Flávia Menezes 09/11/2020
SE VOCÊ É FÃ DO KING, ENTÃO ESSA LEITURA NÃO PODE FALTAR!
Há dias em que a minha mente tem girado em torno de ?Misery?, e sinto que essa história precisa de uma resenha muito mais adequada, do que aquela que redigi, tempos antes de ter me aventurado muito mais profundamente no universo do Mestre King. Sendo assim, estou aqui apenas para dar o devido crédito a essa obra magnífica.
?Misery? foi meu segundo contato com a obra de Stephen King, e na época, eu havia acabado de ler ?Joyland?, que é um livro tão mais emotivo, e muito mais focado no lado emocional dos personagens, do que em toda aquela violência e terror que eu acreditava que houvesse em todos os livros do autor. Acredito que nessa época, eu não era muito diferente do que pensam muitos daqueles que não conhecem a escrita de King.
Mergulhar em uma obra intensa como essa, não foi nada fácil. Esse foi o único livro que eu li até agora, que me deixou esgotada psicologicamente. A violência física e psicológica dessa história não é algo para alguém como eu, que sou bem mais impressionável do que muitos de vocês possam ser, e não foi fácil aguentar a pressão que o protagonista sofria página por página, e houve momentos em que eu realmente pensei em desistir, porque era demais para mim.
Mas, como tudo o que o Mestre King escreve, obviamente que eu não consegui abandonar o livro, por mais dor que ele me causasse. Afinal, esse foi um livro em que Stephen King alfinetou seus leitores clara e diretamente. E quer ousadia maior do que a de um escritor que critica seus próprios leitores? Mas é isso que mais amamos no King, não é mesmo? Porque assim como seus personagens, ele é extremamente destemido.
Na história, a enfermeira aposentada Annie Wilkes é uma leitora voraz das histórias do escritor Paul Sheldon, e sua obsessão é tamanha, que ela quer ter o escritor somente para ela. E mais do que isso, ela quer que a série de best-sellers protagonizados por Misery Chastain tenha um final que a agrade especificamente. E é esse o ponto chave e brilhante dessa história.
Tomando por base a loucura obsessiva da personagem de Annie, Stephen King traz à tona as dificuldades da vida de um escritor, e da difícil tarefa de satisfazer seus leitores. E a verdade é que escrever é como uma roleta russa: se o tiro vai ser certeiro ou não, nunca se sabe. A questão aqui é que ser escritor é se entregar aos seus instintos, e acreditar que, tendo as ferramentas necessárias e se permitindo mergulhar no que sua mente está te trazendo, as chances de que algo bom possa aparecer são grandes. E nesse ponto, ?Misery? é uma verdadeira aula sobre Escrita Criativa.
Para tentar satisfazer a obsessão de Annie, o personagem precisa ir além dos seus limites, tendo que ignorar tanto a tortura psicológica sofrida, quanto a física e suas dores alucinantes, para escrever. Esse é o ponto onde King traz suas próprias experiências pessoais, e conta como a criatividade opera na mente (e na vida!) do escritor, reforçando os efeitos que a rotina diária da escrita tem na vida do escritor.
Uma técnica muito interessante que ele descreve é a ?Brincadeira do Sai Dessa?. Nessa brincadeira uma pessoa dá início a uma história, e em seguida para, e escolhe outro para continuá-la dizendo: ?Sai Dessa?, e a pessoa precisa pensar rapidamente em uma continuação. Os demais na roda julgarão se a continuação é consistente ou não, e isso é o que lhe faz prosseguir ou não no jogo. E é essa a técnica que o protagonista precisa recorrer para satisfazer as exigências da sua fã número um, desenvolvendo uma história verdadeiramente consistente e coerente.
Enquanto lia esse livro, por diversas vezes me veio à mente alguns comentários que já li aqui no Skoob, feito por alguns usuários sobre suas leituras, no histórico de leitura. Afinal, é tão comum nos depararmos com comentários tais como ?Esperava mais? ou ?Esse final foi diferente do que eu imaginava?, e precisamos dar a mão a palmatória e reconhecer que muitas e muitas vezes somos verdadeiras Annies na vida de nossos escritores favoritos.
E se me permitem, gostaria de provocar aqui uma reflexão sobre o tipo de análise, e de crítica, que fazemos aos livros que lemos. Serão elas verdadeiramente consistentes, ou são julgamentos baseados unicamente no nosso gosto íntimo e pessoal? Ao iniciarmos um livro, por que alimentamos essa fantasia de que este foi escrito unicamente para nos satisfazer? Será que consideramos o escritor uma extensão da nossa mente, e por isso ele não pode nos decepcionar criando um enredo diferente do que pensamos? Será que temos consciência do quanto a dureza das nossas palavras pode colocar tudo a perder na vida de um escritor, especialmente aqueles que só estão iniciando sua caminhada, e nem fama possuem? Será mesmo necessária tamanha crueldade nas palavras que usamos? Será mesmo essa a verdadeira função do leitor? Por que deixamos de mergulhar na mente do autor, e nos concentramos tanto só naquilo que queremos de uma história?
Essa é a grande provocação que Stephen King faz em ?Misery?, e não há como terminar uma leitura como essa sem se perguntar ?Em que tipo de leitor eu estou me tornando? Uma Annie amarga e possessiva? Ou ainda me deixo surpreender, deixando essa postura da criança que não tem seus desejos infantis atendidos, e me concentro unicamente na mente do autor, e me permito ver com seus olhos a história que ele está tentando me contar??
E sendo essa uma história baseada na vida do nosso Mestre King, é claro que a famosa cena da máquina de escrever com uma tecla faltando, trazendo a necessidade de que a letra fosse completada à mão após ter sido datilografada, um evento que aconteceu na vida de Stephen King, e é depois contada em sua biografia ?Coração Assombrado?, de Lisa Rogak, não foi deixada de lado.
De todos os livros de King, esse é essencial para todos aqueles que se dizem fãs de King, e uma vez que você realiza essa leitura, você vai começar a ver os livros de uma forma completamente diferente. Até porque se você resistir a perceber o quanto, em muitos momentos, você se pareceu com a Annie, o seu amadurecimento como leitor será muito maior, e você passará a ser muito mais consciente das suas próximas leituras. Se não acredita em mim, tudo bem. Eu posso conviver com isso. Mas espero que ainda acredite no King, e boa leitura!