa a partir do seu livro foi "o sertanejo é, antes de tudo, um forte". Esse autor pretendia não apenas contar o que presenciara no sertão, mas explicar o fenômeno cientificamente. Além de seu valor literário, é, para muitos, o precursor do pensamento sociológico no Brasil.
Há diversos momentos de tensão, tristeza e desesperança, contrapondo na sequência em revelações que irão mudar a vida do protagonista, não para uma condição muito melhor, mas na qualidade de como irá conviver com sua condição daí por diante.
Outro destaque são as magníficas ilustrações, sobretudo as de páginas duplas (88-89; 102-103), incomuns na série vaga-lume. A arte é de autoria de Oswaldo Storni, que ilustra com muitos detalhes boa parte da história em traços precisos. O título, portanto, vale a leitura: pelas magníficas ilustrações, o próprio enredo histórico dos fatos da Guerra de Canudos e o enredo que descreve a constante luta pela sobrevivência de um povo castigado pela seca e pelas disputas políticas.