Ingrid_mayara 02/09/2017
O que é isso, companheiro?
Daqueles livros que “bem que eu podia ter lido antes”. Folheei algumas páginas uma vez só para espiar se a escrita seria muito rebuscada, e notando sua fluidez, comecei a pesquisar sobre a Ditadura antes de iniciar a leitura.
“O Que É Isso, Companheiro?” é o relato de um personagem secundário do sequestro do embaixador dos EUA Charles Burke Elbrick em setembro de 1964, considerando-se que o sequestro foi a saída encontrada pelos guerrilheiros para pressionar o governo a libertar algumas pessoas que estavam presas por motivos políticos. Esses guerrilheiros eram membros de uma organização chamada MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), que tinha como objetivo lutar contra a repressão da ditadura militar.
Narrado em primeira pessoa, o livro é estruturado em dezesseis capítulos. A princípio, Gabeira conta um pouco de sua vida desde os tempos em que morava em Juiz de Fora – MG, depois prossegue falando de suas andanças pelo RJ, onde trabalhava desde os dezessete anos como jornalista, e então dá início ao relato mais aguardado do livro: o ocorrido a partir de 1964.
As lembranças do autor pretendem reconstituir seu passado político para esclarecer as partes mais importantes daquela época aos leitores, sem deixar de dizer que esse é o seu relato, concentrando-se mais na sua perspectiva – por esse motivo eu tive certa dificuldade em conhecer mais profundamente os outros personagens.
Um aspecto interessante do relato é que nos momentos em que Gabeira estava sozinho nas diversas celas por onde ele esteve, pensava se poderia falar de tortura futuramente se ele mesmo não sofreu tanto em comparação às outras pessoas presas, e mesmo assim, ele sabia a importância de contar o que viveu. E já nas primeiras páginas ele explica como teve a ideia de escrever sua história.
Outro aspecto interessante para minhas reflexões sobre o livro foi narrado no início do terceiro capítulo, quando ele fala de sua adolescência, então eu percebi que o autor está realmente desejando uma proximidade com quem o lê: “O amigo (a) talvez fosse muito jovem em 64. Eu mesmo achei a morte do Getúlio um barato só porque nos deram um dia livre na escola. Um golpe de Estado, entretanto, mexe com a vida de milhares de pessoas.” E ele prossegue com esse diálogo meio informal por toda a narrativa, e apesar da cronologia não estar totalmente linear, consegue-se facilmente imaginar-se puxando uma cadeira, ouvindo atentamente tudo o que o autor tem a dizer.
Quanto ao título do livro, curiosidade para muitos, há duas passagens nas quais ele se evidencia; a princípio num diálogo em que Gabeira estava impressionado com a juventude de um guerrilheiro chamado Dominguinho e pergunta-lhe por que não faz coisas “adequadas” à sua idade, recebendo como resposta o próprio título do livro; e depois, enquanto saía com os amigos para distribuir um jornal clandestino, e sentindo-se atraído por uma mulher que passava a pé, propõe convidá-la para uma volta de carro, tendo também como resposta “O que é isso, companheiro?”.
Entre diversas outras conclusões que tirei do livro, provavelmente a que mais me fez refletir foi a capacidade do autor de discorrer sobre ignorância política sem tornar-se importuno, principalmente no oitavo capítulo, intitulado Sangue Gases e Lágrimas, em que Gabeira fala sobre uma amiga que não tem o hábito da leitura “e sempre que acontece uma coisa muito séria no mundo, costuma perguntar: ‘Como é que você explica isto, acontecendo tão de repente? ’ Tudo para ela foi acontecendo tão de repente.”.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1979, depois que Fernando Gabeira voltou ao Brasil completando nove anos no exílio, beneficiado pela Lei da Anistia. Vendeu rapidamente dezenas de milhares de exemplares e em 1997, com uma parceria entre Brasil e EUA, foi lançado um filme homônimo com a direção de Bruno Barreto.
Há um glossário na minha edição, o qual, mesmo tendo feito pesquisas anteriormente para me contextualizar à época, tive de consultar diversas vezes. Isso tanto pode ser ruim para quem não costuma buscar referências durante a leitura, quanto pode ser bom para quem se interessa pelo assunto. Eu gostei porque acabei aprendendo bem mais do que imaginava.
Recomendo esse livro a todas as pessoas interessadas em saber um pouco mais sobre a Ditadura, e assim como eu escrevi no início desta resenha, acho importante ter certo conhecimento para facilitar a leitura.
site: Se quiser me seguir no instagram: @ingrid.allebrandt